Abuse e use

HC garante certidão quanto a provas inacessíveis

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28 de março de 2010, 9h05

“Conceder-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.” A redação do inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição Federal resume o escopo da arma que é, por excelência, garantia de liberdade para quem responde a um processo criminal. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no entanto, mostrou na última semana que essa função pode ser esticada. Em decisão publicada nesta quinta-feira (25/3) no Diário da Justiça Eletrônico, a corte concedeu Habeas Corpus para que um advogado recebesse uma certidão reconhecendo que as provas contra seu cliente, um HD e dois CDs, estavam com defeito.

A decisão incomum foi dada pela 7ª Turma do TRF-4, ao analisar o pedido dos advogados de um dos acusados na Operação Curaçao, que investigou um esquema de evasão e lavagem de dinheiro via First Curaçao International Bank, banco com sede nas Antilhas Holandesas, fechado em 2006 pelo Banco Central dos Países Baixos. A megaoperação, arquitetada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal paranaenses, foi responsável por oito prisões preventivas, 40 contas bancárias bloqueadas e 55 buscas e apreensões em cinco estados.

A apuração teve início depois que o Ministério Público holandês enviou ao Brasil informações sobre possíveis envolvidos no país. Os dados das movimentações bancárias estavam em um HD e dois CDs entregues ao MPF, que os repassou à 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Ao checar as cópias das mídias fornecidas pela Justiça, os advogados Jacinto Coutinho e Edward Carvalho, do escritório J. N. Miranda Coutinho & Advogados, que defendem um dos acusados, viram que o HD estava corrompido e que as senhas fornecidas para acesso aos CDs não permitiam a leitura do conteúdo.

“Apesar da cortesia que lhes foi dispensada pela autoridade impetrada, não tiveram acesso correto (ou os meios para tal acesso) ao HD de 120 Gb e aos 2 CD’s enviados da Holanda, porque aparentemente o HD encontra-se corrompido e inacessível e os CD’s são inacessíveis porque a senha fornecida não é correta”, explicou o desembargador federal Néfi Cordeiro, da 7ª Turma do TRF-4, no despacho em que pediu informações ao juiz da 2ª Vara, Sérgio Fernando Moro, em fevereiro.

Em resposta, Sérgio Moro informou que os autos estavam, naquele momento, com o Ministério Público Federal. “Antes do retorno dos autos e mesmo de eventual oitiva para esclarecimento da questão pelo MPF, não tem este juízo como resolver a reclamação da defesa”, disse o juiz, e alfinetou: “a defesa deveria ter a paciência necessária para compreender a situação e aguardar o momento próprio para que o problema fosse solucionado”. Ele também afirmou haver pedido cópias não criptografadas dos arquivos para fornecer ao advogado.

Ao receber as informações, o relator do processo, desembargador federal Tadaaqui Hirose, indeferiu a liminar. Em decisão dada ainda em fevereiro, ele afirmou não haver ameaça ao direito de locomoção do réu — situação que motivaria a concessão do HC —, e que o juiz não estava negando acesso às provas. “Aparentemente, o mm. juízo singular está tomando as medidas necessárias para que a defesa do paciente tenha acesso aos arquivos eletrônicos remetidos pelas autoridades holondesas, alegadamente corrompidos ou inacessíveis”, disse.

No entanto, no dia 16 de março, depois de analisar melhor os fatos, Hirose mudou radicalmente de posição, votando com os demais colegas. “A parte impetrante possui direito constitucionalmente assegurado e garantido em qualquer órgão da administração pública de obter certidão para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”, diz a ementa do acórdão publicado na última quinta-feira (25/3). “Deve ser fornecida certidão da situação que se encontram as mídias da investigação em curso, requerida pela defesa do paciente”, concluiu unânime a 7ª Turma.

A decisão da Turma foi tomada no último dia 16. No entanto, antes mesmo de o acórdão ser publicado, a 2ª Vara providenciou ao advogado cópias legíveis das mídias, segundo conta Edward Carvalho. “No dia seguinte, ligaram avisando que todos os dados estavam acessíveis”, diz. “É ruim ter que ir com um HC para que nos deem uma certidão, mas muitas vezes somos levados a um beco sem saída.”

Embora reconheça que o Habeas Corpus tenha prioridade nos tribunais, na opinião do juiz Marcelo Enes, diretor da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a ampliação do uso do instrumento pode ser perigosa. "Em casos que envolvem muitos denunciados, o juiz é obrigado a parar a todo momento para analisar os pedidos, o que atrapalha o andamento do processo", explica o juiz, que também é representante da Ajufe na Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro.

Segundo ele, um exemplo de mau uso do HC pelos advogados é para pedir diligências ao juiz. "Acontece quando a defesa quer a produção de uma prova. Esse tipo de HC no curso do processo compromete o trabalho", afirma. 

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HC 0001758-16.2010.404.0000

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