Prerrogativas profissionais

Cadastro sobrepõe missão constitucional da OAB

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22 de outubro de 2010, 13h05

Notícia do Consultor Jurídico, datada de 20 de outubro, tem por título: “Seccionais da OAB apoiam cadastro de inimigos”. No desenvolver da matéria, esclarece-se que o conselheiro Guilherme Batochio apresentou, em reunião dos presidentes de Comissões de Defesa das Prerrogativas das seccionais da OAB, a “proposta de criação do Cadastro Nacional de Violação das Prerrogativas do Advogado”, isso com a justificativa de que serviria como base de dados para um suposto critério de avaliação de ingresso de magistrados aposentados nos quadros da OAB. Eis o cenário.

Infeliz é a qualificação de uma tal iniciativa. Ainda que tendo pessoal e fraternal relacionamento com grande número de advogados militantes e integrantes da administração (atual ou pretérita) da OAB, tal posicionamento, ao vislumbre do conhecimento dos fatos, do relacionamento entre pessoas e instituições, assim como à luz de princípios norteadores da conduta, não sobrevive a uma análise, mesmo que superficial.

As pessoas, especialmente as investidas de funções e cargos públicos, ou de atuação pública, devem estar à altura dos desafios de suas posições, sem jamais deslembrar que a representação das instituições deve garantir sua perenidade no convívio com suas congêneres e com os cidadãos. Não se deve sacrificar a instituição pela notoriedade circunstancial, pelas conveniências pessoais de momento. Esse é o princípio geral de conduta.

O relacionamento das instituições, com suas congêneres ou com pessoas, impõe observância de sua natureza e finalidade, para que o representante de ocasião não se faça ou pretenda fazer superior a ela. A transitoriedade da representação não se compadece com personalismos opressivos da própria instituição, que sacrifiquem seus superiores objetivos; a OAB, consagrada constitucionalmente à função de garante da democracia, não pode ceder à tentação que bate às portas de representantes seus e transformar-se em instrumento de atuação da vontade de alguns, deturpando o sentido que o Estado de Direito consagra à sua existência. Difícil é a missão de refrear arroubos pessoais ou de grupo em prol da instituição representada, especialmente no trato com suas congêneres ou com pessoas.

O cotidiano tem nos mostrado à mancheia o quanto enganam-se as pessoas no encargo de representação das instituições. O conhecimento limitado dos fatos motiva equívocos, posto que a falibilidade inerente à humanidade dos representantes das instituições frequentemente não permite pleno descortino de todas as circunstâncias de cada caso e flagrantes injustiças podem ser cometidas.

Se no relacionamento com pessoas a falibilidade recomenda contrariamente à pretensão anunciada, que fazer diante do relacionamento com outras instituições? Imaginar que representantes do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e demais instituições que congregam profissionais do direito ajam da mesma forma inviabilizaria a finalidade maior que a todas congrega, qual seja a de fazer Justiça, pacificar a sociedade e permitir que o progresso se alcance.

Não nos escusemos, por inteiramente oportuno, de apontar que a posição de garante da democracia no Estado de Direito impõe observância de limites fixados por lei, com antecedência de amplo debate por todos os seguimentos envolvidos no Congresso Nacional. Eleger, por capricho ou sentimentos menores, critérios de afastamento contra pessoas e instituições é desmerecer por completo a dignidade que a Assembleia Constituinte fez questão de reconhecer à OAB.

Infeliz o anunciado “cadastro dos inimigos”, que, acaso aprovado ao sabor de conveniências pessoais de momento em detrimento da missão constitucional da instituição, injustiças perpetrará em sacrifício da cidadania e do sofrido povo brasileiro que merece mais, muito mais do que a engenhosidade da vontade persecutória possa engendrar.

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