Interesse público

Liberdade de imprensa prevalece sobre privacidade

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7 de novembro de 2010, 13h05

O julgamento que derrubou a Lei de Imprensa, em abril de 2009, foi um divisor de águas que, depois de um momento de grandeza, permitiu decisões que causaram perplexidade, disse o ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal. Para ele, com o fim da Lei de Imprensa, os veículos passaram a sofrer censura judicial.

“O Supremo consagrou plenamente a liberdade de imprensa. E como resposta ao STF, juízes que se sentiram diminuídos exerceram censura à imprensa”, apontou o ministro em evento sobre o assunto neste sábado (6/11), em Campinas (SP). Para ele, há “juízes que confundem autoridade com autoritarismo”.

O extremo oposto também foi alvo de crítica de Britto. “Há juízes que se confundem com jornalistas e jogam para o grande público”, disse. 

No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, a maioria dos ministros entendeu que a Lei 5.250/1967 (Lei de Imprensa) não foi recepcionada pela Constituição de 1988. 

Em setembro, o Supremo voltou a julgar uma ação que tinha relação direta com a liberdade de imprensa, a restrição prevista na Lei Eleitoral (Lei 9.504/1997) quanto ao humorismo nas eleições. A norma proibia o uso de trucagem, montagem e recursos de áudio e vídeo para ridicularizar candidatos. Também vedava o direito de emissoras opinarem sobre candidatos, partidos ou coligações. Na corte, prevaleceu o entendimento de que é inadmissível a censura legal prévia. E os casos de abuso devem ser julgados e punidos pela Justiça.

Segundo Britto, o Brasil vive um período de entressafra, já que, sem as leis que limitavam as produções artísticas, intelectuais e jornalísticas, a “imprensa passou a se incomodar com a leveza de não ter nada nos ombros”. Para ele, a qualidade do humor caiu após a decisão do Supremo de derrubar partes da Lei Eleitoral. “A imprensa tem a liberdade, mas não sabe bem o que fazer com ela.”

Relator das duas ações que tratavam da liberdade de expressão do Supremo, Britto destacou também que a Constituição Federal tem apreço pela liberdade de imprensa, “tanto que abriu um capítulo para isso”. Segundo ele, os dispositivos constitucionais que tratam da intimidade, imagem e personalidade e da liberdade de imprensa têm que conviver. “Não há contradição ou contraposição.”

Para os casos onde os dois princípios constitucionais vão de encontro, Britto diz que as relações de imprensa devem prevalecer. Do contrário, a liberdade seria “esganada”. Ele explica que a Constituição prevê que, caso o bloco que cuida da vida privada seja ferido, a solução se dará no plano da consequência, com ações judiciais que cobrem pelos danos morais.

Para Britto, “quem tem o maior poder são os juízes, que dão a última palavra, porém nenhum tribunal ou juiz deve se antecipar em relação ao que deve falar um jornalista”. O Judiciário só deve interferir, ele disse, se for para garantir a plenitude da liberdade de imprensa. “A censura prévia é a prisão preventiva do pensamento”, afirmou, em uma das costumeiras máximas.

Pontos periféricos
Com a queda das regulamentações especiais, dúvidas legais ficaram sem resposta, como a forma de concessão de direito de resposta, quais propagandas podem ser veiculadas ou em que casos cabe indenização por ofensa. Segundo Britto, esses assuntos poderiam ser alvo de uma legislação, por não dizerem respeito à liberdade de imprensa, mas serem temas “reflexamente de imprensa”.

Outra questão que ainda não foi respondida pela Justiça de forma definitiva é o tratamento a ser dado a processos sob segredo de Justiça. Há mais de um ano, o jornal O Estado de S. Paulo está proibido de publicar o conteúdo da Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, na qual o filho do senador José Sarney, o empresário Fernando Sarney, foi investigado. O jornal Diário do Grande ABC também foi proibido de publicar informações sobre o atual prefeito de Santo André (SP), Luiz Marinho.

Para o ministro César Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justiça, que também falou no evento, a regra é que os processos sejam públicos, mas que o Judiciário decreta segredo de Justiça quando pretende preservar, por norma constitucional, um menor de idade, por exemplo. “Mas isso não faz com que o caso seja imune à liberdade de expressão e de imprensa.”

Segundo o ministro, a liberdade imposta pelo STF tem que ser preservada, porém, “deve se compatibilizar também com outros direitos fundamentais que estão na Constituição”. Ele concorda que questões periféricas podem ser regulamentadas. 

O debate aconteceu no Seminário Mídia e Justiça promovido pela Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) em Campinas, no The Royal Palm Plaza Hotel. Além de Britto, a ministra Cármen Lúcia do Supremo Tribunal Federal e os ministros Asfor Rocha, Massami Ueda, Jorge Mussi e Hamilton Carvalhido também marcaram presença nos debates.

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