Espetáculo da vida

Opinião pública não está preparada para absolvições

Autor

  • Antônio Gonçalves

    é advogado criminalista pós-doutor em Desafios em la post modernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP e MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas.

2 de novembro de 2010, 7h38

Em casos de julgamento de competência do Tribunal do Júri dificilmente a opinião pública espera ou incentiva uma absolvição dos réus. A justificativa paira em torno do instinto retributivo somado à carga emocional pela busca da ‘justiça’, o que ocasiona a transmissão da responsabilidade de condenar aos jurados, os denominados representantes do povo. Entretanto, esse condenar prévio pode caminhar em contrariedade com a realidade e, em especial, com as provas apresentadas no Plenário, o que pode culminar com uma absolvição, afinal, se houverem elementos suficientes que possibilitem ume dúvida acerca da materialidade do delito ou da autoria não há que se falar em condenação.

Nem sempre o criminoso será considerado culpado, independentemente da opinião pública ou até mesmo a opinião pessoal dos jurados, uma vez que outros elementos devem ser considerados como a tese de defesa, as provas técnicas e, principalmente, se a acusação conseguiu eficazmente atribuir o delito ao Réu, já que se houver uma dúvida razoável o Réu deve ser absolvido.

Para ilustrar ainda mais essas situações recorremos a alguns exemplos presentes nos últimos meses na mídia e que serão julgados através do júri popular em breve. O mais emblemático caso atual se refere ao assassinato da jovem Eliza Samudio por parte do goleiro Bruno com participação de seus amigos e pessoas próximas, o caso que mais se aproxima de um desfecho paritário com o anseio da opinião pública.

Um pouco mais antigo, com data de 2004, o ex-seminarista Gil Rugai assassinou os pais com tiros por supostos desentendimentos sobre desfalques na empresa da família. O jovem ficou preso apenas até 2006, pois a defesa conseguiu habeas corpus alegando que houve cerceamento na elaboração prévia de quesitos defensivos, ferindo o princípio do contraditório e da ampla defesa. O jovem tem razoáveis chances de ser condenado.

Agora passaremos a analisar casos em contrariedade à opinião pública: o primeiro deles foi o assassinato do Coronel Ubiratan Guimarães pela namorada Carla Cepollina. Em 2008, um juiz de primeira instância decidiu pela impronúncia da Ré, portanto, ela não iria mais a julgamento, por entendimento do Magistrado que considerou não haver indícios de autoria, mas o MP recorreu, e agora o caso vai a julgamento popular, contudo, as chances de absolvição de Carla são grandes.

E, por fim, temos o caso do advogado Mizael Bispo, acusado de assassinar a ex-namorada Mércia Nakashima, este tem poucas chances de ser condenado, pois os indícios apresentados até o momento não foram suficientes para afirmar que Mizael foi realmente o autor do crime.

Nunca é demais lembrar que os quatro desfechos são baseados na opinião deste autor, contudo, a dúvida que paira é: como reagirá a opinião pública se Carla Cepollina, Mizael Bispo ou outro grande caso de repercussão nacional tenha como resultado a absolvição do Réu?

A opinião pública carrega um sentimento tão concreto de condenação que no mais das vezes esquece que os réus são inocentes até que se prove a culpa e não o contrário, por isso que medidas como a de Mizael Bispo em fugir para evitar sua prisão não foram bem vistas na sociedade, contudo, não é direito de um inocente tentar manter-se em liberdade?

E não há qualquer apologia à inocência de qualquer um dos quatro casos citados, mas sim, o receio de que uma revolta popular seja deflagrada para aplacar o sentimento de injustiça, de falibilidade do sistema punitivo, impunidade, etc.

O fato é que a culpa deverá ser provada no Plenário e não é função dos populares fazer justiça com as próprias mãos, porque outro crime será cometido e a justiça brasileira não permite qualquer tipo de compensação, logo, o termo justiça pelas próprias mãos e a vingança da vítima, etc., não se aplicam aos eventuais agressores.

Todos têm direito a um julgamento justo e a opinião pública deve acompanhar, se posicionar e protestar nos limites da razoabilidade e, principalmente respeitar uma pessoa considerada inocente pelo Tribunal do Júri, o ordenamento jurídico pátrio não comporta caça às bruxas e tampouco a responsabilização a qualquer custo, se uma acusação não foi bem instruída, se o inquérito não possui todos os elementos, que se declare a absolvição e que a opinião pública aprenda a conviver com isso.

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