Longo aprendizado

Censura prévia é a prisão preventiva do pensamento

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4 de outubro de 2010, 9h55

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Rodrigo Dalacqua - Spacca - Spacca

O Brasil é o país onde mais se processa jornalistas porque ainda não se sabe ao certo quais são os limites entre a liberdade de expressão e a inviolabilidade da imagem. “Em dúvida, movido por irritação ou dinheiro, o suposto ofendido vai à Justiça”, explica o advogado criminal, especializado em causas de crimes contra a honra, Rodrigo Dall’Acqua.

O advogado credita a essa confusão o fato de o Judiciário, em alguns casos, permitir a censura prévia de notícias. “Não se pode punir alguém por uma intenção”, diz ele, para quem a Constituição admite sanções apenas para o que já foi publicado. Proibir uma notícia que ainda não saiu, diz Dall’Acqua, “equivale a uma espécie de prisão preventiva do pensamento”.

O caso mais recente de censura prévia é o da liminar do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins, que, no último dia 24, proibiu 84 órgãos de comunicação de divulgar notícias sobre investigação do Ministério Público de São Paulo envolvendo o governador do estado e candidato à reeleição, Carlos Gaguim (PMDB). A mulher do desembargador que concedeu a liminar, Liberato Póvoa, já trabalhou no governo de Gaguim. “Não precisa de muita investigação para perceber que há uma relação entre o homem político, o magistrado e o fato que foi censurado”, destaca o advogado.

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1999, Dall’Acqua sempre advogou na área criminal. O Oliveira Lima, Hungria, Dall’Acqua e Furrier Advogados, fundado há mais de 40 anos por Areobaldo Oliveira Lima, desfruta de reconhecimento singular. Levantamento feito por este site apontou que o Escritório é reputado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e pelos desembargadores como um dos mais confiáveis e respeitados na área penal. Na banca, Dall’Acqua é o sócio responsável pela complexa área dos crimes contra a honra. A experiência no tema o habilita para atuar tanto na defesa dos meios de comunicação como na defesa de vítimas de abusos cometidos pela imprensa.

Em entrevista à ConJur, Dall’Acqua falou sobre a linha tênue que divide o direito à privacidade e o direito à informação, a revogação da Lei de Imprensa e a relação atual entre o Judiciário e a imprensa no país. Participaram os jornalistas Lilian Matsuura e Maurício Cardoso.

Leia a entrevista:

ConJur — Até que ponto se justifica a censura prévia, como no caso do governador de Tocantins, Carlos Gaguim (PMDB), que está sendo investigado pelo Ministério Público e concorre à reeleição?
Rodrigo Dall’Acqua — O Poder Judiciário é fundamental para regular eventuais excessos da imprensa. O jornalista precisa de liberdade para trabalhar, mas o Poder Judiciário deve atuar quando há abuso. O que acontece na censura prévia é que o ato nem chegou a ser concretizado, a informação sequer foi veiculada e já é tolhida. Eu entendo que é um completo absurdo, é ilógico, inconstitucional e equivale a uma espécie de prisão preventiva do pensamento. O correto seria o Judiciário, após a informação ser veiculada, avaliar se é o caso de impor uma sanção civil ou mesmo penal.

ConJur — O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, afirma que a punição a posteriori não resolve, porque o dano moral é irreversível — o que justificaria a censura prévia. O senhor concorda?
Rodrigo Dall’Acqua — O dano à imagem pode, sim, ser irreversível. Ainda mais hoje, com a transmissão e, principalmente, a manutenção das informações na internet. É muito difícil você apagar o dano sofrido perante a sociedade — ou mesmo impedir que aquela informação se perpetue. Mas a censura prévia não é solução. O jornalista fica proibido de veicular informações referentes a determinadas pessoas ou assuntos, com base na suposição de que ele vai agir com excesso, com dolo, com má intenção. A punição antecipada realmente tem, como dito pelo ministro Gilmar Mendes, a intenção de proteger cautelarmente a imagem da pessoa, mas ela cerceia de forma muito grave o direito da sociedade à informação.

