Sigilo fiscal

MP 507 vai contra a moderna administração tributária

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13 de outubro de 2010, 11h54

Há muito no Brasil o preço da incompetência do Administrador é pago pelo contribuinte, porém, no último 6 de outubro, essa conta ultrapassou as raias da loucura.

A irresponsabilidade do Executivo chegou a tal ponto que talvez estejamos vivendo o momento ideal para um verdadeiro levante da sociedade contra a velha política de administração tributária, autoritária e burocrática, culminando no amadurecimento de reformas tributárias e na aprovação do projeto de estatuto do contribuinte – os interessados na corrida presidencial que se cuidem.

Com a promulgação da recentíssima MPv 507/2010, os entraves criados para os contribuintes, com um cada vez maior número de atribuições e obrigações que sozinhos geram um custo de cerca de 5,82% do PIB[1], e a burocracia Fazendária atingiram o ápice.

Ainda que os dispositivos legais da MPv 507/2010 não tenham alcançado o que modernamente a doutrina vem propugnando, no sentido de instituir a responsabilização pessoal do funcionário público em reparar eventuais prejuízos aos cidadãos-contribuintes, poderiam ser merecedores de aplausos em vislumbrar a necessidade de incutir na mentalidade do órgão Fazendário maior responsabilidade no trato das informações fiscais dos cidadãos.

No entanto, o artigo 5º da MPv 507/2010 vai na contra-mão das idéias no que tange à moderna administração tributária no mundo, inclusive nos vizinhos sul-americanos, as quais cada vez mais pregam a redução dos custos com a burocracia para aumento da compliance por parte dos contribuintes.

Veja-se, a esse propósito, breve recomendação contida em artigo publicado por LeBaube e Vehorn[2]:

Todos os países parecem fazer o seu melhor para tornar mais difícil para os contribuintes o cumprimento da lei. A lei é complexa, contraditória, difícil de interpretar, e até mesmo difícil de encontrar. Os formulários necessários são difíceis de localizar e, por vezes, têm mesmo de ser comprados; formulários e pagamentos têm de ser apresentados em horários e lugares inconvenientes; e muitos que se envolvem com funcionários da administração fiscal se sentem incomodados ou molestados. Em outras palavras, a maioria dos países precisa melhorar seu desempenho administrativo, particularmente no que tange à clareza, acesso e educação nos deveres e direitos tributários.

Portanto, este dispositivo legal acabou por inadvertidamente criar no Brasil desproporcional e injustificado ônus aos contribuintes para acessarem os processos administrativos tributários e exercerem o sagrado direito de defesa, bem como obter as ainda tão importantes certidões negativas de débitos.

A exigência de procuração por instrumento público, para que os contribuintes, mormente pessoas jurídicas, possam ter acesso aos autos de processos que lhes imputam penalidade e gravames ou, principalmente, para requerer, acompanhar e obter certidões negativas de débitos ultrapassou as fronteiras das exigências formais, entre outras até então não menos absurdas, porém suportadas, para verdadeiro óbice ao livre desenvolvimento da atividade econômica.

Isso sem se falar na completa ausência de relevância e urgência exigidos pelo artigo 62 da Constituição Federal para justificar a medida, já que a responsabilização dos funcionário público que age em desconformidade com a lei já encontra punições noutros diplomas legais.

A medida igualmente mostra-se deveras irrazoável quando, sabidamente, decorreu de prática ilícita por parte de funcionários da própria Receita Federal, conforme largamente divulgado pelos meios de comunicação, episódio no qual o contribuinte é quem teve seus direitos violados.

Sem sombra de dúvidas errou-se na medida, pois a ilegalidade praticada por membros da própria Administração Pública não justifica a criação de desmedida exigência em face do cidadão-contribuinte.

Por outro lado, mas não menos importante, considerando-se os custos financeiros e o tempo necessários para a obtenção de procurações por instrumento público, pode-se encontrar na exigência do artigo 5º da MPv 507/2010 verdadeira censura a direitos fundamentais dos cidadãos-contribuintes, com real cerceamento do direito à ampla defesa e devido processo legal previstos nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal.

O episódio político que desencadeou a infeliz MPv 507/2010 é mais uma prova de que um mecanismo de controle institucional, consistente numa figura autônoma e com interesses opostos aos da Administração Tributária, é necessário para garantir o cumprimento da legalidade e impedir o malferimento dos direitos individuais dos cidadãos-contribuintes.

Nesse panorama, a criação de um defensor dos interesses do cidadão-contribuinte e fiscalizador da atividade fazendária mostra-se cada vez mais imprescindível à garantia dos direitos humanos nas relações Fisco-Contribuinte, com competências para exercer plenamente o fim colimado e próximo bastante da relação jurídico-tributária concreta para anular prontamente os efeitos do ato atentatório ao direito em debate.

A alternativa pode estar, quem sabe, na experiência norte-americana, onde esse defensor dos cidadãos nas relações com a Administração Tributária materializa-se no Taxpayer Advocate.

Por fim, as breves linhas aqui produzidas certamente não são fiéis ao sem número de manifestações, algumas até mesmo mais profícuas, que ainda estão por vir, emanadas de todos cantos e setores produtivos do país, mas ao menos se trata de pequena contribuição individual livre e legítima em defesa da cidadania tributária nunca lembrada desde a grande reforma de 1967.


[1] Ver BIFANO, Elidie Palma (coord.). AGUIAR, Luciana. Processo de obtenção de certidões negativas e os impactos na atividade empresarial brasileira. Maio/2006. Disponível em: www.pwc.com/br.

[2] LEBAUBE, Robert A. VEHORN, Charles L. In Improving tax administration in developing countries. Washington: FMI, 1992. p. 311.

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  • Brave

    é advogado associado da Junqueira de Carvalho, Murgel e Britto Advogados, especialista em Direito Tributário pelo IBET e em Direito Previdenciário pela UERJ

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