Participação da sociedade

Presidente da OAB cobra reforma política

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16 de novembro de 2010, 19h16

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, abriu nesta terça-feira (16/11) o seminário “Reforma Política – Um Projeto para o Brasil – OAB 80 anos”. O advogado afirmou ser importante que a sociedade entenda que esta é “uma prioridade para firmar a posição do Brasil no cenário das grandes nações democráticas".  Em discurso feito na abertura do evento que marca os 80 anos da OAB, Ophir disse que “a reforma política ou é conduzida pela sociedade, com o apoio da imprensa, ou não sai; será para sempre uma pálida anotação à margem da pauta nacional". Segundo ele, a OAB lutará para colocar o  tema no centro do debate nacional.

O seminário acontece até quinta-feira (18/11), na sede da OAB Nacional em Brasília. O documento conclusivo oferecerá sugestões para que as instituições do país possam realizar uma reforma política ampla. "É um desafio de enormes proporções, bem o sabemos, pois não interessa à classe política de um modo geral mudanças que lhe retirem comando das eleições fundadas em costumes divorciados de preceitos éticos", disse Cavalcante.

Segundo ele, é preciso envolver a sociedade “num projeto de reforma política que dê maior credibilidade a um instituto cuja história se perde no tempo e não temos outra melhor para substituí-lo: o voto".

Entre as indagações para as quais o seminário terá de oferecer respostas estão temas como voto distrital, financiamento público de campanhas e cláusula de barreira.

Cientistas, juristas e líderes políticos participam do evento, que terá três painéis, coordenados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto e Cármen Lúcia Antunes Rocha. O evento terá como relator-geral o advogado Luís Roberto Barroso e, como patrono, Miguel Seabra Fagundes (homenagem póstuma pelo centenário de seu nascimento). O presidente de honra do seminário é o jurista Fábio Konder Comparato, medalha Rui Barbosa da OAB. Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB.

A seguir, a íntegra do pronunciamento do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, na abertura do seminário:

"Senhoras e Senhores,

Ao comemorar 80 anos de existência, a Ordem dos Advogados do Brasil se lança em um novo desafio: recolocar (e de uma vez por todas) a reforma política no centro do debate nacional, convocando todos as cidadãs e cidadãos a levantar esta bandeira como uma prioridade para firmar a posição do Brasil no cenário das grandes nações democráticas.

Este é um traço peculiar da história da OAB. Foi assim desde as primeiras campanhas cívicas do início da nossa República; continua nos dias atuais, em pleno Estado democrático de Direito e com as instituições funcionando com total liberdade. É obrigação da Ordem manter-se na vanguarda, pondo-se inteiramente à disposição da sociedade para ajudar a promover as mudanças necessárias ao desenvolvimento de nossa Pátria.

Isto exige empenho, esforço, renúncias pessoais e obstinação. É natural de qualquer luta. Passo a passo, temos avançado, talvez não com a velocidade que desejamos, pois os caminhos muitas vezes nos surpreendem com atalhos. O último desses atalhos representou duas décadas de ditadura, de autoritarismo. Mas a democracia triunfou e o Brasil emerge para o mundo reivindicando uma posição de destaque.

Neste ponto, gostaria de saudar a memória do jurista Miguel Seabra Fagundes, nosso bâttonier de 1954 a 1956, e que se vivo fosse estaria completando 100 anos. Tendo se destacado por sua luta em defesa da legalidade, da Justiça, das liberdades e dos direitos humanos, ideais que constituem ainda hoje missão da Ordem, nada mais justo que seja ele o patrono deste evento. 

Senhoras e Senhores,

A nossa Constituição, cuja mais nova edição guarda o frescor dos 22 anos somente, desdobra-se em esforços por afirmar-se diante de um modelo de sociedade perverso, inoperante e, na maioria das vezes, injusto. Vivemos sob o signo das reformas, tantos são os problemas estruturais, das quais não escapam nem mesmo a política.

Não basta termos eleições a cada dois anos, à exceção do Distrito Federal. Por trás dos festejos de cada nova eleição esconde-se uma crise de credibilidade na base da democracia representativa, resultante de uma série de fatores que levaram, por exemplo, milhões de cidadãos a se mobilizarem exigindo uma legislação específica para retirar do cenário candidatos com fichas sujas.

Precisamos reconhecer: se tamanho esforço foi necessário, então algo está errado. Se a política tornou-se assunto de tribunais, idem.

É um desafio de enormes proporções, bem o sabemos, pois não interessa à classe política de um modo geral mudanças que lhe retirem o comando das eleições fundadas em costumes divorciados de preceitos éticos. Basta lembrarmos o famigerado "caixa-dois", cuja conta costuma ser cobrada depois das eleições em superfaturamento de obras, desviando recursos que fazem falta à educação, saúde e segurança. Outra prática condenável é a troca de favores e empregos para abrigar, em cargo comissionados, cabos eleitorais e integrantes de partidos, aumentando sobremaneira, os gastos públicos.

E esse desafio reside, justamente, em como envolver a sociedade – a sociedade em sentido lato, desde as suas representações legítimas até o anônimo cidadão – num projeto de reforma política que dê maior credibilidade a um instituto cuja história se perde no tempo e não temos outra melhor para substituí-lo: o voto. 

A reforma política, estou convencido meus prezados colegas e convidados, ou é conduzida pela sociedade, com o apoio da Imprensa, ou não sai; será para sempre uma pálida anotação à margem da pauta nacional. Somente conduzida pelo clamor popular ela irá contemplar, afinal, o fortalecimento do eleitor no processo político.