ConJur — E o que é o excesso?
Rodrigo Dall’Acqua — Para compreender o que é excesso, é preciso compreender o que é interesse público. Qualquer fato que atenda aos anseios legítimos da sociedade é tido como de interesse público. Se o jornalista atende o interesse público, ele não pode ser punido civil ou criminalmente. Porque o seu ânimo foi de informar a sociedade e não o de ofender alguém. Por exemplo, uma pessoa que ocupa um cargo público, seja político, na magistratura, no Ministério Público, que tenha destaque na sociedade brasileira, qualquer ato relacionado a essa pessoa na sua função pública e às vezes até na vida pessoal, é de interesse público. Se um texto jornalístico não atende o interesse público e se mostra inverídico ou foi produzido com a intenção de atacar a honra de uma pessoa, aí se caracteriza o excesso.

ConJur – Há muito excesso atualmente?
Rodrigo Dall’Acqua – Não, porque o próprio jornalista sabe que promover um ataque completamente desprovido de interesse público acarreta a perda de credibilidade do veículo de informação. Via de regra e de forma geral a imprensa hoje está funcionando bem e atende o interesse público. Os jornalistas não sabem tudo o que precisam saber sobre Direito assim como os juízes não conhecem muito bem o funcionamento da imprensa. Mas tem havido progresso de parte a parte. É um aprendizado e faz parte do processo de amadurecimento do país.

ConJur — Mas o interesse público é um conceito subjetivo.
Rodrigo Dall’Acqua — O interesse público é todo fato que desperta interesse na sociedade. Se um governante tem uma amante, dependendo das circunstâncias, esse fato pode vir a ser de interesse público, porque essa pessoa ocupa um cargo de tamanha responsabilidade que até mesmo as suas ações privadas ganham interesse para a sociedade. É diferente no caso de uma pessoa que jamais ocupou um cargo público. Quanto às celebridades ou aos artistas, a vida pessoal também fica sacrificada pela exposição. Obviamente, excesso ou perseguição acintosa devem ser coibidos. Mas, em resumo, o interesse público se justifica pela própria exposição que a pessoa assume voluntariamente perante a sociedade.

ConJur — O fato de o homem público ter uma amante não significa  necessariamente que isso vá influenciar nas suas decisões públicas.
Rodrigo Dall’Acqua — Depende. Não faltam exemplos de casos de autoridades que foram chantageadas por causa de aspectos íntimos da sua vida. E só foram chantageadas porque existia um segredo. Para a sociedade, em alguns casos, é importante saber, e ela tem o direito de saber dos fatores que possam influenciar a atividade pública de um governante, legislador ou julgador. No Brasil, esse duelo entre interesse público e direito à privacidade é resolvido pelo Poder Judiciário, que avalia caso a caso se há abuso.

ConJur — E o judiciário tem feito bem esse papel?
Rodrigo Dall’Acqua — Via de regra, sim. O que se tem visto no Brasil é a criação de uma jurisprudência muito forte, muito confiável no sentido de que o interesse público é causa de imunidade para o jornalista. O exemplo mais nítido de interesse público é a reprodução de algum fato relacionado à atividade funcional do um homem público, do político. Nesses casos, ainda que a crítica seja dura, deselegante ou grosseira, que incomode muito aquele que a recebe, a nossa jurisprudência tem entendido que não há que se falar em excesso de liberdade de informação. O jornalista agiu protegido pela imunidade, porque nada mais fez do que servir de canal de informação para a sociedade. Isso é o que se tem como regra hoje, felizmente, no Brasil. O problema são as exceções.

ConJur — No caso do governador do Tocantins, a influência da divulgação das acusações contra ele no resultado das eleições não seria um bom argumento para tentar censurar ou impedir que essas notícias fossem publicadas?
Rodrigo Dall’Acqua — Esse é um péssimo argumento. Porque, em um momento eleitoral, a sociedade está extremamente preocupada, interessada, carente de informações sobre seus atuais governantes e sobre os possíveis futuros governantes que estão concorrendo. Logo, o argumento serve para defender o direito da sociedade à informação da qual ela precisa para escolher seus candidatos.

