Impacto Social

Briga por Viagra expõe mercado de remédios

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29 de março de 2010, 9h03

Há mais de 10 anos que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e o laboratório Pfizer Limited travam uma disputa jurídica pela validade da patente do Viagra no Brasil. Há duas ações no Superior Tribunal de Justiça. O Recurso Especial 1.178.712, que subiu do TRF 2ª Região em fevereiro último, e o Recurso Especial 731.101, que já está em votação na 2ª Seção do STJ. Neste, a Pfizer obteve decisão favorável em primeira e segunda instâncias, para que a patente termine em junho de 2011. Mas, o STJ sinalizou uma mudança de rumos, em sessão realizada na quarta-feira (24/3). Três ministros votaram favoráveis ao INPI, que defende o fim da patente em junho de 2010. A par das teses jurídicas, as sustentações orais dos representantes das partes expõem a disputa por um mercado milionário de medicamentos.

Para dar uma ideia do impacto da decisão judicial, o INPI apresentou aos ministros uma extensa lista de medicamentos que estão com patentes pipeline (reconhecidas no exterior e concedidas por prazo remanescente) sendo judicializadas no Brasil. São remédios para tratamento de hepatite, pressão arterial, vários tipos de câncer, diabetes, enxaquecas, efizemas e doença de Parkson, entre outras. Segundo a procuradora federal Indira Ernesto Silva Quaresma, “todos os processos estão no STJ e são idênticos, discutem o prazo de validade da patente desses medicamentos”.

A procuradora que defende o INPI disse que a indústria farmacêutica vem tentando prorrogar os prazos de validade das patentes no Brasil. O INPI reconhece que a patente é importante para o desenvolvimento industrial, pois protege o investimento realizado nas pesquisas. Entretanto, Indira Ernesto alegou que a exclusividade temporária é um benefício econômico concedido pelo Estado, não para recompensar o autor de um invento industrial, mas uma forma de estimular e levar o benefício a toda a coletividade. A patente não retira, apenas adia a incorporação do produto ao domínio público. "Qualquer patente como instituto jurídico para criar um monopólio excepciona a regra geral da livre concorrência”, disse.

“Quando falamos em patente pipeline, temos de levar em consideração que é uma questão de saúde pública”, disse a procuradora em tom de alerta aos ministros do STJ. Para ela, o estabelecimento que possui o monopólio por meio de patente “exclui da livre concorrência todos os interessados em participar do fornecimento do produto no mercado. Isso eleva os preços. Mas, quando a patente do medicamento expira, o preço do remédio cai de 35% a 50%, pois o princípio ativo passa a ser explorado por outras empresas”.

O INPI entende que a indústria farmacêutica tenta distorcer a lei para prorrogar o privilégio. Segundo a procuradora federal, o Brasil é o terceiro maior consumidor de Viagra. O produto é mais vendido do que o Tilenol e dá à Pfizer um faturamento de R$ 200 milhões por ano só no Brasil. Indira Ernesto informou que a estimativa é que “cerca de 25 milhões de brasileiros sofrem de disfunção erétil, o que dá a dimensão potencial do mercado consumidor”.

A procuradora do INPI disse ainda que o Viagra não é acessível à população, assim como os demais medicamentos citados por ela, que gozam de patente pipeline. Isso leva o Ministério da Saúde a gastar quase R$ 800 milhões por ano com a distribuição de vários tipos de medicamentos patenteados. Somente com um antipsicótico e um remédio para leucemia, o SUS gasta mais de R$ 430 milhões. Para ela, “é inexpressivo o investimento feito no país em relação ao faturamento da indústria farmacêutica estrangeira”.

O advogado Arystóbulo de Oliveira Freitas, da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Progenéricos), disse que o Poder Judiciário “precisa dar um basta” ao que ele chamou de “estado de coisas” no setor de patentes de medicamentos. “Há uma tendência de judicialização e tentativa de uso do Judiciário para estender os prazos”, disse. Segundo ele, a Progenéricos não é contra patentes, nem a favor de quebra de patentes. “Estamos discutindo a ilícita tentativa de prorrogação de prazo de patente”, ressaltou.

Para a Progenéricos, está havendo “uma tentativa indevida de prorrogar o prazo em prejuízo do acesso”. O advogado informou que em 2009 foram vendidos 2 milhões de caixas de Viagra no Brasil, com faturamento de R$ 170 milhões. “Esse julgamento é de absoluta importância para o acesso à população. O medicamento genérico só é possível de ser lançado no mercado após o vencimento da patente, além de ter de passar por vários exames antes de chegar ao mercado. Enquanto houver essa prática de prorrogação de prazo, a população estará alijada do acesso ao medicamento e muitas vezes entre a morte e a vida”, afirmou Arystóbulo.     

A Pfizer é representada pelo advogado Fernando Neves da Silva. Ele questionou se o interesse social e desenvolvimento tecnológico alegado pelo INPI seria voltar ao período em que o Brasil não dava proteção às invenções da indústria farmacêutica e por isso o país não dispunha de remédios de vanguarda. “A proteção econômica que está citada na Constituição (artigo 5º) é no sentido de se dar incentivo à pesquisa e retribuição ao autor”, disse. Referindo-se ao interesse da indústria de genéricos, o advogado afirmou que “a redução do prazo em um ano seria transferir o lucro da empresa que investiu pesado em pesquisas para empresas que só estão dispostas a copiar o medicamento. O lucro continuará existindo”, afirmou.

O julgamento na 2ª Seção do STJ está favorável ao INPI. Os ministros João Otávio de Noronha (relator), Sidinei Beneti e Vasco Della Giustina deram provimento ao Recurso Especial movido pelo instituto. O ministro Luiz Felipe Salomão pediu vista do processo, informando que em sessão anterior havia pedido vista de processo idêntico, devendo colocar os dois recursos em votação na sessão seguinte. Os ministros Honildo Amaral, Nancy Andrighi e Aldir Passarinho decidiram aguardar. Fernando Gonçalves e Paulo Furtado não participaram da sessão, portanto não assistiram às sustentações orais dos advogados das partes. Na próxima sessão, eles podem considerar-se sem condições de votar.

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