Dois casos

MPF-SP cria grupo especializado no combate a cartel

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31 de outubro de 2010, 6h45

Para evitar nulidades futuras e representar os interesses da União em processos envolvendo combate a cartéis, o Ministério Público Federal em São Paulo criou um grupo de atuação especializado no âmbito federal. Apesar de já existir no Ministério Público estadual, a iniciativa é pioneira no MPF. Os processos envolvendo combinações de preços entre empresas de um mesmo setor podem aparecer em três esferas diferentes: administrativa, criminal e cível.

De acordo com a procuradora da República Karen Louise Jeanette Kahn, alguns casos que tinham abrangência federal estavam sendo tratados na esfera estadual, com o devido cuidado, mas era preciso evitar que investigações complexas, como as que envolvem crimes econômicos, fossem anuladas porque estavam na esfera errada.

 "A Secretaria de Direito Econômico começou a nos provocar nesse sentido, de que existiam questões de cunho internacional onde a União tem que assumir uma personalidade processual fazendo frente a cartéis internacionais. Haviam cooperações entre os Estados Unidos e o estado de São Paulo”, explica.

Os procuradores que integram o grupo já haviam participado de seminários, eventos e palestras e tinham proximidade com assunto. Eles perceberam que havia uma lacuna no MPF em relação ao tema, e, em conversas com a chefia administrativa, conseguiram abrir o núcleo. Para Jeanette Kahn, o grupo poderá recepcionar melhor as notitias criminis que chegarem ao órgão. Desde que abriu o grupo especializado, em agosto, o MPF investiga dois casos envolvendo cartéis.

"Os prejuízos que grandes cartéis provocam aos consumidores é elevadíssimo. De um lado agride o poder econômico do consumidor que podendo pagar um preço acaba pagando cinco vezes mais em um produto e ainda fica sem opção. E de outro lado, a própria economia, porque aumenta o custo de vida e os concorrentes que fazem pela via correta são lesados”, assevera.

O grupo foi criado por meio de portaria expedida pela Procuradora Chefe da Procuradoria da República no Estado de São Paulo, Adriana Scordamaglia. Além da fase de apuração, os procuradores integrantes também atuarão nos demais processos judiciais e outros procedimentos decorrentes das informações que vierem a ser recebidas pelo grupo.

Além da Jeanette Kahn, integram o grupo os procuradores Cristina Marelim Vianna, Márcio Schusterschitz da Silva Araújo e Stella de Fátima Scampini. Cristina e Araújo atuam na área cível, no ofício do Consumidor; Jeanette e Stella, na área criminal.

Os casos que tratam da tentativa de inibir a livre concorrência, dominação de mercados e aumento arbitrário de lucros sempre deságuam na Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, esfera administrativa. E é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que irá analisar, julgar e se for o caso aplicar penalidades, como multas que variam de R$ 6 mil a R$ 6 milhões.

Somado a isso também podem ser abertos processos criminais, nos quais os agentes podem ser denunciados e punidos pelos crimes no âmbito judicial. A prática de cartel configura crime no Brasil, punível com multa ou prisão de 2 a 5 anos em regime de reclusão, conforme a Lei de Crimes contra a Ordem Econômica (Lei 8.137/90). A área Cível também tem a atenção da fiscalização com foco no direito do consumidor.

O Estado tem todo interesse em combater este tipo de concorrência desleal, já que os prejuízos afetam diretamente os consumidores e posteriormente o mercado, provocando até mesmo a quebra de empresas que não participam dos “acordos”. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os cartéis geram um sobrepreço estimado entre 10% e 20%, comparado ao preço em um mercado competitivo, causando prejuízos de centenas de bilhões de reais aos consumidores anualmente.

O cartel das Britas, como ficou conhecido devido à área de atuação, pode ter gerado um prejuízo de R$ 80 milhões em três anos, de acordo com a SDE. As empresas de São Paulo decidiram, em conjunto, diminuir a produção das britas, e posteriormente, até fraudar licitações. As mesmas empresas fiscalizavam se o direcionamento estava sendo cumprido conforme o combinado. Elas tinham por objetivo frear a queda do preço do produto e aumentar arbitrariamente o lucro na venda do produto.

Crime escondido
Neste ano, o Ministério da Justiça investiu R$ 1,6 milhão na criação de laboratórios de combate a cartéis em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraíba. Para o ano que vem, estão programados outros R$ 2 milhões em investimentos nas regiões de Minas Gerais, Amazonas, Rio Grande do Norte e Piauí. Os recursos vêm das multas aplicadas pelo Cade e de condenações judiciais.

Assim como todos os crimes econômicos a investigação é difícil e busca de provas mais ainda, por isso, a SDE aposta nos acordos de leniência. Eles são similares à delação premiada, mas na esfera administrativa. A procuradora explica que, se um integrante do cartel tiver interesse em contar como funciona o esquema, poderá receber algumas benesses. "Sendo ele o primeiro delator, se beneficia com a diminuição do pagamento de multa e suspensão do próprio processo penal, ou seja, o MP se abstém de interpor a Ação Penal", garante.

A combinação de preços não basta como prova de que um cartel existe, é necessário um conjunto de provas robustas. Devido à competitividade, é natural que os preços dos produtos fiquem próximos. No caso do cartel das britas, foi possível comprovar o esquema devido a um sistema de informática que pesquisava e distribuía os clientes de forma a beneficiar apenas os participantes.

A procuradora aponta que os métodos de investigação serão semelhantes aos utilizados para os outros crimes econômicos. "Os acordos não deixam bilhetes", lembra. Com informações da SDE.

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