ConJur — Mesmo que o Judiciário tente impedir o uso político dessa informação pela oposição, por exemplo, que sempre tenta tirar a credibilidade do candidato investigado?
Rodrigo Dall’Acqua — O que a oposição vai fazer com a informação veiculada pela imprensa não é algo que possa ser considerado pelo Poder Judiciário. O que precisa ser analisado é se a imprensa tem o direito de veicular e se a sociedade tem o direito de saber daquela informação. Naturalmente, no jogo político isso vai ser utilizado pela oposição. E, em um Estado democrático, aquele que é acusado pela oposição tem meios e condições de se defender. Mas, em um conflito como esse, calar a imprensa não é a melhor saída.

ConJur — As críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito da cobertura jornalística no país atingem a liberdade de imprensa?
Rodrigo Dall’Acqua — Não seriamente. Eu acredito que essas críticas têm caráter puramente eleitoral e demonstram que o presidente busca na campanha defender a sua candidata atacando a imprensa. Não temos visto no Brasil nenhuma atitude concreta do governo em cercear a liberdade de imprensa. As críticas do presidente, embora possam ser taxadas de deselegantes e inoportunas, não configuram atentado à liberdade de expressão.

ConJur — A imprensa pode publicar informações sigilosas sem ser responsabilizada por isso?
Rodrigo Dall’Acqua — A quebra de sigilos bancário e fiscal e interceptações telefônicas, por natureza, são sigilosas e devem permanecer na investigação, em um processo acautelado. Só que isso vaza com facilidade e quem faz essas informações saírem do processo é alguém que tem ou teve acesso a elas no curso da ação. Aí é que está o problema. O Poder Judiciário tem de coibir o vazamento dessas informações. Porém, uma vez que o jornalista recebe essas informações, por ser um profissional norteado pelo dever de informar sociedade, ele pode publicá-las.

ConJur — Então ele não está submetido ao sigilo da Justiça?
Rodrigo Dall’Acqua — Não. O segredo de justiça existe para os funcionários do Judiciário e para as partes que têm contato com aquelas informações. O que pode acontecer é o Poder Judiciário querer punir ou tentar impedir que um veículo publique informações sigilosas de um processo. O que, me parece, não é o que aconteceu no caso de Tocantins, porque a medida liminar [concedida pelo desembargador Liberato Póvoa] proibia a publicação de qualquer informação relacionada aos fatos investigados. Algo muito mais amplo, que foge a essa discussão mais detida sobre uma informação sigilosa ou não.

ConJur — Como se configura o dolo nos crimes de imprensa?
Rodrigo Dall’Acqua — Para ter crime contra a honra é preciso ter a intenção de ofender a honra de alguém. Se o jornalista noticiou assunto de interesse da sociedade e agiu amparado com o mínimo de informações seguras, já se deve chegar à conclusão de que ele não agiu com a intenção de ofender a honra. E, em um caso como esse, se o juiz tiver dúvida se houve dolo, se houve culpa do jornalista em veicular uma matéria ofensiva, ele tem de decidir em prol do jornalista. Essa é a regra. O ministro Celso de Mello chama “excludentes anímicas” — quer dizer: se o ânimo foi o de informar, não pode ter sido de difamar. E só existe dano quando há dolo.

ConJur — E quanto ao erro de informação?
Rodrigo Dall’Acqua — O jornalista está sujeito ao erro. Como qualquer profissional, ele erra e erra ainda mais, porque tem obrigação, a pressão, o dever de fazer a informação circular com rapidez. É preciso avaliar se o erro foi uma falha natural ou se foi, não um erro, mas sim uma intenção determinada, consciente de atacar a honra de alguém. Os julgadores precisam compreender que, quase sempre, o erro do jornalista é um acidente de trabalho, como costuma dizer o ministro Gilmar Mendes.

ConJur — Casos de imprensa, que envolvem uma questão complexa como liberdade de expressão e direito de informação, podem ser julgados em Juizado Especial?
Rodrigo Dall’Acqua — Na esfera criminal não existe mais o crime de imprensa, existe apenas o crime contra a honra. Com a revogação da Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967), os jornalistas passaram a ser processados pelos crimes comuns que todo e qualquer cidadão está sujeito a cometer, que são injúria, difamação e calúnia. A grande mudança é que o jornalista agora está sujeito a uma pena um pouco menor, pois no Código Penal as penas são menores do que as previstas na Lei de Imprensa. Então, normalmente, esses casos caem em Juizados Especiais Criminais, o que não significa que vá ser um julgamento de menor qualidade.

