Suspeição inversa

Advogado fica impedido em ação que parente juiz atua

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1 de outubro de 2010, 21h30

O vídeo que mostra o genro do ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, o advogado Adriano Borges, negociando com Joaquim Roriz sua entrada como advogado no processo em que o candidato pedia a não aplicação da Lei da Ficha Limpa, causou polêmicas. A estratégia costurada em conversa gravada no início de setembro, antes de o recurso de Roriz, candidato ao governo do Distrito Federal, ser distribuído no Supremo, era de que Borges ingressasse no processo para provocar o impedimento do ministro, devido ao parentesco. Mas há quem defenda que não é o juiz que fica impedido de entrar no processo e sim o advogado, em casos como este. É o que pensa a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça.

Segundo ela, em processos que sabidamente serão julgados por determinado magistrado, o impedimento é do advogado, e não do juiz. “Isso está regulado no Código de Processo Civil, que nós estamos aplicando em todos os processos”, diz ela. A ministra se refere à previsão do artigo 135 do CPC, que trata da suspeição de parcialidade do juiz. O dispositivo elenca as hipóteses segundo as quais o juiz deve se afastar da causa: quando é amigo ou inimigo de uma das partes, credor ou devedor delas e de seus parentes até terceiro grau, herdeiro, donatário ou empregador, receber presentes antes ou depois de começado o processo, tiver aconselhado um dos envolvidos ou financiar a disputa, ou tiver interesse no resultado da lide. O magistrado também pode se afastar por motivo de foro íntimo, sem declarar a razão.

O artigo 134 do CPC, inciso IV, também trata do assunto. Diz que é "defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário" quando "nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau".

Em relação a causas em que o advogado começa a atuar no TJ e recorre ao STJ, quando há algum ministro parente, ela também é enfática. Eliana Calmon afirma que quem tem primeiro de estar vinculado à causa é o magistrado. "Por exemplo, se foi no Tribunal Regional e ainda não chegou no STJ, não. Não há impedimento. Porque, neste caso, o impedimento é do pai, que entra a posteriori. Mas isso não acontece. Isso, de um modo geral, só vem acontecer quando já se sabe a posição do magistrado. E a lei é muito sábia. A lei é muito perfeita. Ou seja, a lei já determina o seguinte: se já se sabe antes que o magistrado que vai julgar a causa é aquele, determinado, e que tem a posição, o impedido não é esse magistrado. Porque se fosse assim, haveria uma manipulação de quorum. Então, não há nenhuma dificuldade quanto a isso. Essa tentativa que estão dizendo aí (caso do genro do Ayres Britto), é uma tentativa completamente infundada e que não tem respaldo legal", afirmou.

O caso
Roriz acabou não contratando os serviços de Borges, que vive com a filha de Ayres Britto, Adrielle Pinheiro Reis Ayres Britto. As versões divergem. Segundo Roriz, foi o advogado quem se ofereceu para trabalhar no caso, mas o candidato não aceitou o preço de R$ 4,5 milhões. Já de acordo com Adriano Borges, foi Roriz quem fez a proposta e gravou a conversa para jogar suspeitas sobre o voto do ministro Ayres Britto.

A Procuradoria-Geral da República vai apurar as circunstâncias. A iniciativa do pedido ao Ministério Público Federal foi do próprio ministro Ayres Britto. Ele consultou o procurador-geral, Roberto Gurgel, logo pela manhã e em seguida combinou com o presidente do STF, Cezar Peluso, de o pedido formal de “rigorosa apuração” ser encaminhado pela Corte.

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