Dr. Google

Tecnologia não vai tornar o advogado dispensável

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17 de outubro de 2010, 7h42

Com a disseminação da tecnologia, é cada vez mais comum alguém recorrer ao Google para solucionar qualquer problema, inclusive jurídico. Uma rápida busca permite localizar jurisprudências, normas, leis, sites que dão consultas jurídicas online, comentam casos, explicam conceitos e até mesmo colocam à disposição modelos de contratos, petições, recursos e detalham todos os passos de um processo. Esta seria uma nova modalidade de jus postulandi, pessoa que pode postular ela mesma suas pretensões na Justiça, dispensando assim a figura do advogado.

Em entrevista ao periódico espanhol El País, o sociólogo Manuel Castells, um dos principais pensadores sobre sociedade da informação e autor da trilogia A Era da Informação, destacou que quanto mais autônoma for uma pessoa, mas ela usa a internet. A rede se transformou em um instrumento chave para a autonomia dos internautas, uma vez que deixou de ser usada apenas para a conexão de dados e pessoas e passou a ser uma “rede de todas as coisas”.

Para o tributarista Lucas Cassiano, que atua no escritório Cassiano Advogados e escreve para o blog Gestão de Departamento Jurídico, essa autonomia dos internautas pode representar a substituição do trabalho intelectual do advogado. “Nós já temos situações em que a postulação em juízo pode ser feita sem a presença do advogado, como nas ações dos Juizados Especiais Cíveis e a separação consensual. O fato de termos ferramentas na internet para obtenção do conhecimento jurídico bruto pode representar uma tendência de que a postulação feita pela própria pessoa seja ampliada.”

Outra consequência apontada por Cassiano é que cada vez menos advogados vão trabalhar com demandas de massa, como ações bancárias, aquelas que tratam de telefonia, energia elétrica e de direitos do consumidor. “Esses processos possuem procedimentos padrões. Os escritórios possuem petições padronizadas para lidar com esses casos.”

O tributarista acredita os advogados que quiserem assegurar serviços jurídicos de maior valor terão de investir na capacidade de contextualização e na criatividade jurídica. “Nós já percebemos esse fenômeno em algumas áreas, em que são necessárias soluções inovadoras para causas mais complexas.”

Apesar de a relação entre advocacia e internet ser incerta, devido à rapidez das mudanças no mundo digital, Cassiano acredita que haverá espaço tanto para quem trabalha com causas padrões, quanto para os profissionais que optam pela especialização. “Os novos profissionais terão de escolher qual tipo de advocacia querem exercer. Quem trabalha com processos de massa deverá adotar uma estratégia de gestão de custos e automatização por softwares. Já quem quiser se especializar, terá de aprofundar seus conhecimentos jurídicos.”

Benefícios
A teoria da Cultura da Virtualidade Real, de Manuel Castells, diz que as relações humanas, cada vez mais, se darão em um ambiente multimídia. Isso também já pode ser observado nas relações jurídicas, uma vez que os tribunais passam por um processo de digitalização. “Podemos acessar informações de todos os tribunais do país e saber como cada um deles está analisando as causas sem precisar sair do escritório”, observou Cassiano.

O processo eletrônico possibilitou que o advogado tenha uma atuação nacional. “Nós, por exemplo, que estamos no Rio Grande do Sul e trabalhamos com Direito Tributário, uma área que vive em processo de mudança com o surgimento de novas normas, podemos conhecer as demandas administrativas de outros estados por meio da internet”, ressaltou o tributarista. Isso, segundo ele, provocou um impacto forte nos custos dos escritórios. Se antes era preciso ter uma vasta biblioteca para ter acesso à jurisprudência dos tribunais, hoje a rede permite esse acesso em apenas poucos minutos.

Informalidade
O presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI), Omar Kaminski, avalia que a disponibilização de informações jurídicas na internet é positiva, na medida em que desmistifica os procedimentos na área. “Esse é um processo inevitável e que traz mais transparência à maneira como o advogado lida com a causa. Esse tipo de informação não pode ser privilegiada.”

Ele destacou que está se tornando cada vez mais comum o atendimento do cliente pela internet, seja por Skype, MSN ou e-mail. No entanto, se por um lado a internet democratizou o acesso à informação jurídica, estendendo esse tipo de conhecimento para muitas pessoas que antes não tinham acesso livre a um advogado, por outro, ela pode trazer certa informalidade para a área.

Para Kaminski, os profissionais devem considerar que o Direito está passando por transformações com a internet. “O processo eletrônico exige conhecimento quanto à utilização das novas tecnologias. Nesse sentido, o uso da certificação digital promete trazer mais segurança nesses casos. Resta saber se os advogados estão preparados para isso.” E, no meio de tudo isso, surgem novos problemas conceituais: “devemos aprender a lidar com direito à liberdade de expressão, assegurar a privacidade na rede, tratar do compartilhamento de informações, tudo isso preservando os valores básicos do Direito, como a ética e o sigilo”.

