Corrupção no Judiciário

Ministro Gilson Dipp critica desvio de juízes

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11 de outubro de 2010, 14h12

Nos dois anos em que esteve à frente da Corregedoria Nacional de Justiça, o ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, diz que foi surpreendido com a incidência de casos de corrupção no Judiciário. De setembro de 2008 a setembro deste ano, ele presenciou, por exemplo, o ministro Paulo Medina ser condenado a se aposentar depois da acusação de venda de decisão judicial.

“O juiz deve ter uma conduta muito mais austera do que qualquer outro cidadão”, declarou Dipp em entrevista concedida ao jornal O Globo. A entrevista foi publicada nesta segunda-feira (11/10). Para ele, os desvios cometidos por juízes são fruto da sensação de impunidade. “É a sensação de impunidade, a onipotência e a tentativa de obter proveito daquilo que é mais sagrado, a prestação jurisdicional.”

Leia a entrevista concedida ao jornal O Globo:

A partir da sua experiência na Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça pela quantidade de casos de corrupção investigados, o senhor diria que é muito elevado o grau de corrupção no Judiciário brasileiro?
No universo de 16 mil juízes, os casos efetivamente são pontuais. Mas não são tão pontuais quanto eu imaginava. A Corregedoria Nacional de Justiça começou a funcionar até pela omissão das corregedorias locais. Posso dizer, com tranquilidade, que as corregedorias dos Tribunais de Justiça dos estados e algumas corregedorias dos Tribunais Regionais Federais não atuavam condignamente. Se atuassem, seria muito menor a intervenção da Corregedoria Nacional nesse setor disciplinar.

Essa sua visão dá para ser traduzida em números? O Conselho Nacional de Justiça tem estatísticas sobre juízes que foram processados e estão sendo julgados?
Nós, da Corregedoria e do Conselho, afastamos inúmeros juízes em sindicância. Afastamos definitivamente em processos disciplinares, inclusive um ministro do Superior Tribunal de Justiça [Paulo Medina] num processo em que fui relator. Todo processo contra juiz é um processo demorado, permite a ampla defesa. Começa com uma sindicância. Nessa sindicância são ouvidas testemunhas, feitas perícias, tem que fazer reconstrução de toda a carreira do juiz, das decisões do juiz que geraram desconforto administrativo para as partes, para só depois chegar a uma conclusão com fatos concretos. Vários foram afastados, vários foram punidos e tantos outros estão em tramitação no Conselho Nacional e na Corregedoria e, certamente, gerarão sindicâncias e processos disciplinares.

O senhor poderia nos dizer quais os casos que considerou mais graves neste período?
Tivemos casos emblemáticos. Um deles foi o julgamento de uma reclamação disciplinar contra um ministro do STJ.

Paulo Medina?
Paulo Medina, que foi afastado. Foi punido com aposentadoria compulsória, que é a punição mais grave na Lei Orgânica na Magistratura. Afastamos ainda em fase de sindicância o corregedor geral de Justiça do Rio de Janeiro. Afastamos o corregedor em exercício do Tribunal de Justiça do Amazonas. Afastamos em processo administrativos disciplinares sete dos nove juízes que atuam nas varas cíveis de São Luiz do Maranhão. Todos eles com antecipações de tutela, ou medidas cautelares, ou liminares, liberando altas somas que se originaram de pequenas ações de indenização por dano moral e que passavam de R$ 5 mil a R$ 15 milhões. Nós tivemos a extinção do Ipraj em Salvador, aquela autarquia que administrava financeiramente o Judiciário da Bahia.

O Judiciário, a exemplo de outros poderes, não está blindado contra a corrupção. A sociedade tem uma expectativa muito grande sobre o juiz. O juiz projeta uma imagem de quase santo. Por que um juiz se corrompe?
Eu disse uma certa vez, numa entrevista, que o Judiciário, a exemplo de outros poderes, não está blindado contra a corrupção. O que ocorre no Judiciário, esses casos pontuais, é o que ocorre em outros poderes. É a sensação de impunidade, a onipotência e a tentativa de obter proveito daquilo que é mais sagrado, a prestação jurisdicional. Ou seja, o juiz deve ter uma conduta muito mais austera do que qualquer outro cidadão. Porque ele, em suma, julga questões relativas à vida, à liberdade e ao patrimônio das pessoas. Mas essa não é uma corrupção generalizada. É uma corrupção localizada.

Alguns dizem que a corrupção aparece mais no Executivo e no Legislativo porque são mais transparentes. E aparece menos no Judiciário porque é um poder menos transparente. O senhor acha que o grau de corrupção no Judiciário está no mesmo nível dos outros poderes?
Se formos comparar com os outros poderes, a corrupção no Judiciário é muito menor, muito mais localizada. Agora, a transparência do Judiciário hoje está se dando pela atuação firme no CNJ e, em especial, da Corregedoria. Hoje nós temos os portais do Siafi do Judiciário, onde estão todos os casos, os cargos de confiança, os salários pagos, o número de processos por juízes, as decisões que são feitas.

Nos últimos anos, surgiram vários casos de corrupção em todas as esferas de poder. O que está acontecendo: a corrupção aumentou ou as instituições estão funcionando melhor?
Acho que são os dois fatores. Primeiro houve maior transparência na investigação, no processamento e na punição dessas pessoas que praticaram atos de corrupção. Isso é um fator determinante de maior visibilidade, de maior consciência da população e de maior divulgação pela própria imprensa. Agora, eu também acho que, ao lado disso, faticamente aumentou a corrupção pela terrível sensação de impunidade das pessoas que praticam esses atos.

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