Em 1991, quando se tentou pela primeira vez aprovar uma reforma política, o então presidente do maior partido na Câmara dos Deputados concluiu que seria quase impossível fazer a reforma política no Brasil. Por um simples motivo, disse ele. No Congresso havia 19 partidos; Na prática, 19 minorias.

Pareceu um raciocínio por demais prosaico. Mas não era. Em fevereiro de 2011, quando os novos deputados tomarem posse, já se terão passado 20 anos daquela constatação. Só que, desta vez, não serão 19 minorias, mas vinte e duas, porque 22 dos 27 partidos elegeram deputados. E cada um tentará sabotar o outro quando o assunto for a reforma política.

Mas não é só isso. Nos partidos também não há unanimidade. Dentro deles também há uma guerra. As rasteiras tornam-se tão comuns que a constatação poderia até receber uma interpretação mais livre: quando a reforma é a política, a Câmara é formada por 513 minorias.

Desde o fim da Constituinte de 1988, quando se percebeu que uma reforma política ainda teria de ser feita no País para aperfeiçoar um sistema que fora mantido torto, elitista, de raízes num passado retrógrado e coronelista, fala-se que a reforma política é a "mãe de todas as reformas".

Sabemos, contudo, que da forma como está, a legislação brasileira, por anos e anos ainda, possibilitará eleger aberrações eleitorais.

É uma conseqüência direta do sistema proporcional, que permite que um candidato, mesmo tendo recebido uma votação expressiva, não seja eleito, pois depende da proporcionalidade dos votos em todos os partidos, que elegem representantes na medida em que sua legenda tem mais ou menos voto.

O voto distrital, segundo muitos cientistas políticos, mudaria radicalmente a eleição. A eleição deixaria de ser proporcional para se transformar em majoritária, ganhando quem obtiver mais votos, tal como ocorre com a eleição de governadores e senadores. Mas seria ele o sistema mais adequado à cultura do povo brasileiro? Se se concluir que sim, seria distrital puro ou misto?

Ao lado disso, o financiamento público de campanhas em conjunto com as listas fechadas seria uma solução para permitir a maior participação partidária e melhor representação da sociedade?

São perguntas que este seminário deverá responder.

Em resumo, a reforma política depende de mudanças radicais. Se tivesse sido aprovada a cláusula de barreiras, em 2006 somente sete partidos teriam sobrevivido, o que ajudaria a reduzir o número de agremiações que hoje têm dono e funcionam muito como legendas de aluguel. Porque hoje ter um pequeno partido é um grande negócio, com dinheiro garantido pelo Fundo Partidário – mais de R$ 1 milhão por ano para os partidos menores.

De outro lado, acabar com os partidos de aluguel seria decretar, igualmente, o fim de pequenos partidos que muito contribuíram à democratização do Brasil. Uma encruzilhada sobre a qual devemos nos debruçar para ofertar uma proposta.

Entre os que estudam o tema da reforma política, o pessimismo é grande, pois políticos, principalmente os profissionais, não tem o menor interesse em mudar o atual sistema, que lhes parece bem confortável por garantir a eleição legislatura após legislatura, baseada em currais de votos conquistados mais à base de favores do que de interesse de uma determinada comunidade. 

Alguns acreditam que ela só ocorreria diante de um cataclismo ético e político, que naturalmente leva a uma mobilização nacional.

A reforma eleitoral, por sua vez, não anda no Congresso há mais de duas legislaturas. Sob a inspiração do nobre jurista Fábio Konder Comparato, Medalha Rui Barbosa e nesta noite nosso homenageado, a OAB ofereceu ao Congresso Nacional uma proposta de Reforma Eleitoral. Lamentável dizer que dela, até o presente, nada se aproveitou, nos dando a sensação de um descaso solene por parte do Parlamento. Talvez, quem sabe, pelo fato de o projeto conferir maior poder ao povo nas decisões do País.

O que se avançou desde então foi pouco, muito pouco, nada representando de substancial. Tanto assim, para citar um exemplo recente, o Presidente da República pôde participar do processo de eleição de seu sucessor como nunca antes outro Presidente fizera no País.

Nunca é demais lembrar que a mais importante das modificações – a que criou a Lei da Ficha Limpa – foi de iniciativa popular contando com a participação de entidades como a OAB, a Igreja, os magistrados, os membros do Ministério Público dentre outros. Não saiu do próprio Congresso. Nem sairia, porque permitia punir políticos que estavam no exercício do mandato criando obstáculos para os que viessem a se candidatar nas eleições seguintes. Foi aprovada porque a população pressionou.

É preciso destacar, ainda, que esforços para se promover reformas políticas existem em todo o mundo democrático. A última que se tem notícia ocorreu na Nova Zelândia, em 1991. Na Itália, também nos anos 1990, ela foi induzida pelo Ministério Público. E a França só adotou o voto distrital em 1958 porque os deputados foram forçados a isso pelo general Charles de Gaulle.

Não estamos inovando ao iniciarmos essa caminhada. Em todo o mundo, onde há democracia, vê-se também o constante esforço para aperfeiçoá-la. Que seja esta a nossa bandeira de agora em diante, não importam os obstáculos.

O que importa é termos um Parlamento sintonizado com a população; um Parlamento que expresse, na prática, o anseio de seu povo.

Todos nós que lutamos tanto por um Brasil soberano não podemos continuar vivendo uma simples "situação democrática", por mais eleições que possam ocorrer. Queremos uma democracia como valor universal, que se traduza em participação, ética e responsabilidade. Isto não é utopia. Pode e deve ser conquistado.

Muito obrigado".

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