Credibilidade à prova
Para Ivette Senise Ferreira, presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), as informações disponíveis na internet são imediatas, genéricas e, muitas vezes, limitadas a uma situação específica. “Elas são aparentemente úteis, mas podem ser prejudiciais, pois o leigo não vai conseguir identificar outros fatores que se relacionam com o seu problema e que não estão elencadas nessa consulta à internet. Isso pode mudar todo o panorama de uma causa.”

A advogada destacou que apenas um profissional saberá medir as consequências de um pedido mal formulado. “O advogado não é uma peça dispensável. São poucas as ações que uma pessoa pode mover sozinha”. Ivette alerta para o fato de que essas informações pontuais podem conter erros. “É difícil saber até que ponto há credibilidade nesses dados, principalmente as que são retiradas de sites pouco conhecidos ou que têm a interferência de um número ilimitado de internautas, como a Wikipedia.”

O advogado Tadeu Ragot, do escritório Melo e Ragot Advogados, também concorda que a qualidade do material disponível na internet é discutível. “Já vi muitas publicações de cópias de petições e contratos que não primam pela qualidade. Elas deixam uma série de questões abertas.” Para o advogado, defender a presença do profissional do Direito nas postulações jurídicas não é uma questão de corporativismo, uma vez que o Judiciário pode sofrer com isso. Dessa forma, o que poderia ser resolvido de forma prática e rápida pode levar mais tempo para ser apreciado devido a erros do autor da ação.

Ragot avalia que tudo ainda é muito incipiente para fazer uma análise sobre como o advogado vai lidar com o “Dr. Google”. No entanto, ele avalia que a internet não vai provocar uma mudança específica sobre como o profissional deve atuar no gerenciamento de cada processo. “Cada caso tem características específicas, mas isso não significa que, para ter seu trabalho reconhecido e a importância de seu papel garantida, o advogado tenha de ser mais criativo. A internet demanda adaptações, não uma transformação completa na advocacia.”

Julgamentos
Para o desembargador Paulo Dimas Mascaretti, presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), o fato de qualquer pessoa conhecer os procedimentos jurídicos não põe em xeque o julgamento das causas. “Nós não vamos nos deparar com petições, inicias e pedidos de baixa qualidade, pois até mesmo nos Juizados de Pequenas Causas os recorrentes têm assistência jurídica de pessoas qualificadas. As ferramentas da internet e os modelos disponíveis nela vão apenas orientar a parte sobre como, tecnicamente, seus direitos vão ser sustentados em juízo, o que é uma coisa muito boa.”

Para recorrer ao Juizado Especial Cível, é preciso que o valor do prejuízo não ultrapasse 40 salários mínimos. Alguns exemplos de ações que podem ser movidas nos Juizados Especiais são contratação de serviços não realizados, encomenda de produtos não entregues, recebimento de cheque sem fundo, problemas com convênios médicos ou multas de trânsito do antigo proprietário do veículo. Até 20 salários mínimos, a contratação do advogado é opcional. Se a ação ultrapassar esse valor, a atuação do advogado é obrigatória.

Democratização da informação
Para o presidente da Comissão de Sociedade Digital da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Augusto Marcacini, a democratização de qualquer tipo de informação é sempre positiva. “Nunca é demais a divulgação das leis. As pessoas precisam saber dos seus direitos.”

No entanto, não pode haver o entendimento de que o trabalho do advogado é simplesmente copiar modelos. “Lecionei por 22 anos e sei que cinco anos não são suficientes para que o advogado aprenda tudo o que é necessário. Ou seja, não é com uma simples consulta à internet que alguém vai encontrar a solução para o seu problema. Isso envolve uma formação técnica, teórica, cultural e prática que só o profissional tem.”

Marcacini não vê a democratização das informações jurídicas como uma ameaça. Porém, ele ressalta que o internauta tem de ter consciência de que as informações são básicas e nem sempre se encaixam no seu caso.

O direito ao livre acesso à informação também é defendido pelo especialista em Direito do Consumidor Francisco Antonio Fragata Júnior, do escritório Fragata e Antunes Advogados. Para ele, o cliente pode e deve acompanhar o andamento de um processo e questionar o advogado sempre que houver dúvida. Porém, considera arriscado uma pessoa se lançar nas causas jurídicas sozinha. “O advogado conhece os meandros do Direito com mais precisão. Quando alguém recorre à Justiça sozinha, ela se expõe a um risco muito grande.”

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