ConJur — Isso na esfera criminal. E na cível? Não deveria haver um debate maior dos casos? A ConJur já foi condenada a retirar uma notícia do ar só porque ela é antiga. A pessoa que moveu a ação foi condenada, em 2003, mas, como ela já cumpriu a pena, foi determinada, a retirada da notícia.
Rodrigo Dall’Acqua — A questão do banco de dados chamado internet é muito complexa e ainda não está pacificada, pois há o direito de a pessoa se ver livre daquela informação, o que antes acontecia quando o jornal ia para a lata de lixo. Agora, a informação fica disponível para sempre, a pessoa é absolvida, cumpre a pena, recebe a reabilitação criminal, conquista o direito de ser considerada tecnicamente primária, mas, com uma simples pesquisa do seu nome, todo aquele passado volta. Isso é muito complicado, pois há também o direito das pessoas de continuar tendo acesso àquela informação.

ConJur —Todo espaço na internet pode ser considerado como imprensa?
Rodrigo Dall’Acqua — Juridicamente essa discussão perdeu um pouco o efeito, porque não existe mais a Lei de Imprensa que dava à ofensa praticada por jornalista menos gravidade que a praticada por não jornalistas.. Tive um caso em que o juiz entendeu que o Blog do Noblat era um veículo de imprensa, porque tinha periodicidade e uma linha editorial traçada, então, toda e qualquer ação questionando o material publicado no blog deveria ser examinada à luz da Lei de Imprensa. No caso, a parte contrária não usou a Lei de Imprensa, mas sim o Código Penal e o juiz extinguiu a ação, porque um dos prazos não foi cumprido. A internet é um novo veículo de informação, que é difícil de conceituar como sendo imprensa quando temos em mente a figura de uma redação, de um chefe de redação, um jornal sendo impresso. Na Internet vigora certa anarquia de informação, mas também com menos credibilidade.

ConJur — Não é simplesmente uma mudança de plataforma?
Rodrigo Dall’Acqua — Sim, quando se fala de um veículo de imprensa tradicional. Os blogs estão revolucionando a forma de comunicação. Pelo Twitter, em alguns segundos, você tem uma informação disseminada para milhares de pessoas. Isso necessariamente não vai seguir os ritos que existiam em um jornal escrito, mas vai ter alcance maior do que muitos jornais. O desafio é legislar sobre isso. O fim da Lei de Imprensa, por essa ótica, é até positivo, pois você não tem mais que se deparar com essa questão: como vamos tratar os blogs? Como vamos tratar o Twitter? Vai ser aplicada a Lei de Imprensa? O critério diferenciador vai ser se há um jornalista assinando ou se não há? Agora, realmente, a legislação comum vale tanto para o jornal quanto para o blog.

ConJur — Vamos falar de liberdade de informação, não de liberdade de imprensa.
Rodrigo Dall’Acqua — Possivelmente, o termo liberdade de imprensa cairá em desuso, porque o mundo da informação é muito maior que o mundo da imprensa. 

ConJur — Estamos juridicamente preparados para isso?
Rodrigo Dall’Acqua — Acredito que sim, porque os Códigos Civil e Penal são os instrumentos que regulamentam eventual excesso na liberdade de informação. Talvez, ainda não estejamos acostumados a lidar com tanta liberdade de informação e tantas manifestações de pensamento. É praticamente impossível controlar a disseminação de informações na internet. O ser humano vai ter de se tornar mais tolerante com informações que o desagradem e aprender a discernir em que tipo de informação ele vai confiar. O cardápio é extenso.

ConJur — O senhor acha que a internet tem de ter um controle?
Rodrigo Dall’Acqua — Tem de ter controle sim. A internet nada mais é do que a virtualização de tudo o que nós já conhecemos. Só acelera a velocidade em que as informações se propagam, mas não traz nenhuma novidade. E até mesmo as questões técnicas são muito avançadas para você descobrir quem é o autor de um texto na internet, apurar de onde veio determinada mensagem, de onde foi postado um vídeo. A própria Justiça está se familiarizando com o mundo virtual, para aplicar naquele universo as leis do mundo físico. Existem delegacias especializadas em crime de internet para apurar autoria de crimes contra a honra e também escritórios de advocacia que estão se especializando nisso.

