Jogo de palavras

Genro de ministro diz ser vítima de armação de Roriz

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1 de outubro de 2010, 14h04

O advogado Adriano Borges, genro do ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, que negociou para trabalhar com o ex-candidato ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC), no recurso contra a Lei da Ficha Limpa no STF, afirma que foi vítima de uma armação. "Hoje eu tenho a certeza que eu não fui procurado para trabalhar. Como Roriz me falou, depois: ‘Você não precisa fazer nada. Só precisa seu nome aparecer’."

Borges concedeu entrevista à revista Consultor Jurídico na noite desta quinta-feira (30/9), depois que o Portal iG e o site da revista Época divulgaram trechos de um vídeo no qual ele aparece negociando com o ex-governador a entrada no processo em que Roriz contestava a Lei Complementar 135/10, responsável pelo fato de o Tribunal Regional Eleitoral do DF e de o TSE terem rejeitado o registro de sua candidatura na corrida ao governo distrital.

O advogado, que vive com a filha de Britto, Adrielle Pinheiro Reis Ayres Britto, afirma que Joaquim Roriz o procurou com uma proposta de trabalho. Mas percebeu que ele queria, na verdade, que o ministro Ayres Britto, notório entusiasta da Lei da Ficha Limpa, ficasse impedido de julgar o recurso que provocou, por conta de um impasse no Supremo, a desistência de Roriz de concorrer ao governo.

Adriano Borges diz ter sido procurado pelo advogado Eládio Carneiro, que representa a coligação de Roriz, a Esperança Renovada, com o argumento de que o governador estava interessado em aumentar a equipe de advogados e que, como ele tinha uma posição pública contra a Lei da Ficha Limpa, gostaria de consultá-lo. O primeiro contato teria sido feito na segunda-feira, 30 de agosto, dia anterior ao julgamento do recurso de Roriz pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Eládio Carneiro confirma a informação de que esteve na casa de Borges, no Lago Sul, no dia 30. Mas afirma que não foi a defesa de Roriz quem fez a proposta de trabalho. "Não é verdade. O Adriano procurou o governador no sábado, dia 28 de agosto. Eu falei com ele na segunda-feira. Fui à casa dele sim, mas porque ele esteve com meu cliente que já tinha advogado constituído nos autos", disse Carneiro à ConJur.

O advogado da coligação de Roriz conta que foi Adriano Borges quem ofereceu os serviços advocatícios ao governador e que teria, antes, mandado recados por amigos comuns, no sentido de que gostaria de atuar no caso. De acordo com Carneiro, Borges ressaltou que seu sogro não via qualquer impedimento em ele atuar nas causas de políticos barrados pela Lei da Ficha Limpa. O genro do ministro nega o fato

Adriano Borges afirma que seu erro foi ser ingênuo: "Aí vem a ingenuidade que eu confesso. Hoje percebo que fiz uma coisa boba. Foi tudo muito bem orquestrado por eles". O genro de Britto afirma também que jamais teve a intenção de negociar qualquer impedimento com Eládio Carneiro.

"A sensação que eu tive do Eládio foi que ele é um advogado muito sério. Se ele for firme à palavra, vai dizer que aqui em casa só tivemos conversas técnicas, puramente técnicas", sustenta Adriano. Mas admite que com o ex-governador, a conversa que aparece nos vídeos está "quadrada" e pode passar a impressão, segundo ele, falsa, de uma negociação de impedimento. "Com o Roriz, realmente, a conversa desbordou da normalidade."

O advogado Eládio Carneiro contesta também essa versão: "Ele disse que automaticamente haveria o impedimento. Mas nem precisaria dizer. Todos nós sabemos que com a filha do ministro no processo, ele teria de se dar por impedido. Só a participação redundaria no impedimento. Apesar disso, ele deixou clara essa possibilidade de o ministro ter que se declarar impedido e deu como exemplo o processo do Expedito Júnior". Borges não nega ter atuado em favor do candidato ao governo de Rondônia, Expedito Júnior. Na ocasião, Britto se deu por impedido.

Imagens e palavras
A ConJur teve acesso a um vídeo que mostra conversa entre Adriano Borges e Joaquim Roriz no dia 3 de setembro, no fim da tarde, pouco depois de os advogados do ex-governador terem entrado com recurso para o Supremo contra a decisão do TSE que rejeitou o registro de sua candidatura.

O vídeo é dividido em duas partes. Em um trecho da primeira parte, Roriz pede a Borges "sinceridade sobre o voto do seu sogro". Borges responde: "A única coisa que eu tô precisando é que ele não leve. Com isso, ele não vai participar. Tá impedido". Em outro trecho, Borges é enfático: "Mas quando Vossa Excelência acertar, ele já sabe que não vai haver o voto mesmo".

Na segunda parte, Adriano Borges muda o discurso de forma radical. "Qual é a minha preocupação? Primeiro, o mero substabelecimento, sem um ato postulatório no processo, não vai causar o impedimento. Segundo, eu não tô aqui pra causar o impedimento. Tô pra trabalhar. A conversa com o Eládio foi de fazer o material, de ajudar, de comparecer… Então, houve aí… Tá havendo um desencontro nas informações. E aí eu fico preocupado porque quem vai sofrer o desgaste sou eu e minha esposa."

