História sem fim

Em 2010, apenas 37 precatórios serão pagos em SP

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29 de outubro de 2010, 11h14

"Vocês não vão receber precatório nenhum nesse ano e nem no ano que vem. O Tribunal de Justiça de São Paulo não tem estrutura pra isso!" Aos 67 anos de idade, o advogado Hamilton de Lima Neto espera o pagamento do precatório de um processo há 25 anos. Da plateia, durante o workshop sobre precatórios que aconteceu nesta terça-feira (26/10) no Sindicato da Indústria da Construção Pesada do Estado de São Paulo, ele externou a sua indignação.

Hamilton diz ter realizado um acordo para receber 0,65% do valor por mês, ao passo que o débito rende 1,5% no mesmo período. "Fui obrigado a aceitar o acordo", explica, "se o Judiciário descesse do muro, tomando medidas rápidas e eficazes, não teríamos chegado a esse caos onde são buscadas medidas paliativas".

Para tentar encontrar soluções para o impasse, o Sinicesp convidou três autoridades no assunto. Clóvis Nunes, chefe da divisão de precatórios do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Flávio Brando, presidente da Comissão Especial de Defesa dos Credores Públicos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e Venício Salles, desembargador coordenador da Diretoria de Execução de Precatórios do Tribunal de Justiça de São Paulo, discutiram por mais de duas horas caminhos para pôr fim ao problema. A mesa foi presidida pelo jornalista Salomão Ésper, da Rádio Bandeirantes, e contou com a presença do presidente do Sinicesp, Marlus Renato Dall’Stella.

Na quinta-feira (28/10) seguinte ao debate, o Tribunal de Justiça de São Paulo liberou o primeiro lote de precatórios. As duas listas divulgadas no site do tribunal beneficiarão 37 pessoas. A primeira segue a ordem cronológica dos precatórios e a segunda, a ordem de prioridade. A iniciativa, no entanto, ainda é tímida se for levado em conta o número de precatórios existentes no estado de São Paulo. Ao lado de Hamilton, mais 222 mil processos esperam pela execução.

O precatório é um título público judicial. Como lembra o desembargador Venício Salles, "pendência de precatório é pendência de decisões judiciais transitadas em julgado. Isso é de uma gravidade absurda, até porque nós nos orgulhamos de dizer que somos um país organizado segundo o Estado de Direito".

Em sua fala, o desembargador tocou diversas vezes em um ponto: a moralização do Judiciário. Segundo ele, "o sistema de pagamento dos precatórios foi deturpado e a deturpação passou a ser a regra". Assim, de decisão em decisão a jurisprudencia do Supremo Tribunal Federal caminhou para que fosse pacificado o entendimento de que o valor devido não conta com juros.

A Emenda Constitucional 33 determinou que os juros não incidem nos débitos. "É algo absurdo imaginar que uma Emenda Constitucional possa alterar a essência de uma decisão judicial", opina Venício.

O desembargador lembrou de um dos casos mais problemáticos no estado de São Paulo. Existem três ações coletivas, no município de Santo André, com cerca de 1,5 mil autores cada uma delas. Quando o primeiro lote de pagamento saiu, 400 credores do município já tinham morrido.

O assunto é tratado no artigo 100 da Constituição Federal. O parágrafo 1º determina que esses débitos devem constar nos orçamentos das entidades de direito público. Em 2009, a Emenda Constitucional 62, que prioriza o pagamento aos idosos e aos portadores de enfermidades, passou a valer. No entanto, a matéria deve tomar novos rumos. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, deu parecer favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade para revogar a emenda. A mudança decorre também de uma denúncia encaminhada à Organização dos Estados Americanos sobre os precatórios de Santo André, como noticiou a Consultor Jurídico.

A falta de informatização do TJ-SP dificulta a elaboração da lista única. O processo de licitação para a compra do software que irá auxiliar durou sete meses. Venício explicou que a ordenação dos nomes não é simples. "Mesmo com todas as portas abertas, o Judiciário é paquidérmico." Ao todo, o estado de São Paulo possui 925 entes devedores.

Em Santa Catarina, um dos tribunais mais informatizados do país, a realidade é outra. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina mantém um banco de dados de todos os credores em seu próprio site. Para saber a ordem, basta que a pessoa faça uma busca no sistema. O chefe da divisão de precatórios, Clóvis Nunes, explicou que o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e o TJ-SC possuem uma lista única. "Os representantes foram chamados e unificaram o rol por entidade devedora. Todo dia 20 a lista é atualizada com as informações que são remetidas pelos órgãos", conta.

Segundo ele, os depósitos vêm sendo cumpridos, "talvez pelo medo das sanções", que podem enquadrar o administrador na Lei de Improbidade ou até impedir o repasse de recursos pela União.

O TJ-SC inovou em um ponto: reservou metade das remessas para o pagamento conforme o critério de ordem invertida de valor. "Para dar uma limpada", esclarece, "optamos pela ordem invertida. O credor que vai receber o menor valor é o primeiro da lista. Como a quantidade de valor é a mesma [já que a lei fixa em 50% as verbas destinadas à ordem cronológica], a medida atinge mais credores".

Apesar do cenário em Santa Catarina ser positivo, Clóvis conta que não vislumbra uma solução a curto prazo para o resto do Brasil, onde há 100 bilhões de precatórios pendentes.

Outra inovação em Santa Catarina é o pagamento de precatórios por meio de dívidas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias. Empresas que devem o tributo podem abater o débito por meio da compensação de precatórios. A Lei 15.300/2010, que trata do assunto, foi publicada em 13 de setembro deste ano. O Rio de Janeiro, por exemplo, que também se valeu da tática, compensou R$ 1,2 bilhão. Ao todo, 15 estados têm leis que permitem a compensação com precatórios (acesse o texto das leis no final do texto).

"Com o tempo, os precatórios se transformaram em um calote institucionalizado, e sempre foi preciso uma fórmula para garantir e pressionar os entes federativos a realizarem os pagamentos e honrarem as dívidas do Estado com seus credores", diz Pedro Corino, professor e doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "Assim, criou-se esse programa que compensa o precatório não pago com tributos, numa tentativa de moralização de alguns governos em pagar suas dívidas", completa.

Flávio Brando, presidente da comissão que trata sobre o tema na OAB, foi direto: "É preciso acabar com essa fábula de que não existe alternativa senão o calote". Para ele, os tribunais têm se posicionado de forma ativa frente à questão. "O problema está aí, não dá mais pra tirar o defunto da mesa. A postura proativa dos tribunais demonstra o poder dever do Judiciário de fazer cumprir as dívidas."

"Devemos aceitar verdades básicas. A decisão judicial precisa ser cumprida. O problema é dos devedores, e não dos credores", declarou.

Uma dessas possibilidades são as audiências de conciliação sobre o tema. No Paraná, por exemplo, há a possibilidade de que Juizados Especiais sejam criados para sanar o problema.

O não cumprimento das decisões judiciais já transitadas em julgado foi classificado pelo jornalista Salomão Ésper como "uma bofetada na cara de centenas de brasileiros".

Clique no nome do estado para acessar a lei de compensação de precatórios:

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