Prisões ilegais

Juiz afastado vê paradoxo em mutirão carcerário

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29 de outubro de 2010, 13h59

O juiz Livingsthon José Machado, afastado da Justiça de Minas Gerais em 2005 por soltar 59 presos que cumpriam pena ilegalmente em delegacias superlotadas de Contagem, considerou paradoxal o mesmo tribunal participar do mutirão do Conselho Nacional de Justiça, que libertou 3 mil presos no estado.

Em entrevista ao jornalista Frederico Vasconcelos, da Folha de S.Paulo, ele afirmou que, nos dois episódios, as solturas foram feitas com base na ilegalidade das prisões ou no abuso das medidas. No entanto, no primeiro caso, havia interesses pessoais de desembargadores envolvidos.

Leia a íntegra da entrevista concedida à Folha e S.Paulo:

Folha – Como o sr. avalia o mutirão carcerário do Conselho Nacional de Justiça no Estado de Minas Gerais?
Livingsthon Machado – O CNJ demorou muito para se ocupar de algo que já existia naquela época e até muito antes… Não gosto de ressaltar minhas ações. Contudo, penso que consegui agir concretamente muito antes, antecipando em cinco anos o que está sendo feito agora.

Folha – O que difere nos episódios?
Machado – O momento político e os interesses pessoais de hoje e os daquela época. O mutirão atendeu a alguns interesses localizados, mas não contribuiu em nada para a solução das questões graves da execução penal no Brasil.

Folha – Não é paradoxal o tribunal ter participado agora desse mutirão e punido o sr. por haver liberado presos que estavam em situação ilegal?
Machado – Se você perguntar a qualquer desembargador, não vai ouvir como resposta que fui afastado por cumprir as normas constitucionais e as leis penais. A resposta será a de que desobedeci às ordens dos desembargadores.

Folha – Como o senhor explica isso?
Machado – São desculpas, para não se importunarem com medidas efetivas que devam ser aplicadas no dia-a-dia nas varas criminais do Estado e nas câmaras criminais do tribunal.

Folha – Como agem, atualmente, esses magistrados?
Machado – Hoje, por mais que sejam demonstradas ilegalidades e abusos no cumprimento de medidas de privação de liberdade, a concessão de um habeas corpus é quase que um milagre. Essa é uma das contradições que vejo nas ações de magistrados mineiros. O discurso é de respeito às normas constitucionais e legais, mas as ações, as decisões e condutas diárias são diametralmente opostas. Atuam muito mais como superdelegados de polícia.

Folha – Como o sr. vê a tentativa do CNJ de resolver os problemas do sistema penitenciário?
Machado – O CNJ não é órgão de execução. Acredito que esteja havendo uma usurpação no exercício de suas atribuições. Como isso agrada a boa parte da população, vem sendo digerido por todos, inclusive por membros do Judiciário.

Folha – O sr. foi alvo de processo pelo tribunal. Recorreu ao CNJ?
Machado – Sim. Depois de quase dois anos de tramitação, o órgão se omitiu com a desculpa de que a matéria já estava judicializada. Contra essa omissão tramita um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal para determinar ao CNJ que julgue o recurso administrativo.

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