O passado condena

Condenação futura não viola presunção de inocência

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16 de novembro de 2010, 7h10

O que teriam em comum a cobrança de pensão alimentícia e os encargos condominiais devidos? Para o advogado Diógenes Gonçalves Neto, sócio do Pinheiro Neto, ambas seriam passíveis da condenação para o futuro. O conceito é inédito na doutrina brasileira, mas ele assegura que existe. Lançado há pouco menos de um mês, o livro Tutela Condenatória Civil e Condenação para o Futuro (editora Quartier Latin) discorre sobre como é possível, sim, condenar uma pessoa de antemão apenas pela análise do passado do devedor.

“Embora os doutrinadores brasileiros não tratem do tema, a condenação para o futuro está presente em diversos momentos da prática jurídica”. Para ele, as formas de condenar o devedor antes mesmo de a obrigação ter vencido e o cabimento desse tipo de ação merecem apreciação. Segundo Diógenes, o livro pretende analisar elementos relevantes acerca do assunto. Para isso, elenca alguns casos e sentenças.

O raciocínio é simples: quando alguém não cumpre um contrato ou já fornece indícios de que não vai cumprir o combinado, a condenação para o futuro aparece. “Ela pode obrigar a pagar, pode obrigar a fazer algo ou pode até obrigar a não fazer”, diz Gonçalves.

É o que acontece com a pensão alimentícia, embora a doutrina não se dê conta disso. “Ao invés de se propor uma ação para cada mensalidade devida, propõe-se a ação para abranger também as prestações devidas em momentos futuros. Se o devedor faltar com o pagamento, executa-se a quantia com a sentença condenatória, tão logo a prestação se torne devida, vencida e não paga”, detalha.

O livro conta um caso que Gonçalves classifica como “clássico”. Meses antes de entregar os primeiros capítulos de uma novela, o autor, que mantinha contrato com o SBT, declarou à imprensa que já preparava uma nova novela, mas para a concorrente. “Era evidente que ele não conseguiria fazer duas novelas ao mesmo tempo, e que pretendia largar o primeiro contratante. A defesa do autor de novela alegou que não caberia a tutela condenatória para o futuro. Prevaleceu a pretensão condenatória reclamada pelo SBT”, conta o advogado. Com isso o SBT garantiu que o autor entregasse os capítulos restantes antes de assumir novo compromisso com outra emissora.

Parcelas vincendas relativas a direitos autorais e reintegração ao posto de trabalho engrossam a lista de exemplos. De acordo com Gonçalves, o conceito encontra fundamento em uma série de interpretação de artigos do Código de Processo Civil. O artigo 290, por exemplo, fala que "quando a obrigação consistir em prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação".

Também dá margem a essa interpretação o artigo 614, inciso III, do CPC: “Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial com a prova de que se verificou a condição, ou ocorreu o termo”. Já o artigo 572 do CPC estabelece que “quando o juiz decidir relação jurídica sujeita a condição ou termo, o credor não poderá executar a sentença sem provar que se realizou a condição ou que ocorreu o termo”. Embora encontre amparo no CPC, a condenação futura pode ser aplicada em matérias tributárias, trabalhistas, cíveis e criminais.

Tutela Condenatória Civil e Condenação para o Futuro é dividido em duas partes. A segunda, conta Gonçalves, é uma releitura desses artigos, visando ao pagamento de alimentos, indenizações por acidentes ou até em disputas dos estados e municípios contra a União. O livro é resultado de dez anos de pesquisa e tem prefácio de José Ignácio Botelho de Mesquita, professor de direito processual na Faculdade de Direito da USP.

De acordo com o autor, a garantia constitucional de presunção de inocência não é violada. “Tudo é baseado em indícios e provas objetivas que demonstram a alta condenabilidade do devedor”, justifica. E se o devedor resolver cumprir a obrigação no meio do caminho? O livro dedica alguns capítulos para essa possibilidade. Até a mudança de postura seria um indício da necessidade de condenação. “Nessa hipótese, caso o devedor pague as dívidas, ele será obrigado a pagar os honorários advocatícios.”

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