Eleições algemadas

Reino Unido reluta em deixar que os presos votem

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16 de novembro de 2010, 8h35

O governo britânico está adiando ao máximo que pode, mas advogados já alertaram que continuar impedindo os presos de votar pode pesar nos cofres públicos. Há cinco anos, o Reino Unido foi avisado pela Corte Europeia de Direitos Humanos que não podia impedir indiscriminadamente todos os condenados de participar das eleições. Agora, o país teme ser novamente levado ao tribunal europeu e condenado a pagar indenizações.

O receio foi anunciado há poucos dias pelo secretário de gabinete do governo, Mark Harper, ao responder a questionamentos no Parlamento britânico. Harper admitiu que é preciso modificar a lei britânica para cumprir a decisão da corte europeia e informou que o governo está trabalhando para fazer a mudança assim que possível.

A tarefa não é fácil. Os presos estão impedidos de votar nas terras da rainha Elizabeth há quase um século e meio e os cidadãos britânicos se mostram bastante satisfeitos com isso. Coube ao secretário rebater as críticas de quem é contra a mudança. Não é uma escolha, é uma obrigação, observou. Ele explicou que a única forma de fugir disso é deixar o Conselho da Europa, "o que nós não estamos preparados para fazer". O Reino Unido foi um dos fundadores do Conselho da Europa em 1949, criado com o objetivo de garantir os direitos humanos em toda a Europa. Dele nasceu a Corte Europeia de Direitos Humanos, a quem cabe julgar violações contra os direitos defendidos pelo Conselho.

Saga do voto

No Reino Unido, até 2000, nenhuma pessoa que estivesse presa podia votar, condenada ou apenas em prisão provisória. Há 10 anos, a legislação foi modificada e só aqueles que já foram condenados é que não participam dos pleitos. Em 2005, a Corte Europeia de Direitos Humanos considerou que a proibição, que na época atingia 48 mil presos, feria o direito de livres eleições no país.

A decisão do tribunal europeu, no entanto, não foi no sentido de que impedir preso de votar é discriminação. O que a corte decidiu é que a proibição não pode ser generalizada. Ou seja, o país não pode impedir todos os condenados de votar. Dito isso, devolveu a bola para que o governo britânico criasse as suas próprias regras para permitir o voto dos presos.

Na semana passada, ao falar sobre a questão, o secretário de gabinete do governo, Mark Harper, criticou o governo passado pelos cinco anos de inatividade e afirmou que só na legislatura atual, há cinco meses no comando, é que medidas estão sendo tomadas. Ele ressaltou a urgência de obedecer ao que disse a corte europeia, mesmo desagradando grande parte dos britânicos. Pior do que deixar os presos votarem é deixar que eles votem e ainda ter de pagar indenização para eles, afirmou.

Nas últimas eleições no país, em meados do primeiro semestre deste ano, os presos condenados não puderam participar. Pouco tempo depois, o governo britânico levou um puxão de orelha do Conselho e resolveu responder, dizendo que está se mexendo para cumprir a ordem da corte europeia.

E, de fato, está. No ano passado — portanto, na legislatura passada —, o governo ouviu a população para saber quais presos devem poder votar. Foi a segunda consulta pública. A primeira aconteceu em 2006, pouco depois da decisão europeia.

O Reino Unido procura critérios para separar o joio do trigo. A ideia anunciada é usar a pena como critério para tirar do saco aqueles que poderão ir às urnas. A problemática, então, é definir a pena-teto: um, dois ou quatro anos. Quem tiver pena maior, ficaria automaticamente excluído das eleições. Assim, o governo garantiria que aqueles que cometeram crimes graves não ajudem na escolha dos dirigentes do país.

Voto pelo mundo

Ficar livre das urnas não é privilégio dos presos britânicos. No Brasil, por exemplo, o direito só é garantido àqueles que ainda não foram condenados definitivamente. Ainda assim, problemas práticos têm impedido que os presos provisórios participem das eleições. A discussão sobre o voto de preso também atormenta de canadenses a australianos.

Em 2005, ao anunciar a sua decisão, a Corte Europeia de Direitos Humanos obsevou que, além do Reino Unido, mais 12 países europeus, como a Irlanda e a Rússia, também proíbem indiscriminadamente o voto daqueles que cumprem pena na prisão. Outros 13 Estados restringem esse direito a alguns condenados, como Áustria, Bélgica, França, Alemanha e Itália. Na maioria, no entanto, os prisioneiros podem sim votar, como é o caso de Portugal, Espanha e Suíça.

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