Poder amigo

Ofício do juiz é julgar, e não arrecadar para o fisco

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12 de novembro de 2010, 18h32

Passadas as eleições e definido quem governará o Brasil pelos próximos quatro anos, o país volta aos poucos à sua normalidade. Qualquer que tivesse sido o resultado do pleito, contudo, não é demasiado afirmar que uma providência em especial era tida por consensual para ambos os projetos políticos que se enfrentaram no segundo turno eleitoral: a necessidade de uma drástica inflexão na política de expansão dos gastos públicos correntes do governo, para a garantia da manutenção do bom momento econômico e da credibilidade do Brasil perante o mercado internacional.

Notícias de restrições orçamentárias severas pelos próximos anos, mormente nas despesas de pessoal, tomam de assalto as manchetes dos jornais e, compreensivelmente, levam as entidades representativas dos mais variados grupos de pressão da sociedade e dos agentes públicos a se posicionar em defesa dos interesses corporativistas dos seus membros. É a velha lógica do “farinha pouca, meu pirão primeiro”. 

Nesse contexto político-econômico, algumas impropriedades têm sido veiculadas nos meios de comunicação. Essas impropriedade tangenciam a realidade dos fatos, considerando-se a dinâmica constitucional de funcionamento das instituições democráticas em nosso país. 

Coincidentemente, no momento em que discutida a lei orçamentária de 2011 no Congresso Nacional, e no intuito de intensificar a pressão sobre os parlamentares em favor da concessão de aumento (ou recomposição) remuneratório aos integrantes da magistratura federal — pleito cujo mérito não discutimos —, ressurgem discutíveis afirmações no sentido de que o Poder Judiciário Federal é amplamente superavitário, e que, somente no ano de 2009,  arrecadou através de suas Varas de Execução Fiscal cerca de uma vez e meia o total dos gastos realizados anualmente com o funcionamento de tal Poder.

Paralelamente, e causando indignação entre os procuradores da Fazenda Nacional, vemos ataques diretos, com inédita virulência, a proposições legislativas de interesse dos integrantes das carreiras da Advocacia-Geral da União, como o são as Propostas de Emenda Constitucional 443 e 452, cuja tramitação, é importante deixar bem claro, objetiva, antes de tudo, dar um arremate final ao trabalho iniciado pelo legislador constituinte originário à época da promulgação da Constituição da República de 1988. Isto porque, por lapso, no corpo da Lei Maior, que previu a existência da AGU, não foram seus integrantes, advogados públicos responsáveis pela defesa judicial da União Federal, dotados de um corpo, ainda que mínimo, de garantias e prerrogativas que permitam a tais operadores do direito praticar uma efetiva advocacia de Estado, na defesa do interesse público. Nada a ver, dessarte, com “trens da alegria” ou coisa que o valha.

Para que a sociedade brasileira tenha uma correta percepção do tema, é fundamental esclarecer que, nos termos do artigo 131 do Texto Constitucional, são os procuradores da Fazenda Nacional, e não os juízes, federais ou de Direito, os agentes públicos responsáveis pela cobrança judicial dos tributos não pagos devidos à União Federal, já que, por força da própria natureza das atribuições desempenhadas, não podem os doutos magistrados exercer função arrecadatória nestes termos.

O exercício da função jurisdicional, consoante lições incipientes de Teoria Geral do Processo, aprendidas ainda nos primeiros passos no estudo da ciência do Direito, é necessariamente caracterizado pelos princípios da inércia e imparcialidade do juiz. Vale dizer, se o magistrado age somente mediante provocação da parte interessada (da Fazenda Nacional, no caso de execuções fiscais, representada por seus procuradores) e se deve ter, por dever primário de conduta funcional, uma atuação pautada pela imparcialidade, parece-nos patente e manifesta a incongruência argumentativa na afirmação de que o Poder Judiciário tem função arrecadatória, e mais, que teria levado aos cofres públicos cerca de nove bilhões de reais no ano de 2009.

Assim, com o devido respeito, o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional oportunamente esclarece que o nobre ofício do juiz é julgar. Nada arrecada, portanto, visto que desempenha a função jurisdicional. Na verdade, o mister de cobrar, judicialmente, os tributos não pagos devidos à União Federal, compete, por força de expresso mandamento constitucional, única e exclusivamente, aos integrantes da carreira de Procurador da Fazenda Nacional, advogados públicos especializados em Direito Tributário que compõem a AGU. 

Qualquer afirmação que destoe dessas premissas é equivocada e pode induzir a erro a sociedade brasileira, merecendo, como tal, reparo e o pertinente esclarecimento sobre o correto funcionamento das instituições em nosso país.

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