Lei de Espionagem

Diretor de site dos Estados Unidos é investigado

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30 de novembro de 2010, 17h25

Autoridades federais nos Estados Unidos iniciaram uma investigação para apurar se o fundador e diretor do site Wikileaks, o autraliano Julian Assange, violou leis penais do país ao divulgar milhares de documentos de chancelaria de representações diplomáticas norte-americanas em diversos países. O caso do vazamento de informações sigilosas pelo Wikileaks será avaliado à luz da Lei de Espionagem dos Estados Unidos. As informações são do diário Washington Post desta terça-feira (30/11).

O procurador-geral dos Estados Unidos, Eric H. Holder Jr., afirmou que o Departamento de Justiça e o Pentágono estão conduzindo uma investigação criminal sobre o vazamento de documentos. De acordo com fontes próximas à investigação, o FBI está avaliando a trajetória dos arquivos que continham as informações, assim como todos que tiveram posse do material até o momento da divulgação pelo Wikileaks.

Em torno de 250 mil documentos diplomáticos confidenciais, em sua maioria correspondências de telex de embaixadas dos Estados Unidos mundo afora, foram divulgados no domingo (28/11) pelo site. Os "cables”, como são chamados, trazem detalhes da política externa dos EUA entre dezembro 1966 e fevereiro deste ano. Algumas das informações publicadas causaram constrangimento à diplomacia norte-americana, como a disposição do governo dos Estados Unidos em investigar funcionários da ONU, monitorando assim o uso de cartões de crédito, telefonemas e mensagens de e-mail.

O Brasil foi mencionado em quatro desses documentos. Um deles afirma que o governo brasileiro, embora não assuma publicamente que existam terroristas no país, ainda assim efetua prisões de suspeitos de atividades terroristas. Os documentos reconhecem que o Brasil é um parceiro no combate ao terrorismo. Porém, critica a reticência de setores do governo brasileiro, sobretudo, o Ministério das Relações Exteriores, em reconhecer que terroristas estão presentes no país. A Polícia Federal teria efetuado prisões de terroristas, de acordo com a correspondência do então embaixador americano no Brasil, Clifford Sobel, mas os teria acusado de outros crimes para não atrair a atenção da opinião pública sobre o tema.

De acordo com o Washinton Post desta terça-feira (30/11), ex-procuradores-gerais dos EUA teriam advertido as autoridades do país sobre a dificuldade de se sustentar um processo judicial contra Assange ao abrigo da Lei de Espionagem, que data de 1917 e, portanto, é anterior a casos que levaram à Suprema Corte estender garantias e direitos assegurados pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA.

Contudo, segundo fontes que falaram nesta segunda-feira (29/11), em condição de anonimato, à reportagem do Washington Post, há chances reais das acusações se sustentarem com base na Lei de Espionagem.

O escritório da Procuradoria-Geral dos EUA em Alexandria (Virgínia) lançou mão, em 2005, da mesma lei para processar dois ex-lobistas pró-Israel. O mesmo escritório está empenhado em repetir a dose com Julian Assange, revelou uma fonte ao jornal . A investigação está sendo coordenada pelo Pentágono e ainda é incerto se a ação criminal ocorreria na Justiça Militar ou na Justiça Civil. O analista de Inteligência do Exército dos EUA, Bradley Manning, 22 anos, um dos principais suspeitos de ter passado os documentos ao Wikileaks, foi preso por militares neste ano.

"Na medida em que há lacunas em nossa legislação, vamos nos esforçar para fechá-las", disse, na segunda-feira, Eric H. Holder Jr.. “Ninguém está impedido de se ser responsabilizado judicialmente pelo vazamento apenas por não ser cidadão americano ou não residir em nosso país”, concluiu o procurador.

O principal obstáculo da Procuradoria, de acordo com analistas, seria a abrangência quase que onisciente da Primeira Emenda da Constituição, sobretudo no que se refere à liberdade da imprensa. “Estou confiante de que o Departamento de Justiça vai encontrar um forma de processar Julian Assante”, disse Jeffrey H. Smith, ex-conselheiro-geral da CIA, ao Washington Post. De acordo com Smith, o conselheiro-geral do Departamento de Estado dos EUA, Harold H. Koh, entrou em contato com Assange, no sábado, na véspera do vazamento, apelando para que o diretor do site não divulgasse os documentos, o informando das implicações de segurança e legais que envolviam a publicação do material. Pediu, ainda, que o fundador do Wikileaks devolvesse os arquivos e apagasse qualquer registro do banco de dados do website.

