Interesses das partes

Eleição do foro em contratos decide lei aplicável

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16 de outubro de 2010, 8h00

Entende-se por eleição de foro o comprometimento das partes contratantes a reclamar eventuais direitos derivados do contrato em determinado órgão jurisdicional. Trata-se, pois, de um pacto acessório, no qual as partes elegem o foro competente para conhecer de eventual litígio judicial.

A eleição de foro é admitida tanto em contratos nacionais como em internacionais. A súmula 334 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe que é válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato, aplica-se a ambas as espécies contratuais.

Nos contratos internacionais, a eleição de foro encontra alguns óbices. O principal deles diz respeito à competência jurisdicional do local em que se pretende executar a decisão judicial proferida. A eleição de foro só tem valor se a decisão extraída da jurisdição eleita puder ser homologada e executada perante a jurisdição na qual se pretende executá-la.

Os limites da eleição de foro são, neste sentido, as competências jurisdicionais dos países envolvidos.

No Brasil, por exemplo, o ordenamento jurídico admite a eleição de foro, inserindo como competência relativa da jurisdição estatal os contratos que elegeram o seu foro para julgar eventual demanda.

Ainda, válida é a eleição de foro, perante o ordenamento jurídico pátrio, que prevê como competente o juízo estrangeiro, reconhecendo-se, internamente, a sentença proferida pelo juízo eleito, desde que respeitadas as ressalvas impostas pela lei.

Trata-se de competência relativa, onde, mesmo sendo brasileira a competência para julgar certos conflitos, admite-se, para efeito de homologação e execução em jurisdição nacional, as sentenças proferidas por juízos estrangeiros.

Há, no entanto, determinadas matérias que são de competência absoluta da jurisdição brasileira, excluindo-se qualquer outra, não se admitindo, neste sentido, sentença estrangeira para execução no Brasil.

O Código de Processo Civil Brasileiro, em seus artigos 88 e 89, faz uma distinção exemplificativa entre competência relativa e absoluta. Seguindo esta ordem, vejamos:

Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:

I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;

II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III – a ação se originar de fato ocorrido ou de fato praticado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no n. I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

O dispositivo supra transcrito elenca as hipóteses em que a jurisdição brasileira é relativamente competente para julgar as demandas decorrentes das matérias relacionadas.

Diz-se relativa a competência porque se admite, sem ofensa à soberania nacional, que outra jurisdição estatal, também competente para julgar a demanda, assim o faça, podendo ser validada, através de homologação por órgão jurisdicional competente, a sentença proferida por juízo estrangeiro.

Já o artigo 89 do diploma legal acima referido dispõe sobre a competência absoluta da autoridade judiciária brasileira para decidir determinadas matérias:

Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão a qualquer outra:

I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

II – proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

Dessa forma, para que uma decisão judicial oriunda de um negócio jurídico internacional seja exeqüível, é necessário que a jurisdição do local da execução lhe dê validade e eficácia. Para tanto, não poderão ser objeto da decisão a ser homologada as matérias de competência absoluta da jurisdição perante a qual se pretende executá-la.

Por exemplo, num contrato internacional, firmado por empresas brasileira e americana, que tem por objeto a alienação de imóvel localizado no Brasil, elege-se o foro dos EUA para conhecer de eventual litígio judicial. A sentença proferida pelo juízo norte-americano não poderá ser executada no Brasil, pois, a teor do artigo 89 do Código de Processo Civil, a autoridade judiciária brasileira é exclusivamente competente para “conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil”. Como a execução da decisão terá de ser realizada em jurisdição brasileira, haja vista a localização do imóvel, bem como a soberania estatal que mantém o monopólio da jurisdição em todo o território nacional, a sentença proferida pelo juízo americano será inócua, uma vez que, impossibilitada de ser executada, padece sem efeito no mundo jurídico.

Em relação ao MERCOSUL, está vigente em seus países membros o Protocolo de Buenos Aires, que dispõe sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual, aprovado pela decisão 1, de 05 agosto de 1994, do Conselho Mercado Comum, reunido em Buenos Aires, República Argentina, promulgado pelo Decreto 2.095 (17 de dezembro de 1996), vigência internacional em 06 junho de 1996.

Este protocolo disciplina a competência forense dos países-membros em relação aos contratos internacionais firmados entre particulares. A eleição de foro em um destes países, quando houver razoável vinculação com o contrato, é o principal elemento de fixação do foro competente, seguido pela regra supletiva de fixação, onde a competência vincula-se ao domicílio.

Assim, entre os países membros do MERCOSUL há uma segurança jurídica maior em relação à eleição de foro, haja vista o acordo firmado prevendo a sua validade e eficácia. Nota-se que mesmo nestes casos faz-se a ressalva da competência absoluta. Ou seja, no Brasil a eleição de foro em contrato internacional só tem validade se o contrato não versar sobre as matérias dispostas no artigo 89 do Código de Processo Civil, ou seja, se for respeitada a competência absoluta estatal.

Outra questão importante com relação à eleição de foro é a aplicação da lei material no julgamento da demanda.

Faz-se aqui uma distinção entre eleição de foro e lei material aplicável ao contrato:

Eleição de foro significa o comprometimento das partes contratantes em reclamar seus direitos perante certo órgão jurisdicional, enquanto a escolha da lei aplicável é a possibilidade das partes elegerem qual regramento jurídico irá regular a relação contratual.

A regra a ser utilizada será indicada pelo Direito Internacional Privado do país onde se julgará a causa. Assim, o julgador seguirá a regra de conexão para encontrar a lei que deverá ser aplicada ao contrato em apreço. Pode-se afirmar, neste sentido, que todo contrato internacional será regido por uma lei estatal, a ser determinada pela regra de conexão do país onde estiver sendo julgada a causa.

A escola estatutária italiana, ainda na idade média, desenvolveu e definiu a regra de conexão que aponta como competente para reger o contrato a lei do local de sua celebração. Assim, nos países que adotam esta regra, entre eles o Brasil, ao se julgar uma causa derivada de um contrato internacional, a lei aplicável será a do local de sua celebração (lex loci celebrationis).

Há, porém, países que aplicam a lei material do país de execução do contrato internacional (lex loci executionis), como é o caso da Argentina.

Veja-se a hipótese de um contrato firmado na Argentina, entre empresas brasileira e argentina, cuja obrigação seja executada no Brasil.

Se for eleito o foro brasileiro para julgamento de eventual demanda, a lei brasileira (lex loci celebrationis) mandará aplicar ao contrato a lei material argentina na solução da controvérsia.

Caso eleito o foro argentino, a lei deste país (lex loci executionis) aplicará, no julgamento da demanda, a lei material brasileira, considerando o local da execução da obrigação.

Dessa forma, a eleição do foro importa, diretamente, na indicação da lei material aplicável à solução de eventual controvérsia.

Cabe aos contratantes, na eleição do foro em contratos internacionais, verificar as seguintes questões, entre outras: regra de conexão do país do foro eleito; se a lei material aplicável na solução de eventual controvérsia atende aos interesses dos contratantes; se a sentença proferida no foro eleito será exeqüível na jurisdição na qual se processará a execução.

Somente assim os contratantes poderão eleger o foro em contrato internacional com uma razoável segurança jurídica.

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