Alta intensidade

Midiatização interefe na vontade popular

Autor

3 de outubro de 2010, 8h00

As recentes manifestações do Presidente Lula acerca da liberdade de imprensa, pela qual ele lutou muito mais que muitos jornalistas e empresários da mídia corporativa, estão sendo objeto de oportunista interpretação e utilização por partidos e candidatos oposicionistas e merece reflexão.

Penso que não é razoável imaginar que um democrata, com belíssima trajetória pessoal e política, como o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja contrário à liberdade de expressão, à liberdade de informação e à liberdade de imprensa. Afirmar uma estultice dessas é uma tremenda má-fé.

Por que? Ora, porque a Liberdade de imprensa é um dos princípios pelos quais um Estado democrático, é através dela que se assegura a liberdade de expressão aos cidadãos e respectivas associações, principalmente no que diz respeito a quaisquer publicações que estes possam pôr a circular, por isso ela deve ser sempre preservada.

Mas devemos analisar o tema da liberdade de imprensa sem perder de vistas o instituto da responsabilidade. E nessa linha é oportuno citar o constitucionalista José Afonso da Silva que apresenta um interessante ponto de vista no tocante à liberdade de informação, segundo ele, "A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista…” e segundo o prestigiado constitucionalista a liberdade dos donos das empresas jornalísticas “… é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial.”, ou, noutras palavras os interesses dos donos das empresas jornalísticas submete-se ao interesse público e ao direito de informação (uma informação correta e imparcial), por isso em havendo incorreção nas informações ou parcialidade nelas não há que se falar liberdade de imprensa, pois seria um absurdo chamarmos de liberdade o abuso de um direito /dever e o desprezo ao dever de informar.

Mas que fique claro: mesmo diante de abusos não é adequado imaginarmos qualquer forma de censura prévia a qualquer veículo ou profissional, pois o papel de punir os excessos e abusos é do Poder Judiciário.

Penso que o que o Presidente Lula fez foi apenas exercer seu direito à liberdade de expressão, de opinião, de chamar atenção para a possibilidade do abuso, para a possibilidade de incorreção de informações, para a possível parcialidade de alguns veículos de comunicação na narrativa de alguns fatos, em momento algum ele negou a liberdade de imprensa, a liberdade de informação ou a liberdade de expressão. O efeito disso tudo foi que o ESTADÃO assumiu, menos de uma semana depois, que seu candidato é José Serra. Uma bacana e ético por parte dos donos do jornal, mas um esclarecimento tardio.

Por isso talvez Leonardo Boff tenha tido a lucidez de sintetizar onde reside o núcleo do conflito quando afirmou que “No entrevero entre Lula e a mídia comercial vejo que se trata de uma questão de classe: Lula deve ser só operário, nunca presidente, pensam. .

Durante as eleições de 2008, na condição de advogado, tive a oportunidade de numa defesa em processo eleitoral denunciar aparente utilização por alguns partidos de órgãos do Poder Judiciário e midiatização do fato levado ao judiciário para fins político-eleitorais, essa prática portanto não é novidade.

E como isso acontece? Através da judicialização de fatos políticos e de sua midiatização quase que imediata.

Há judicialização da política sempre que os tribunais, no desempenho normal das suas funções, afetam de modo significativo as condições da ação política, no Brasil a judicialização é grandemente de responsabilidade da classe política que se mostrou por muito tempo incompetente para o debate com a sociedade levando todas as questões ao judiciário e à mídia. O excesso da judicialização conduz à politização da justiça, que é muito pior que a judicialização, pois como ensina o Sociólogo Português Boaventura Santos, ela pode comprometer significativamente a harmonia entre os Poderes e a própria democracia e o quadro se agrava quando a mídia não se mantém altiva e ética.

Em outras palavras parte da classe política, não se conformando ou não podendo desenvolver a luta pelo poder pelos mecanismos habituais do sistema político democrático, transfere para os tribunais os seus conflitos internos através de denúncias, nem sempre consistentes, seguidas da espetacularização o fato através da sua midiatização.

Isso na prática representa a renuncia ao debate democrático e uma opção elitista, pois desloca para o Poder Judiciário e para a mídia falsos conflitos e falsas crises, com um único objetivo: a manipulação da opinião pública com propósitos eleitorais.

Afinal não se pode desconsiderar a repercussão político-eleitoral que qualquer fato passa a ter a partir do momento em que uma simples denuncia é divulgada pela imprensa, antes mesmo de ser apreciado pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. 

O objetivo dessa tática antidemocrática (renunciar ao debate democrático e judicializar e midiatizar todos os fatos) é obter, através da mídia, a exposição negativa do adversário, qualquer que seja o desenlace, para enfraquecê-lo ou mesmo liquidá-lo politicamente, algo no mínimo questionável sob o ponto de vista ético e democrático.

O Professor Boaventura Santos afirma que no momento em que ocorre judicialização de alta intensidade a classe política, ou parte dela, renuncia ao debate democrático e transforma a luta política em luta judicial e tudo fica muito pior quando se visualiza prováveis joint ventures entre membros da classe política, e de empresas jornalísticas.

Penso que não é fácil saber o reflexo do impacto da judicialização e midiatização de fatos políticos (que passam a ser vistos como fatos judiciais) no sistema político, no sistema judicial ou na sociedade, mas seria possível afirmar que isso “… tende a provocar convulsões sérias no sistema político” e na própria sociedade. A midiatização da política busca transportar fatos da plácida obscuridade dos processos judiciais para a trepidante ribalta midiática dos dramas espetaculares. É assim que se constrói o debate democrático?

E essa transformação é problemática devido às diferenças entre a lógica da ação midiática, dominada pela instantaneidade, e a lógica da ação judicial, dominada por tempos processuais lentos. É certo que tanto a ação judicial como a ação midiática partilham o gosto pelas dicotomias drásticas entre ganhadores e perdedores, mas enquanto o primeiro exige prolongados procedimentos de contraditório e provas convincentes, a segunda dispensa tais exigências. Em face disto, quando o conflito entre o judicial e o político ocorre na mídia, estes, longe de ser um veículo neutro, são um fator autônomo e importante do conflito capazes de influenciar a vontade popular.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!