Roriz, então, diz que ele não precisa fazer nada. Só aparecer no processo. Borges responde: "A única exigência que eu faço é que eu preciso assinar a peça… Se for pra realmente trabalhar, eu preciso assinar a peça. Eu não vou entrar somente para figurar".

Sobre a primeira parte do vídeo, o genro do ministro Britto reconhece que "a conversa desbordou da normalidade". Em relação à segunda parte, ele afirma que o vídeo demonstra que ele caiu em uma armadilha e, naquele momento, estava se dando conta disso. "Hoje eu me arrependo de não ter sido mais incisivo. Mas eu fiquei meio acabrunhado. Era um governador…", afirmou Borges à ConJur.

O advogado afirma que começou a estranhar as negociações em torno do caso quando passou seus dados e os de sua mulher para os advogados da coligação de Roriz e eles colocaram procuração nos autos antes que ele acertasse os honorários ou participasse de qualquer ato no processo.

"A regra é que quem recebe o substabelecimento é que junta aos autos. Ora, por que juntar o substabelecimento antes? Por que não juntar junto com o Recurso Extraordinário? Quando houve a juntada do substabelecimento, eu comecei a ter certa reserva", sustenta.

De acordo com Eládio Carneiro, a conversa foi diferente: "Quando tivemos esse encontro, eles iam subscrever os memoriais. Nós nos falamos na quinta, depois do julgamento, e ele falou que ia fazer o Recurso Especial. Dividimos os temas. Ninguém iria juntar sem o conhecimento e a autorização expressa dele. Jamais juntaríamos sem a anuência".

Questionado se considerou a possibilidade de o ministro Ayres Britto ser considerado impedido já que o recurso subiria de qualquer forma ao Supremo, Adriano Borges afirmou que não pensou nisso "em momento algum". "Até porque, na minha cabeça, eu tinha que (o resultado do julgamento da Lei da Ficha Limpa no STF) era seis a quatro".

A ConJur também perguntou se não é o advogado que tem de se declarar impedido quando tem parentesco próximo com um juiz. Para Adriano Borges, nem sempre. Apenas nos casos em que o processo já está no Supremo ele não poderia entrar. "Por exemplo, se a procura do Roriz tivesse sido feita depois da interposição do Recurso Extraordinário. Se a procura tivesse sido no dia 4 de setembro, eu não teria nenhuma abertura." Para o advogado, se ele atua no processo desde as instâncias inferiores ou se "inaugura" um recurso no STF, não há impedimento.

Na conversa com Roriz, Adriano Borges pediu o valor de R$ 4,5 milhões de honorários. Como mostra o vídeo, R$ 1,5 milhão de pró-labore e R$ 3 milhões "no êxito". Isso significa que receberia os R$ 3 milhões se ganhasse a causa. "Estão dizendo que êxito seria o voto de impedimento. Não é. Todo advogado usa a expressão êxito para falar sobre o ganho da causa", explica.

Segundo Adriano Borges, os advogados Alberto Pavie Ribeiro e Pedro Gordilho não participaram em nenhum momento das conversas. Ele disse, porém, que o fato de saber que um "advogado renomado" como Gordiilho estava defendendo a mesma causa o animou a entrar no processo.

O advogado Eládio Carneiro disse que o valor pedido por Borges era impossível de ser pago porque é maior do que "estamos gastando em toda a campanha".

O valor, segundo explica Borges, cobriria os custos de trabalho de outros quatro escritórios que trabalhariam junto com ele na causa e com os quais ele já havia feito contato depois da primeira conversa com Roriz, que aconteceu às 7h do dia 31 de agosto, mesmo dia em que o TSE o impôs uma derrota. A ConJur confirmou que Borges fez contato com outros escritórios de Brasília e que atuariam juntos na causa se o contrato fosse fechado.

"Na minha ideia, ele tinha me chamado pra conversar para traçar uma estratégia de ideias novas no recurso. Realmente, eu tive essa impressão", afirma Adriano Borges. Um dos advogados que ele havia entrado em contato, mas que não esteve envolvido em qualquer negociação, depois de assistir aos vídeos e ler as notícias na internet disse à ConJur: "Não sei se ele é um tremendo espertalhão ou um tremendo bobão".

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil determinou, nesta sexta-feira (1º/10), que seja aberto procedimento administrativo que apure se houve infração ético-disciplinar dos advogados envolvidos no episódio.

A Procuradoria-Geral da República vai apurar as circunstâncias do caso. A iniciativa do pedido ao Ministério Público Federal foi do próprio ministro Ayres Britto. Ele consultou o procurador-geral Roberto Gurgel logo pela manhã e em seguida combinou com o presidente do STF, Cezar Peluso, de o pedido formal de “rigorosa apuração” ser encaminhado pela corte.

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