Positividade do direito

Direitos Humanos podem recair no Tributário

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18 de novembro de 2010, 8h06

Parece-nos estar sendo cada vez mais crescente uma preocupação jurídica nacional, ao menos doutrinária, no sentido de se fazer ainda mais presente uma efetiva conectividade entre a evolução daquilo que se denomina por relação obrigacional tributária e a noção que nos advém do conceito de Direitos Humanos.

Em outras palavras, revela-nos clara uma progressiva inquietação jurídica teórica, daqueles que operam com o Direito Tributário, acerca da possibilidade de convalidação do fenômeno tributário, em si mesmo considerado, desde que, porém, os seus respectivos efeitos não deixem de se subsumir aos desideratos próprios também decorrentes da atual compreensão, em nível jurídico-social, que temos dos precitados Direitos qualificados como Humanos.

Tais afirmações nos foram motivadas e, sobretudo, fomentadas, num primeiro momento, quando da leitura de artigo já publicado nesta mesma revista jurídica virtual, de autoria de Renato Lopes Becho, segundo o qual, os denominados Direitos Humanos, em seus meandros tipicamente humanistas, poderiam, sim, ser estendidos ao campo da tributação, sob um contexto em que o positivismo jurídico, enquanto mero respeito às leis, cederia passo, de uma forma hermeneuticamente sensata, às finalidades intrínsecas do sistema jurídico, refletidas na proteção primária do homem em si mesmo considerado.[1]

Por sua vez, em ato contínuo e confirmatório do aludido pensamento, deparamo-nos, bem recentemente, com mais algumas considerações sobre o tema, ponderadas, agora, pelo ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, segundo o qual, os Direitos Humanos, dentro do campo tributário poderia, de fato, “…ser explorado a partir de diferentes vertentes, como: o recurso à tributação para dar concretude aos direitos humanos, as limitações ao poder de tributar, a observância do princípio da capacidade contributiva, a prevenção de discriminações e privilégios fiscais infundados ou a efetivação dos direitos dos contribuintes”, sempre em vista à não instalação de um verdadeiro estado de terror em face dos administrados.[2]

Daí Renato Lopes Becho ter atribuído a noção conceitual dos Direitos Humanos à “…concepção jurídico-filosófica que privilegia o respeito aos valores e coloca novamente o homem no centro do Direito”, elevando-se sua dignidade enquanto pessoa e o respeito as suas individualidade e privacidade.[3]

Todas as vezes, então, em que o Estado, dentro de sua função tributária arrecadatória, sopesar a dignidade, a individualidade e a privacidade de seu correlato contribuinte, por exemplo, por meio da desconsideração das normas tributárias atuais, estará rebaixando, por tudo e em tudo, os próprios instrumentais finalísticos dos Direito Humanos.

En passant, não custa relembrar, no que tange às normas tributárias (que ora interessam), residirem, na Constituição Federal, aquelas de maior grau hierárquico, consistentes, ainda, conforme o seu potencial axiológico (ciência dos valores), em simples regras ou em verdadeiros princípios, estes, enquanto verdadeiras diretrizes de interpretação do próprio ordenamento positivo, num todo considerado[4], não tendo sido a despropósito afirmar-se que a Carta Maior ocupa o escalão mais elevado do Direito positivo[5], revelando, com isso, toda a sua concretude e supremacia (Roque Carrazza[6] e José Afonso da Silva[7]).

Portanto, concordamos que apenas com o respeito pleno, pelo Estado, a essas normas de tributação é que os Direitos Humanos restariam, então, pari passu, observados.

Excelente exemplo, em âmbito da isonomia, é dado por Renato Lopes Becho, segundo o qual a eficiência do Estado em atender condignamente, sem qualquer tipo de excesso, os seus administrados, que são quem suportam, de fato, o peso dos tributos, deve equivaler, de forma recíproca, à eficiência exemplar que este mesmo Estado tem direcionado à própria e, indiscutivelmente necessária, arrecadação.[8]

O que estamos querendo aqui significar, dentro deste espírito intrínseco aos Direitos Humanos no plano da arrecadação tributária, é que não nos vejamos sob a circunstância de que apenas ao Estado se realizem as suas prerrogativas, em detrimento às que seriam inerentes, por sua vez, aos cidadãos administrados.

Infelizmente, porém, não é o que as experiências cotidianas têm-nos demonstrado. Exemplo disto se vê na observação de Everardo Maciel, quando muito bem lembra que os direitos dos contribuintes raramente integram uma proposta de reforma tributária, a qual, de seu turno, quase sempre, tem se focado mais nos interesses do Estado, que se vê favorecido, atualmente, pela grande instabilidade normativa, a qual “…desserve a transparência e aproveita à prática de sobressaltos tributários”.[9]

Assim sendo, sentimo-nos bem à vontade para também propagar a idéia de que qualquer forma de insensatez estatal tributária que venha a bater de frente com a dignidade, a privacidade e a individualidade humanas, representadas pelo respeito às normas atualmente em vigor, estaria esvaziando a própria realização dos fins inerentes aos Direitos Humanos, concebidos em face da concretude do próprio homem como pessoa e como núcleo do Direito.

Ou seja, podemos assegurar que os Direitos Humanos, no campo da tributação, fundem-se e confundem-se com a verificação da aplicação dos limites e mandamentos próprios do Direito Tributário, soando necessária, sim, uma inarredável vinculação deste ramo com a sua própria concepção jurídico-filosófica mais humanística a, quem sabe, melhor aproximá-lo da tão desejada realização, agora, da garantia constitucional da Segurança Jurídica, valendo, aqui, por isso, as palavras de Renato Lopes Becho para quem se não houver “limites para a Administração Tributária, não haverá aplicação dos Direitos Humanos à tributação”.[10]

A bem da verdade e a guisa de conclusão, o estreitamento entre o Direito Tributário e os Direitos Humanos nada mais objetiva do que alinhavar, de forma sensata, a positividade necessária do direito atual, sob a qual estaremos sempre vinculados, com a essência, porém, dos direitos inerentes ao homem, como que num respeito renovador de seus próprios Direitos Naturais, que passariam a assumir um status de verdadeiro sobrevalor em âmbito tributário.


[1] Tributação deve respeitar Direitos Humanos. Revista Virtual Consultor Jurídico: www.conjur.com.br, de 27 de julho de 2009. O Autor de tais colocações, além de magistrado federal, é Mestre e Doutor em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da PUC/SP e Livre-Docente pela Faculdade de Direito da USP.

[2] Direitos humanos e tributação. O Estado de São Paulo, edição jornalística de 01.11.10.

[3] Idem ob. cit., p.1.

[4] Princípio, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello “…é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema positivo”. Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. rev. at. aum. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 771 e 772.

[5] Teoria Pura do Direito. Hans Kelsen, 6ª ed. 4ª tir. São Paulo: Marins Fontes, 2000, p. 247.

[6] “O que estamos procurando ressaltar é que a Constituição não é um mero repositório de recomendações, a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas, inclusive pelo legislador infraconstitucional”. Curso de Direito Constitucional Tributário.15ª ed. rev. amp. at. São Paulo: Malheiros, 2000, p.28.

[7] Para este autor, o princípio da supremacia da Constituição resulta da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica do país, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a Constituição. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª ed. rev. 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 48.

[8] Idem ob. cit., p.1.

[9] Idem ob. cit.

[10] Idem ob.cit., p.2.

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