Desenvolvimento econômico

Prestação jurisdicional precisa ir além da celeridade

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6 de novembro de 2010, 4h29

"A reforma do Judiciário foi voltada para o mercado e não para a democratização do acesso à Justiça." A crítica foi feita por Luciana Gross, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, em seu trabalho Sistema de Justiça e Desenvolvimento na Reforma do Judiciário Brasileira, realizado em parceria com Frederico Almeida, pesquisador da Faculdade de Letras, Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

O tema foi discutido na mesa "Judiciário" durante o seminário Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre os BRICs, nesta quinta-feira (4/11). A pesquisa de Luciana e de Almeida foi comentada por outros três estudiosos: Marc Galanter, da University of Wiscosin-Madison (Estados Unidos), Ekaterina Mishina, da Escola Superior de Economia (Rússia), e Bernardo Medeiros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Luciana explicou que a ideia de o Judiciário brasileiro ser "ineficiente, corrupto e parcial" e a dispersão sobre a forma difusa das tomadas de decisões acabou por bloquear o crescimento econômico do país. Foi com a intenção de contornar esse problema que o Judiciário passou por uma reforma em 2004, visando, sobretudo, centralizar e padronizar procedimentos. "O movimento representou também uma racionalidade na tomada de decisões, principalmente por meio da súmula vinculante e da repercussão geral, criando padrões. A falta de uniformidade gerava incerteza jurisdicional", explica Luciana.

Segundo a pesquisadora, quando a Constituição Federal atual passou a valer, em 1988, as relações sociais passaram a ser judicializadas. "Esse novo padrão", conta, "levou à judicialização da política e das relações sociais. Ou seja, toda e qualquer relação entre os atores políticos com a ampliação do rol de legitimados para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade levou o Judiciário para o centro da arena política". Esse cenário acabou influenciando o documento final da reforma, destoando da proposta inicial, com a Emenda Constitucional 45.

Frederico Almeida diz que é preciso refletir sobre qual desenvolvimento a Reforma do Judiciário serviu. Ele explica que o estudo foi orientado por três aspectos importantes para o modo de produção capitalista: propriedade, trabalho e consumo. "Ao contrário do discurso que nós denominamos como dominante, que é muito bem articulado e é mais muito mais homogêneo e harmônico, esses elementos de natureza empírica estavam na base da reforma original." Com a dispersão do texto original, ele conta que foi criada uma dicotomia falsa entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento social.

Essa falsa dicotômica poderia ser identificada na função social da terra. Como conta Frederico Almeida, estudos apontam que, embora a Constituição Federal brasileira proteja esse direito, o Judiciário continua com uma visão civilista pré-1988. "O discurso dominante é a parcialidade, com, por exemplo, a criminalização de movimentos sociais."

O mesmo incorre, por exemplo, no Direito do Consumidor, no qual as empresas estariam agindo de maneira estratégica. "Há uma grande demanda que incha a Justiça que vem de práticas reiteradas e ineficientes por parte das empresas. As principais empresas demandadas nos Juizados Especiais são as mesmas demandadas nos órgãos administrativos de resolução de conflitos, como o Procon [Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor]. Essas práticas negativas estão sendo transferidas para o Judiciário, contribuindo para a morosidade", sentencia.

Bernardo Medeiros, do Ipea, concordou que o diagnóstico dominante é especulativo. "Na prática, é difícil analisar o Judiciário como um bloco monolítico, como faz o relatório Justiça em Números [do Conselho Nacional de Justiça], com o simples cruzamento de dados. Não há uniformidade de dados." Tendo isso em mente, o Ipea decidiu desenvolver um projeto de pesquisa empírica em 182 varas espalhadas pelo Brasil, nas quais dados seriam colhidos, inclusive com entrevistas com juízes e servidores.

"Em execução fiscal, por exemplo, há variação na mesma vara. A gente encontrou diversas varas em que o juiz titular entendia que se aplicavam as mudanças do Código de Processo Civil na execução fiscal e o juiz substituto entendia que não se aplicava", conta. "É preciso pensar a prestação jurisdicional além da celeridade pela celeridade."

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