ConJur — Como o Judiciário está se adaptando ao fim da Lei de Imprensa?
Rodrigo Dall’Acqua — Uma vez que a lei foi completamente revogada, não tem mais aplicação alguma. Alguns recursos que se baseiam em algum artigo da Lei de Imprensa não são conhecidos pelo STJ. No STF, alguns processos têm seguimento, mas com a troca da lei de regência (da Lei de Imprensa para o Código Civil ou Penal). A parte de recomposição de danos causados por manifestações da imprensa tem sido resolvida pelo Código Civil e a parte de crime contra a honra recaiu sobre o Código Penal. Acho que a revogação foi muito importante, porque a lei era absolutamente antiquada, inclusive prevendo crime de atentar contra os bons costumes e a moral. Coisas completamente anacrônicas. Sem a Lei de Imprensa, a responsabilidade do jornalista continua a mesma e os excessos continuam passíveis de pena pelo Poder Judiciário. Na parte criminal, embora o jornalista esteja sujeito a pena menor, ele tem de suportar um prazo prescricional muito maior. Com a Lei de Imprensa, o prazo era de dois anos, agora, ele varia de três a quatro anos. Isso torna muito maior a chance do jornalista ser condenado por crime de imprensa. Antigamente, a maioria das ações prescrevia.

ConJur — O fim da Lei de Imprensa tem mais pontos positivos do que negativos?
Rodrigo Dall’Acqua — Na matéria penal, sem dúvida. A Lei de Imprensa precisava ser revogada. Era um corpo estranho no nosso ordenamento jurídico. Só chama a atenção a inércia do nosso Poder Legislativo de não propor uma reforma dessa lei ou uma discussão com a sociedade para imaginar uma legislação mais atualizada ou que pudesse melhor regular o setor. Coube ao Supremo fazer o papel de legislador e dizer: “Chega! Essa lei não serve mais”.

ConJur — E precisa de uma Lei de Imprensa? Faz falta?
Rodrigo Dall’Acqua — Não tem feito. O próprio direito de resposta, que é garantido pela Constituição Federal, e a responsabilidade por danos morais têm sido assegurados pela lei civil. E, a esfera criminal, no caso de um ataque de muita gravidade contra a honra de uma pessoa feito pela imprensa, também tem amparo no Código Penal. O ideal, talvez, seja a criação de uma legislação específica e mais clara sobre o direito de resposta, que hoje é aplicado por analogia.

ConJur — Jornalista vai para a cadeia?
Rodrigo Dall’Acqua —
É muito difícil você ver qualquer cidadão hoje ser preso por crime contra a honra. Ele tem penas pequenas e, nesses casos, o nosso sistema jurídico prevê a garantia da pena alternativa. A prisão de um jornalista só aconteceria no caso em que ele não fosse mais primário. Evidentemente, a ideia de ver alguém, jornalista ou não, preso por crime contra a honra soa como um grande absurdo. No caso do jornalista, temos em mente que ele só pode ser condenado por um crime contra a honra se agir, não como jornalista, mas como um criminoso comum, ou seja, se ele buscou apenas atacar a honra de uma pessoa de forma consciente, de forma determinada.

ConJur — Um levantamento do ConJur identificou que o Brasil é o país que mais se processa jornais e jornalistas. Como o senhor avalia esse dado?
Rodrigo Dall’Acqua — Em primeiro lugar, há uma certa intolerância às críticas e uma cultura geral de que você tem de processar um jornalista para dar uma resposta à sociedade em vez de contestar com informações a reportagem que o ofendeu. A saída mais utilizada no Brasil é procurar o Judiciário para depois dizer: “Eu processei aquele jornalista, a matéria é mentirosa”. Uma mudança de comportamento seria permitir que essas disputas entre o direito de informação e o direito à honra e à imagem fossem garantidos com direito de resposta. Mas talvez a melhor explicação seja a de que haja grande confusão sobre as fronteiras do direito de cada um. Ou seja: em caso de dúvida, processa-se. Nos Estados Unidos, onde cada um já sabe com precisão os limites de seu direito, o volume de processos por dano moral caiu verticalmente.

