Questão de competência

Justiça comum não pode julgar caso da Universal

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20 de outubro de 2010, 16h16

A 16ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo considerou que a Justiça estadual não tem competência para julgar a Ação Penal contra integrantes da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), acusados de praticar os crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Por maioria de votos, os desembargadores entenderam que compete à Justiça Federal analisar o caso, por tratar-se de lavagem de dinheiro transnacional. A Ação Penal corre na 9ª Vara Criminal de São Paulo.

A competência do juízo foi analisada, na terça-feira (19/10), pela Câmara durante sessão de julgamento do Habeas Corpus de Honorilton Gonçalves da Costa e João Batista Ramos da Silva, ex-diretores das empresas Cremo e Unimetro, usadas pelo grupo para movimentar e dissimular a origem do dinheiro arrecadado dos fiéis, segundo investigação do Ministério Público Estadual. Os suspeitos pediam liminarmente o trancamento da ação, alegando constrangimento ilegal e ausência de justa causa do processo, que não descreve as condutas praticadas pelos dois acusados no esquema.

No entanto, o recurso não chegou a ser analisado. Em seu voto, o relator do caso, o desembargador Almeida Toledo, determinou a transnacionalidade do crime, pois a execução da lavagem de dinheiro ocorreu em território estrangeiro. Com base na Lei 9.613/98 e na Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, ele entendeu que o crime deve ser julgado pela Justiça Federal.

“Ao analisarmos as informações passadas pela denúncia, concluímos que não cabe à Justiça estadual julgar este caso, pois o dinheiro foi lavado no exterior. O que não significa que a ação foi trancada", explicou o relator. "Nós determinados a remessa dos autos do recurso e da ação penal à Justiça Federal para que, caso essa competência fosse questionada futuramente, não houvesse o perigo de prescrição”.

Em nota, O TJ-SP acrescentou que prosseguir na análise do caso implicaria em agasalhar nulidade absoluta que contaminaria todo o processo ao seu final, propiciando eventual prescrição da ação penal. O tribunal efatizou ainda que, na sessão de julgamento, o próprio Ministério Público paulista, por meio do procurador de Justiça oficiante na Câmara, se manifestou no sentido da incompetência da Justiça estadual.

A revista Consultor Jurídico procurou os advogados que defendem a Igreja Universal, Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo e Daniel Bialski. Eles não foram encontrados até o fechamento da reportagem.

Ao receber os autos, o Ministério Público Federal vai analisar se propõe a denúncia para que a Justiça Federal julgue o caso. Caso isso aconteça, a decisão do TJ-SP que trancou a Ação Penal contra Veríssimo de Jesus, outro integrante da Iurd suspeito de participar do esquema, pode ser reavaliada.

No HC de Veríssimo, a turma julgadora concluiu que as provas colhidas pelo MP não sustentam a inicial. Segundo o relator, o suspeito ingressou na sociedade, como diretor das duas empresas, em 25 de fevereiro de 2008, data posterior aos documentos usados pela acusação. O acusado deixou o cargo 18 meses depois, em 5 de agosto de 2009. A conclusão a que chegou o relator foi de que a prova documental não coincide com o período da gestão de Jesus Veríssimo à frente das empresas.

O caso
A denúncia do MPE é resultado de dois anos de investigação do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco). Ao analisar a quebra dos sigilos bancário e fiscal dos acusados, os promotores afirmam que constataram um esquema criminoso sustentado pelo dízimo pago pelos fiéis da igreja.

Segundo a denúncia, o dinheiro arrecadado nos cultos era transferido às empresas Cremo e Unimetro que, por sua vez, o remetiam para outras duas sociedades sediadas em paraísos fiscais: a Cableinvest e a Investholding. O dinheiro voltava ao Brasil sob a forma de empréstimos simulados em contratos entre as duas empresas localizadas em paraísos fiscais e “laranjas”, integrantes do grupo acusado. Os recursos repatriados eram, então, usados na compra de empresas de comunicação, como a TV Record.

De acordo com o MPE, a quadrilha atuou por dez anos sob o comando do bispo Edir Macedo. Ele, segundo os promotores, usava empresas de fachada para desviar recursos provenientes de doações dos fiéis da igreja e praticar uma série de fraudes. Além do bispo, foram denunciados Alba Maria da Costa, Edilson da Conceição Gonzales, Honorilton Gonçalves da Costa, Jerônimo Alves Ferreira, João Batista Ramos da Silva, João Luis Dutra Leite, Mauricio Albuquerque e Silva, Osvaldo Sciorilli e Veríssimo de Jesus. Em agosto de 2009, a Justiça paulista recebeu a denúncia e transformou os acusados em réus.

A investigação do MPE também apontou que, somando transferências atípicas e depósitos bancários feitos por pessoas ligadas à Iurd, o volume financeiro da igreja de março de 2001 a março de 2008 foi de R$ 8 bilhões. Estas informações são confirmadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda.

Clique aqui para ler o voto do desembargador Almeida Toledo.

HC 990.10.247420-8

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