Limites da espionagem

Agentes da Abin não podem atuar como policiais

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13 de outubro de 2010, 18h19

Nada impede que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sugira ao Departamento da Polícia Federal a investigação de um fato do qual seus agentes tomaram conhecimento nas apurações feitas dentro de seu limite de competência. Mas agentes da Abin não podem participar de investigações policiais em curso, nem praticar atos reservados a agentes policiais, como manipular e analisar diálogos captados por interceptações telefônicas.

Esse é um dos argumentos usados pelo subprocurador-geral da República Eduardo Antônio Dantas Nobre no parecer em que defende a anulação da Ação Penal que levou o banqueiro Daniel Dantas a ser condenado a 10 anos de prisão, por corrupção passiva ativa, pelo juiz Fausto Martins De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. “Manifesto-me pela concessão do habeas corpus, ex officio, para que seja expedida ordem, com força para anular, desde o início, a Ação Penal”, sugere o subprocurador-geral.

O parecer, emitido em 4 de fevereiro passado, foi juntado ao pedido de Habeas Corpus feito pela defesa de Dantas ao Superior Tribunal de Justiça. Não há data para que o pedido seja julgado. Com o parecer do Ministério Público Federal, o relator do processo, ministro Arnaldo Esteves lima, pode incluí-lo na pauta de julgamentos da 5ª Turma do tribunal a qualquer momento.

A defesa de Daniel Dantas entrou com o pedido de Habeas Corpus depois que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região recusou-se a adiar o julgamento do primeiro pedido de HC feito àquele tribunal. De acordo com o subprocurador Eduardo Nobre, a rejeição do adiamento foi ilegal. Os advogados do banqueiro pediram para que o julgamento fosse adiado para que pudessem juntar aos autos prova da participação irregular da Abin na investigação de Dantas.

Eduardo Nobre, no parecer, sustenta que a presteza do pedido de Habeas Corpus deve respeitar o réu. Por isso, “assiste (ao réu) o direito de buscar o seu adiamento, para que o julgador ou os julgadores considerem documentos que se afiguram relevantes para a motivação da decisão, ainda que possam, no sopesamento das provas, proclamar a sua desvalia”. Ou seja, para o subprocurador, o argumento de que a defesa pretendia apenas adiar o desfecho da causa não faz sentido, já que apenas a ela interessava o julgamento do pedido.

De acordo com Nobre, só se justificaria a negativa do tribunal se o julgamento fosse prejudicial ao acusado ou se a prescrição da condenação estivesse próxima. Nenhuma das duas hipóteses ocorreu no caso. O subprocurador-geral opina que, caso o STJ decida não anular toda a Ação Penal, que seja anulado ao menos do acórdão do TRF-3 que julgou o primeiro pedido de Habeas Corpus sem atender ao pedido de adiamento e sem que a defesa juntasse aos autos os documentos que achava pertinentes para a análise do caso.

Investigação paralela
O parecer acolhe em parte a decisão do TRF-3 no que diz respeito ao fato de que as notícias veiculadas por jornais, revistas, rádios e pela televisão, que davam conta da participação de agentes da Abin nas investigações contra o banqueiro promovidas pelo delegado federal Protógenes Queiroz, não podem constituir prova desse fato. Mas reforça que deveria ser dada à defesa a chance de provar, com outros documentos, o argumento de que agentes da Abin fizeram uma investigação sem respeitar o devido processo legal.

A defesa de Dantas sustenta que a Abin fez monitoramento telefônico e telemático mesmo antes de o inquérito contra Daniel Dantas ser instaurado. Eduardo Nobre sustenta que agentes da Abin não devem, “sob nenhum pretexto, atuar além de sua competência institucional”.

De acordo com o subprocurador, a atuação da Agência de Inteligência do governo só admitida em quatro hipóteses: “(i) no conhecimento e na execução de ações, sigilosas ou não, destinadas à colheita e à análise de informes, que vierem a ser considerados necessários ou úteis ao assessoramento da presidência da República; (ii) no planejamento, na execução e na proteção de conhecimentos sensíveis, relativos à segurança do Estado e da sociedade; (iii) na avaliação de ameaças, internas e externas, à ordem constitucional; e (iv) na formação e desenvolvimento de recursos humanos, na elaboração de uma doutrina de inteligência e na realização de estudos em ordem a aprimorá-la”.

Nobre ressalta que essas hipóteses “devem ser observadas a rigor, eis que preservam o cidadão e a própria pessoa jurídica de devassas desmotivadas e indiscriminadas”. O subprocurador ainda sustenta que essas regras “sofreram tantos e tamanhos desacatos, que o Departamento de Polícia Federal, no despacho que ordenou apuração da responsabilidade funcional dos seus servidores”, afirmou que houve na investigação um completo desvio de finalidade.

O subprocurador-geral da República se referiu ao fato de que, de acordo com as investigações da PF, o delegado Protógenes Queiroz repassou informações sigilosas “para jornalistas da Rede Globo, permitindo-lhes a realização de filmagem da diligência policial objeto da chamada ação controlada, ocorrida no dia 19/06/2008, no Restaurante El Tranvia e a realização de cobertura jornalística quando da deflagração da operação, no dia 08/07/2008, aqui em São Paulo”.

Foi com base nas gravações feitas no restaurante que o juiz De Sanctis condenou Dantas a 10 anos de prisão por tentativa de suborno. As gravações mostram Humberto Braz, ex-diretor da Brasil Telecom, e Hugo Chicaroni, intermediário de Dantas, em encontros com o delegado Victor Hugo Rodrigues Alves, no que seria uma negociação de propina para interromper investigação que estava em andamento na Polícia Federal contra Daniel Dantas e sua irmã Verônica, por prática de crimes financeiros na gestão do Banco Opportunity.

Na investigação aberta contra Protógenes, a direção da Polícia Federal também argumenta que servidores da Abin “sem autorização judicial e sem qualquer formalização, foram introduzidos ocultamente nos trabalhos da Operação Satiagraha, tomaram conhecimento dos dados que estavam sob sigilo e, seguindo comando daquela autoridade e de outros servidores a ela subordinados, realizaram trabalhos de vigilância, acompanhamentos de alvos, registros fotográficos, filmagens, gravações ambientais, análise de documentos igualmente sigilosos, geraram relatórios e produziram transcrições a partir da audição de gravações de conversações telefônicas interceptadas pelo sistema guardião, em situação que ultrapassa qualquer limite de entendimento de que fosse simples atuação pontual com troca de dados de inteligência entre órgãos integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), cuja razão de existir e finalidade de atuação diferem diametralmente daquelas correspondentes à Polícia Judiciária da União”.

Clique aqui para ler o parecer do subprocurador-geral da República Eduardo Nobre.

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