Segunda leitura

Juizados especiais e Turmas Recursais Federais

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

24 de outubro de 2010, 9h44

Coluna Vladimir - SpaccaSpacca" data-GUID="coluna-vladimir.png">

A Lei 9.099, de 1995, criou os Juizados Especiais. Foi uma verdadeira revolução na Justiça brasileira. Adotou expressamente os princípios da oralidade, informalidade e economia processual. Uma sadia tentativa de acabar com a paixão brasileira pelo formalismo, onde selos, formas sacramentais, autenticações e firmas reconhecidas foram a tônica por séculos. Permitiu a celebração de acordos nas ações penais, rompendo com um dogma da velha processualística, qual seja, a indisponibilidade da ação penal pública.

Em 2001, a Lei 10.259 estendeu tal iniciativa à Justiça Federal. Nela foram criados os Juizados Especiais Federais e as Turmas Recursais, para causas no valor de até 60 salários mínimos. Os propósitos de informalidade e economia processual foram mantidos. E com uma vantagem adicional, qual seja, pagar a condenação em 60 dias, sob pena de sequestro (artigo 17). Sem precatório e através de simples requisição (RPV).

Até aí tudo está dentro dos mais modernos princípios e objetivos de acesso e efetividade da Justiça. Mas aconteceu algo não previsto: Juizados e Turmas, sem a estrutura das Varas e dos TRFs, ficaram abarrotados de processos. Alguém já disse que foi “o fracasso do sucesso”.

Qual a causa? A primeira é a facilidade de acesso à Justiça, que é louvável. Não se pagam custas e permite-se o ingresso no JEF pessoalmente. Além disto, alguns, como o 2º JEF Cível de Londrina, oferecem modelos de petições iniciais, que incluem até pedido de antecipação de tutela, o que é elogiável.[i]

Na linha do mais amplo acesso e da efetividade, os JEFs passaram a substituir o INSS. Exatamente. Melhor estruturados que a repartição previdenciária, com servidores capacitados e bem remunerados, os JEFs passaram a ser o local preferido dos autores. E foram assumindo o papel do INSS,[ii] alguns até com sala médica para os peritos examinarem alegadas incapacidades.

Juízes e servidores passaram a exercer funções típicas dos funcionários da autarquia. Por exemplo, em ações envolvendo prova de tempo de serviço, passou a ser ônus do juiz e de sua assessoria contar o tempo nos documentos apresentados e somar um a um. Imagine-se um juiz perdendo horas a calcular um ano de serviço militar, quatro anos e cinco meses e sete dias na empresa X, dois como autônomo, e assim por diante.

Outros tipos de processos, como pedidos de aposentadoria por tempo de serviço rural, passaram a ingressar no Juizado, ignorando por completo o órgão previdenciário. Milhares de audiências onde testemunhas se limitam a afirmar conhecer o autor e a atestar que trabalhava no campo. Algo que podia ser feito sem dificuldades no INSS.

Faz sentido? Se existe uma repartição do Poder Executivo especialmente criada para este fim, é razoável gastar-se com outra estrutura no Judiciário? O Brasil pode dar-se a esse luxo?

Assim estão hoje os JEFs, abarrotados de processos, quase que exclusivamente previdenciários. Neste particular, o maior número de sentenças está com o TRF da 5ª Região, que é o que conta também com o maior número de juízes neste setor.[iii]

Mas o problema maior não está nos Juizados. A crise mais se agrava nas Turmas Recursais. Para elas vão todos os recursos contra sentenças dos JEFs. Só que um juiz de Turma não conta com a estrutura de um gabinete de desembargador de TRF. Só em 2009 as Turmas Recursais do Brasil receberam 423.793 recursos, dos quais 124.566 da 4ª Região (RS). As mais sacrificadas são as Turmas da 2ª Região (RJ), que contam com apenas 10 juízes e um número de 5.056 distribuições contra 1.337 da 1ª Região (DF), que conta com 82 juízes.[iv]

Como se não bastasse, o legislador não previu cargos de juiz de Turma. Em tese, o juiz de uma Vara sai de seu gabinete no meio da tarde e, com outros dois, julga os recursos na Turma. Só que ao julgar na Turma ele abandona a Vara e esta paga o preço. Sem falar no cansaço físico e no desgaste mental resultante do exame de processos eletrônicos.

Procurando achar solução para o problema, o TRF-4 passou a convocar juízes para atuar por dois anos na Turma Recursal. É bom, mas não resolve. As Varas ficam carentes e a jurisprudência não se firma, face á rotatividade dos juízes. Cria-se insegurança jurídica, fato apontado e tratado com profundidade por José A. Savaris e Flávia Xavier.[v]

Neste estado de coisas, para ficarmos em apenas um exemplo, as Turmas Recursais do TRF-3 (SP) estão com cerca de 75.000 recursos pendentes de julgamento. E isto apesar de um mutirão ter procurado resolver o problema. Basta pensar que alguns bairros da capital paulista são mais populosos que o Estado de Roraima, o que torna a taxa de congestionamento do TRF-3 a maior do país.[vi]

Que fazer? Reclamar, culpar terceiros? Não. Isto é fácil e de nada adianta. O difícil e necessário é achar soluções. Sem prejuízo de outras, seria importante:

a) criar cargos de juiz de Turma Recursal (principal e indispensável providência), cargo de 1ª instância a ser provido por remoção ou promoção;

b) equiparar ou aumentar o número de servidores de um JEF ou Turma aos das secretarias de Varas ou gabinetes nos TRFs;

c) tabelas de uniformização de cálculos que atendam à jurisprudência dominante, feitas em comissão de que participem membros da OAB e INSS, expostas em sites, e que possam ser aplicadas na maior parte de execuções de sentença.

d) consolidação e obediência à jurisprudência da Turma de Uniformização Nacional e às Turmas Regionais, evitando-se que a cada vez que mudam seus membros alterem-se as posições, o que gera enorme insegurança jurídica;

e) estudo de redução de recursos, não tendo cabimento esgotarem-se as instâncias administrativas e depois percorrer as judiciais, em uma trajetória de cerca de 12 anos (por exemplo,apenas um recurso da primeira instância administrativa (INSS) direto à Turma Recursal ou TRF);

e) os TRFs converterem Varas com reduzido número de processos em JEFs, ainda que eventualmente desagradando interesses pessoais;

Enfim, muito há que ser feito nesta área, onde se situam, regra geral, os socialmente menos favorecidos. Qualquer mudança tem resistências e é trabalhosa. Mas aí é que está a diferença entre um bom e um apático administrador judicial, entre um Tribunal respeitado e outro desprestigiado.

 


[i] http://www.jfpr.jus.br/institucional/prlonjc02/index.php

 

[ii] Nota: nos JEFs a maioria absoluta das ações é contra o INSS, sendo mínima a parcela contra outros requeridos.

[iii] (www.cnj.jus.br, programas, Justiça em números).

[iv] http://www.cnj.jus.br/images/conteudo2008/pesquisas_judiciarias/jn2009/rel_justica_federal.pdf

[v] Recursos cíveis nos Juizados Especiais Federais, Juruá, 2010.

[vi] http://www.cnj.jus.br/ programas, Justiça em números.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!