Cenas da vida

Desembargador conta histórias de abandono e adoção

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24 de outubro de 2010, 9h06

Sete histórias reais de adoção estão reunidas no livro Nova Lei de Adoção & Causos, lançado pelo desembargador Siro Darlan, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. As histórias escolhidas têm um claro objetivo: mostrar o drama de crianças que são abandonadas pelos pais biológicos e o amor das pessoas que as adotaram. Na obra, o desembargador comenta também os aspectos jurídicos. Há pouco mais de um ano, a Lei 12.010/09 trouxe algumas mudanças nas regras de adoção no país.

Pai de quatro filhos e com uma longa experiência à frente da 1ª Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, Siro Darlan contou à revista Consultor Jurídico que muito do que foi acrescentado à lei já era adotado na prática. É o caso do cadastro. Em sua época de juiz, diz, já era mantido um “abrigo virtual”, cadastro que, em 1995, contabilizava 12 mil crianças abrigadas e, em 2004, pouco mais de duas mil. O cadastro, segundo ele, favorece a criança.

Mas, embora considere o cadastro essencial, Darlan afirma que o interesse da criança deve prevalecer diante de casos concretos em que já há uma relação de afeto entre o menor e quem não está na lista de adotantes. Retirar a criança nesse caso, constata, significa não atender ao interesse do menor, mas a uma norma. “Geralmente, a criança já foi abandonada e está na segunda família e, por decisão de juízes insensíveis, será entregue para uma terceira? Quantas perdas essa criança já teve na vida? Vai ter mais uma?”, questiona.

Outro tema delicado apontado pelo desembargador é a longa espera para que a criança retorne à família biológica. Ele comenta que a preferência dos adotantes é por crianças com menos de quatro anos. Para ele, se o problema é a idade, ao deixar a criança “envelhecer” em uma instituição, esperando a família se arrepender, o juiz estará impedindo o menor a ter uma nova família. “Tem que ter critérios. Não pode tirar a criança porque os pais são pobres”, exemplifica. Mas também, completa, a criança não pode esperar que os pais deixem as drogas ou se livrem do álcool, por exemplo, para tê-la de volta.

Como a ideia de escrever um livro sobre a lei de adoção era atingir pessoas de fora do mundo jurídico, o desembargador incluiu histórias de crianças que foram abandonadas de maneira trágica. A mais chocante foi a do menino chamado de Rafael, no livro, encontrado no lixão com mais de 30% do corpo queimado. O bebê foi levado para o hospital onde recebeu o atendimento da equipe médica. Compunha a equipe uma médica, cirurgiã plástica, que acompanhou o menino nos meses em que ele ficou internado no hospital. Ela submeteu a criança a um total de 18 cirurgias para recuperar os danos causados pelas queimaduras. Casada e sem filhos, a médica e o marido resolveram adotar a criança.

Outra história comovente contada por Darlan é a de um garoto portador do vírus HIV e de esquizofrenia. Por conta das características e dos problemas de saúde, diz o desembargador, o menino chamado de João Arcanjo “era forte candidato a ficar esquecido e abandonado durante toda sua infância”. Como diz o desembargador, “todas as histórias do livro tiveram um final feliz, com a vitória do amor sobre o desamor, o abandono, a violência”. A do menino não foi diferente.

O desembargador compara, ainda, a adoção a uma “gravidez jurídica”. São feitas várias entrevistas para saber se os adotantes estão habilitados para tanto. O tempo até a adoção se concretizar varia. “Há a possibilidade de adotar em meia hora”, diz. “Isso é exceção, mas já aconteceu.” Se já há o procedimento de habilitação, em que já se conhece a pessoa que quer adotar, é simples. Ele considera importante o período de convivência antes de se prolatar a sentença.

No livro, não só nas partes que se referem à lei, mas nos relatos de adoção, o desembargador faz críticas contundentes quanto ao que chama de padrão “ISO – kids” exigido pelos adotantes. Darlan diz que eles querem menina, recém-nascida e branca. O perfil das crianças brasileiras, afirma ele, é outro. O desembargador atribui ao preconceito a demora no procedimento de adoção. “Não é a adoção que é complicada, mas a cabeça das pessoas.”

Dados do início deste mês do Cadastro Nacional de Adoção, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, mostra que há, no país, 7.662 crianças e adolescentes aptos a serem adotados, e 29.689 pessoas que querem adotar uma criança.

Serviço:
Livro: Nova Lei de Adoção & Causos
Autor: Siro Darlan de Oliveira
Editora: Lumen Juris Editora
Páginas: 121
Preço: R$ 32 no site da editora

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