ConJur — A imprensa costuma dar direito de resposta?
Rodrigo Dall’Acqua — Um bom texto jornalístico já vem acompanhado do outro lado. Ele publica a informação que vai incomodar aquela pessoa, mas já abre, na mesma reportagem, um campo para que a pessoa esclareça o fato. Outras reportagens mostram o contrário, nitidamente há o interesse de não ouvir o outro lado, de não deixar que a informação apareça por inteiro. Aí sim, a pessoa que se sentiu ofendida pode procurar o Judiciário, que vai obrigar aquele veículo de informação a veicular o direito de resposta. O direito de resposta é bom porque evita um processo judicial e traz mais informação para a sociedade.

ConJur — Existe também quem não conheça os procedimentos da imprensa e por isso recorra ao Judiciário? Ou aqueles que se aproveitam da situação para conseguir uma indenização?
Rodrigo Dall’Acqua — Sem dúvida. As pessoas mais pobres no Brasil não têm condições de questionar os excessos cometidos pela imprensa. É muito natural você ver um programa policial na TV explorando de forma desumana uma pessoa que acabou de ser presa, e sequer está sendo processada, porque sabe que essa pessoa não vai ter condições de questionar os excessos, não vai poder pedir danos morais ou entrar com queixa crime. A ação penal por crime contra honra no Brasil é privada, é preciso contratar um advogado para isso. Eu nunca vi uma queixa crime movida por um defensor público. Em tese, a pessoa tem até o direito de ir à Defensoria Pública e dizer: “Eu não tenho condições de contratar um advogado, mas minha honra foi atingida por uma publicação e quero processar por calúnia”. No Brasil, os juízes chamam a queixa crime de “briga de rico”, porque essas discussões são exclusivamente para as camadas mais favorecidas.

ConJur — Como o senhor avalia esse nicho da imprensa que explora a desgraça alheia ou que se dedica à fofoca de celebridades?
Rodrigo Dall’Acqua — São setores da imprensa que trabalham sempre no limite do aceitável, no limite entre a liberdade da informação e o excesso punível. E, por isso mesmo, são mais passíveis de, vez ou outra, sofrer um processo. Naturalmente, eles fazem isso na medida que percebem que vão ter audiência. Trabalham com noções de interesse público, mas explorando isso até onde começa o direito a privacidade.

ConJur — É difícil defender esse tipo de jornalismo?
Rodrigo Dall’Acqua — Sem dúvida nenhuma, porque é o jornalismo do excesso, que também pode alegar que trabalha com o interesse público, seja para noticiar a essência de um crime bárbaro, mostrar aquela prisão em flagrante ou explorar a tragédia pessoal de uma celebridade, mas sempre com um excesso de exposição, tornando bem questionável esse tipo de jornalismo. No entanto, esse tipo de jornalismo está perdendo espaço.

ConJur — Hoje os programas humorísticos estão explorando esse nicho jornalístico. Isso também pode causar um problema?
Rodrigo Dall’Acqua — Sim, na medida em que as pessoas que são expostas nesses programas não gostem dessa exposição. Mas a liberdade de informação pressupõe também o humor, de fazer uma piada, ainda que de péssimo gosto, com uma figura pública como um político, como um artista. Você pode questionar o bom gosto de um programa como este, mas a liberdade de informação pressupõe também o humor.

ConJur — Como a Justiça brasileira está em comparação à Justiça de outros países, em relação aos assuntos de imprensa?
Rodrigo Dall’Acqua — A nossa Constituição está alinhada com a maioria das constituições de Estados democráticos. O Brasil tem uma legislação muito boa, que prevê a liberdade de informação. Mas, obviamente pela quantidade de decisões do ponto de vista político e relacionadas a agentes públicos, que instituem a censura prévia, o Brasil ainda tem de evoluir na aplicação dos seus princípios constitucionais. Os estados não democráticos têm menos liberdade de imprensa. E isso mostra como é importante garantir a liberdade de imprensa se você pretende ter um ninho de democracia.