“A abordagem e a linguagem (do apelo a Assange) não só foi a coisa certa a se fazer politicamente, como coloca o governo dos EUA em posição de processá-lo ao abrigo da Lei de Espionagem”, explicou Koh. “Qualquer um em posse de informações referentes à defesa nacional, ciente que sua divulgação pode prejudicar o país, e o faz intencionalmente, a despeito do apelo das autoridades, pode ser processado”, concluiu Smith.

Ceticismo
Para os ex-procuradores-gerais, que são mais céticos em relação a essa possibilidade, a dificuldade jurídica, neste caso, estaria no fato de comprovar a relação entre a divulgação dos documentos e o risco à segurança nacional. “Como provar que a revelação de determinado telegrama tratando de negociações secretas com a Rússia pode ser perigoso para a segurança do país?”, questionou o ex-procurador geral dos EUA, Baruch Weiss. “Teria que se trazer à tona mais informações secretas para se convencer o júri sobre o risco por trás da divulgação”.

Weiss foi ainda mais explícito em relação a sua discordância sobre a possibilidade e “necessidade” de se processar o site e seu dirigente. "O caso não é sobre informar a Al Qaeda das implicações técnicas do movimento de tropas no Afeganistão ou à Coréia do Norte sobre a receita da bomba de Plutônio. Trata-se da publicação de informações gerais, relevantes para se avaliar o futuro da política externa dos EUA, importante inclusive para que cidadãos avaliem se nosso governo está fazendo bem o seu trabalho. É ainda um bom exemplo dos problemas criados pela Primeira Emenda quando entra em choque com o Direito Penal, que resguarda do interesse público informações dessa natureza”, explicou Weiss.

Weiss não está sozinho em sua análise. A maioria dos especialistas em Direito Penal, nos Estados Unidos, concorda sobre a dificuldade de se incriminar Assange judicialmente, amparados ou não na Lei de Espionagem.

O autraliano Julian Assange tem evitado viagens aos Estados Unidos desde que o Wikileaks ganhou destaque pela divulgação de documentos sigilosos. A Organização Internacional de Polícia Criminal emitiu um mandado de prisão contra Assange, que é suspeito, na Suécia, de ter estuprado uma mulher. A Interpol (cuja sede é em Lyon, na França) confirmou, segundo a imprensa europeia, que recebeu um mandado de prisão da polícia sueca. Assange nega as acusações a as atribui a uma campanha difamatória para minar a reputação do Wikileaks.

De acordo com a Reuters, nesta terça-feira, um representante do governo do Equador ofereceu residência a Julio Assange no país. Segundo a agência, o vice-ministro das Relações Exteriores do Equador, Kintto Lucas, disse à imprensa local que o governo tentou contatar Assange para propor ao diretor do Wikileaks “que viva e dê palestras no Equador”. A razão seria a admiração do governo do presidente Rafael Correa ao “trabalho de pesquisador” de Assange.

Lançado em dezembro de 2006, o Wikileaks publica informações de fontes anônimas sobre governos, empresas e política internacional. O site ganhou reputação este ano com três vazamentos. Ainda no primeiro semestre, postou um vídeo que mostrava um helicóptero das Forças Armadas dos EUA no que seria um ataque contra dois funcionários da agência de notícias Reuters e a outros civis. No segundo vazamento de informações, o site publicou 77 mil arquivios da Inteligência dos EUA sobre a guerra no Afeganistão. E o último, feito em agosto, trazia mais de 400 mil documentos sobre a operação no Iraque.

Nesta terça-feira (30/11), uma nova leva de documentos foi revelada pelo Wikileaks. Entre as novas informações, estão relatórios que avaliam a "tendência antiamericana” do Itamaraty. Um dos documentos — também uma correspondência do embaixador Clifford Sobel — revela que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, com quem o diplomata tinha uma relação próxima, chegou a confidenciar sua “irritação” com o o Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

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