Mudança na Carta

Não ocorrerão reformas políticas pelas mãos de políticos

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4 de setembro de 2010, 14h12

Em 22 anos, a Constituição brasileira sofreu nada menos do que 72 emendas — 62 pelo rito ordinário e seis no processo revisional de 1994 —, com uma média de 3,3 emendas por ano.

Essa taxa de emendamento coloca o Brasil muito à frente dos demais países latino-americanos, excetuado o México, que, por também ter uma Constituição bastante pormenorizada e ter tido durante sete décadas um partido de Estado no poder, precisou e conseguiu modificar bastante sua lei fundamental.

A diferença fundamental é que, enquanto a maior parte das modificações da Carta mexicana se deu sob o governo autoritário do PRI, o emendamento frenético da Constituição brasileira iniciou-se em contexto democrático — nos anos FHC.

Portanto, como nossa Constituição já vem sendo bastante modificada, não se pode ver a atual proposta — de uma Constituinte exclusiva para promover a reforma política — como um instrumento poderosíssimo, único capaz de reformar a Carta, que, de outra forma, permaneceria intocada. Tal constatação permite relativizar as posições tanto dos defensores da Constituinte exclusiva como de seus detratores: ela nem é uma saída milagrosa para a emperrada reforma política nem um instrumento "chavista" de subversão do Estado democrático de Direito e de aniquilação da oposição.

Supor o risco do chavismo (ou do "priismo") implica admitir que o Brasil se encontra numa conflagração política generalizada, em que as instituições capazes de impor limites ao poder governamental já não operam mais.

Mas o que verificamos no país, hoje, é exatamente o oposto disso, pois nossas instituições democráticas ganham cada vez maior solidez: o Judiciário opera diligentemente para opor limites ao abuso do poder (inclusive cassando as candidaturas dos "fichas-sujas"); nenhum presidente governa sem construir amplas coalizões partidárias no Congresso, para o que se faz necessário abrir mão de eventuais posições extremadas.

Os entes federativos dispõem de autonomia para funcionar e a disputa eleitoral nos Estados e municípios não obedece a uma lógica nacional, gerando grande descentralização do poder partidário; a oposição é eleitoralmente competitiva, mesmo quando comete erros crassos numa campanha, ensejando sua própria derrota.

A mídia atua livremente de forma crítica aos diferentes governos, sem que lhe sejam impostas restrições de forma sistemática (apesar das censuras impostas monocraticamente por um ou outro juiz). Ou seja, nada no Brasil se assemelha ao que se verifica na Venezuela, ou mesmo no México dos tempos do PRI. Quem aponta no sentido contrário o faz não baseado em fatos, mas em conjecturas que são caricaturas teóricas do Brasil atual.

Assim, uma eventual Constituinte exclusiva poderia ser convocada com base num mandato bastante restrito, delimitando-se de forma precisa os títulos, capítulos e mesmo temas da Carta que podem ou não ser objeto de modificação.

Um quorum qualificado similar ao hoje exigido para emendas constitucionais seria recomendável, como forma de assegurar a aprovação apenas de propostas minimamente consensuais — evitando a imposição unilateral de preferências idiossincráticas.

A necessidade da exclusividade de tal Constituinte decorre da percepção de que reformas políticas não ocorrerão pelas mãos dos próprios políticos. Portanto, seria necessário também interditar aos constituintes a disputa de mandatos eletivos durante um longo período, para desestimular que a Constituinte se tornasse um trampolim carreirista.

A questão é saber se, mesmo assim, a reforma política sairá.

*Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo deste sábado (4/9).

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