ConJur — O senhor se sente mais confortável defendendo um jornalista ou defendendo alguém que foi prejudicado por uma matéria jornalística?
Rodrigo Dall’Acqua — Eu diria que, pela boa jurisprudência que se criou no Brasil, é mais confortável você estar ao lado do bom jornalista. Mas também é igualmente compensador você atuar na defesa da honra de uma pessoa que foi atacada por uma mau profissional, por uma pessoa que se apresenta como jornalista, mas que não age como tal, que age por dinheiro, que age por outros interesses que não a vontade de informar. Tanto a defesa de um bom jornalista quanto a defesa da honra de uma pessoa atacada são recompensadoras.

ConJur — E tem muitos maus jornalistas no mercado?
Rodrigo Dall’Acqua — Isso está cada vez mais visível. É a mercantilização da imprensa. E é bom deixar claro que a imprensa não tem obrigação de ser imparcial. O jornalista pode sim tomar partido, os jornais podem ser parciais, não há obrigação jurídica ou legal que impeça. Obviamente, isso vai redundar em maior ou menor credibilidade. Agora, o que tem ocorrido, e isso é notório, são jornalistas que agem movidos por interesses políticos para atender determinados grupos ou corporações, agindo de forma remunerada — isso que vocês chamam de “jornalismo de aluguel”. O problema disso é que a sociedade pode não perceber esse interesse e receber uma informação de má qualidade. Um jornalista que se propõe a forjar notícias por dinheiro ou por interesses políticos não declarados está mais sujeito a cometer delitos na sua atividade, seja dano moral, seja crime contra a honra. Enquanto ele receber mais do que tiver de gastar com indenização, ele prossegue com essa prática.

ConJur — É aceitável uma atitude como a do jornal O Estado de S.Paulo, que publicou que está apoiando o [candidato à Presidência da República José] Serra?
Rodrigo Dall’Acqua — É uma atitude perfeitamente cabível em um Estado Democrático de Direito. A imprensa tem o direito de se declarar a favor desse ou daquele candidato. O leitor, diante disso, dá a credibilidade que entender às notícias veiculadas por um jornal partidário. Mas é absolutamente honesto esse tipo de informação. Não há obrigação de ser imparcial, mas de ser honesto.

ConJur — Em relação à declaração da nova corregedora nacional de Justiça, a ministra Eliana Calmon, que afirmou que o Judiciário está “contaminado pela politicagem miúda”, como o senhor avalia que será a postura do CNJ com os magistrados que decidem para satisfazer interesses políticos?
Rodrigo Dall’Acqua — Essa declaração da atual corregedora dá certa esperança de que essas investidas contra a imprensa vão ser analisadas da forma como devem, inclusive, por um eventual viés político. Há também o problema do corporativismo. Se você questionar alguma autoridade do Judiciário hoje, a chance de você tomar uma reprimenda, uma pena ou uma censura é altíssima. Só que o ato do magistrado também é revestido do interesse público, a sociedade quer saber. Então, qualquer informação tem de ser transmitida, mesmo que dura, mesmo que desagradável, ácida, deselegante. Mas o que a gente vê é o contrário, críticas a magistrados e políticos sendo punidas.

ConJur — O juiz, assim como o jornalista, também não é influenciado pela sua visão política na hora de decidir? Isso é aceitável?
Rodrigo Dall’Acqua — Isso não deveria transparecer no ato judicial, mas o juiz é um ser humano e vai interpretar a lei de acordo com a sua vivência pessoal, suas convicções. Mas o que se vê em muitos casos não é esse tipo de influência política da consciência do magistrado, mas sim a influência política na vontade de atender a um pedido de um grupo político, censurar um veículo de informação para depois ter crédito para obter uma promoção na carreira. Por isso que a ministra se expressou como se essa prática de troca de favores fosse uma regra. Os casos de censura a imprensa são um escândalo porque, muitas vezes, todas as decisões são relacionadas a políticos. Como é que você vai criticar um ato de um político, criticar a compra de determinados bens para a administração pública e ser censurado?

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