Obrigação ética

Absolvido médico que tratou de traficante

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23 de novembro de 2010, 20h00

O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, nesta terça-feira (23/11), trancar a Ação Penal contra um médico acusado de tráfico ilícito de entorpecente. A decisão é da 16ª Câmara Criminal. A turma julgadora, por maioria de votos, aderiu à tese de que o médico que retira a droga do corpo de uma paciente, mesmo que sua conduta seja questionável do ponto de vista ético, jamais pode ser acusado de adesão à traficância.

Para o desembargador Almeida Toledo, que conduziu a divergência, o acusado agiu sob o amparo das normas que garantem o sigilo profissional. Segundo o raciocínio do julgador, enquanto médico, era dever do acusado socorrer a mulher e remover o entorpecente. “Conduta diversa poderia, inclusive, configurar omissão de socorro”, disse, discordando da tese apresentada pelo seu colega, Newton de Oliveira, relator do pedido de Habeas Corpus.

No entendimento de Almeida Toledo, a conduta do médico estava de acordos com as regras de sua profissão, que determinam que é vedado revelar segredo ou intimidade de quem se entregou aos seus cuidados. Ou seja, de acordo com o pensamento do revisor, a lei não permite que seja atribuída ao médico a adesão da mesma prática ilícita apontada contra a mulher e seus comparsas. “Agiu de acordo com o ordenamento jurídico vigente, com fim determinado, diverso da traficância”, resumiu o revisor Almeida de Toledo.

A defesa do médico sustentou o trancamento da Ação Penal. A tese manejada foi a da ausência de justa causa porque, de acordo com o advogado Alberto Zacharias Toron e Renato Marque Martins, o acusado agiu sob a excludente de antijuridicidade do estrito cumprimento do dever legal. Ainda de acordo com a defesa, não poderia ser outra a conduta do acusado, porque a ética médica exige dele o pronto atendimento e a ação de medidas que preservem a vida e a saúde dos pacientes.

O relator, desembargador Newton de Oliveira, votou contra o argumento da defesa. O raciocínio do relator era o de que a gravidade do caso reside no fato de que a conduta do médico se deu mediante prévio ajuste e conluio com os demais réus. Ou seja, o médico agiu mediante a promessa de pagamento financeiro, sozinho, desacompanhado de outros integrantes da equipe médica e do corpo hospitalar e, ainda, preservando a droga e entregando-a à mulher.

Por isso, no entendimento de Newton de Oliveira, houve indícios de autoria, prova da materialidade e presença aceitável de elemento subjetivo capaz de imputar a prática de tráfico de drogas, mediante coautoria ou participação. Por essa razão, o relator defendeu a continuidade da Ação Penal, negando seu trancamento.

A tese do relator segue o rumo de que o ato médico foi realizado mediante ajuste criminoso e sob a promessa de pagamento para a retirada da droga e fornecimento a terceiros. “Incabível o trancamento da ação Penal porque presente justa causa, ausente absoluta e flagrante prova da atipicidade ou da excludente de ilicitude ou de antijuricidade”, afirmou Newton de Oliveira.

Toledo contestou. “Proceder a retirada do entorpecente e devolvê-lo a quem trazia consigo, mantendo o sigilo constitui, fato que parece bastante distante ou diverso da traficância, pois agiu [o médico] não com o objetivo de viabilizar a posse e o comércio de entorpecente, mas com intuito diverso, qual seja, o de socorrer ou de obter lucro, cumulativo ou não”, disse.

Para o desembargador, nas condições em que se deu a conduta do médico, amparada na lei, o recebimento da denúncia contra ele configuraria coação ilegal, que iria se refletir na sua liberdade de locomoção. Os argumentos do revisor foram seguidos pelo terceiro juiz, desembargador Mariz de Oliveira.

Segundo Mariz de Oliveira, seria irreal a narrativa da denúncia de que o médico teria cobrado R$ 7,8 mil pela cirurgia. Isso porque a droga em poder da mulher não excedia as 140 gramas. Como ele explicou, a quantidade de maconha não chegaria a custar R$ 1 mil. Seguindo esse raciocínio, o desembargador declarou ser também irreal que alguém, integrante ou não da quadrilha, recebesse mais que o quádruplo do valor do entorpecente por um procedimento cirúrgico. Além do mais, caso tivesse cobrado uma quantia irrisória, o MP o acusaria de integrar a quadrilha.

O caso
O médico foi preso em flagrante e denunciado pelo Ministério Público por coautoria, ajuda ou participação no crime de tráfico de entorpecentes. Diz a acusação, que o médico A.G. cobrou R$ 7,8 mil para retirar 139,2 gramas de maconha da vagina de M.J.A. Usada como “mula” para o transporte da droga, a mulher iria receber R$ 250 para conduzir a maconha, dentro do corpo, de São Paulo até Assis. Grávida, ela fez a viagem de ônibus. Ao chegar à cidade, não conseguiu esvaziar o esconderijo.

Um dos comparsas entrou em contato com o médico para recuperar a droga. O médico, que trabalha como obstetra na Santa Casa da cidade, cobrou R$ 7,8 mil pelo procedimento cirúrgico. De acordo com a denúncia, o médico removeu o entorpecente, entregando a droga à mulher. A maconha teria sido embalada em papel e colocada em luvas cirúrgicas. 

Quando saía do hospital, a mulher foi presa em flagrante por policiais, alertados por notícia anônima. Também foram presos dois de seus comparsas, que estavam na posse de R$ 7,8 mil. O médico foi preso em casa e, ao ser abordado pelos policiais, admitiu o contato com a mulher, mas negou a remoção da droga. Segundo sua versão, teria submetido M.J.A. a exames de rotina.

O médico foi solto em seguida por meio de Habeas Corpus concedido pelo ministro Nilson Naves, do Superior Tribunal de Justiça. O benefício foi estendido aos demais réus, que respondem ao processo em liberdade.

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