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Propaganda antecipada desafia Justiça Eleitoral

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27 de março de 2010, 7h35

O Tribunal Superior Eleitoral decidiu aplicar uma multa de R$ 10 mil ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por propaganda eleitoral antecipada. A decisão dessa quinta-feira (25/3) não foi unânime. O placar ficou em quatro a três a favor da aplicação da multa. No dia 16 de março, o plenário do TSE havia decidido, pelo mesmo placar, só que no sentido oposto, contra a multa.

As duas representações contra o presidente, que incluíram a ministra chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, foram diferentes. Na decisão mais recente, tratava-se da inauguração do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados de São Paulo (Sindpd-SP). Na anterior, o presidente participou da inauguração de um campus universitário em Minas Gerais, em janeiro deste ano.

O artigo 36, da Lei 9.504/97, determina que a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição. A lei prevê que, caso o dispositivo seja violado, “o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário” esteja sujeito à multa que varia entre R$ 5 mil e R$ 25 mil, ou o valor do custo da propaganda, caso este seja maior.

Provocado, o Judiciário tem enfrentado questões cada vez mais complexas em relação ao tema. Principalmente em eleições majoritárias, quando não se trata de propaganda explícita, como a distribuição de de santinhos ou instalação de outdoors. No TSE, por exemplo, a polêmica é quanto a declarações de candidatos em eventos, como no caso do presidente e da ministra.

Os especialistas reconhecem que é muito difícil distinguir, pelo conteúdo do que é divulgado, se há propaganda eleitoral antecipada ou não. O advogado Antonio Carlos Mendes explica que há dois aspectos: o primeiro temporal e o segundo de conteúdo. Normalmente a propaganda dirigida aos eleitores em geral é permitida ao candidato apenas depois de a convenção nacional do partido aprovar sua candidatura. Antes disso, a propaganda é permitida apenas aos filiados do partido.

O advogado diz que, quando se trata de um candidato que exerce altas funções administrativas, é muito difícil fazer a avaliação se suas atividades fazem parte do exercício da função ou se é promoção da própria candidatura ou apoio à candidatura de outra pessoa. “O critério mais seguro é o temporal.”

A procuradora eleitoral regional do Rio de Janeiro, Silvana Batini, diz que a dificuldade quanto à propaganda eleitoral antecipada é geral. “Estamos vendo uma oscilação da jurisprudência.” Ela conta que com mudanças decorrentes da Lei 12.034, que permitiu entrevistas com pré-candidatos desde que não houvesse pedido expresso de votos, levaram algumas pessoas a concluirem que só era caracterizada propaganda antecipada se houvesse o pedido expresso. “Não é isso”, sustenta. Para ela as mensagens, às vezes, são mais enfáticas sem as palavras. “A propaganda precisa ter pedido de voto, mas esse pedido não precisa ser expresso, pode ser implícito, dissimulado”, afirma.

O que vai definir é o contexto em que o discurso está inserido. A procuradora exemplificou com o caso de um pré-candidato que coloca uma faixa na rua dizendo contar com apoio da população ou parabenizando alguém. “Qual o interesse que um pré-candidato tem, no ano eleitoral, em dizer ‘eu sou legal’? Promoção pessoal, nessa altura do campeonato, é propaganda.”

Embora haja divergências no TSE, a procuradora diz que, se os votos forem analisados, em geral, há uma premissa de que não há necessidade de pedido expresso de voto para caracterizar propaganda antecipada. “De maneira geral, há uma divergência quanto à existência de propaganda na mensagem específica que está sendo analisada”, diz.

Para o advogado Leonardo Brandão, o papel da Justiça Eleitoral é fundamental para depurar o entendimento mais adequado. “Mesmo que não haja unanimidade em relação às decisões — e nunca ou quase nunca haverá esta unanimidade —, a jurisprudência vai aumentando o grau de segurança da sociedade em relação ao assunto.”

Lei no comando
A procuradora do MPE também constata dois problemas na propaganda eleitoral antecipada. “O primeiro está relacionado à maquina pública. São candidatos que buscam a reeleição e fazem propaganda antecipada, misturando pretensão particular como o cargo que ocupa e a máquina pública a sua disposição. É um problema grave.”

O segundo, diz Silvana, é a propaganda que alimenta o abuso do poder econômico e afasta eventuais candidaturas de pessoas que até teriam pretensão política. “Já é difícil manter campanha por três meses, o que dirá 10 meses. Tem países que não tem essa regulamentação tão rigorosa, porque também não tem um histórico de abuso como o Brasil”, disse.

Silvana entende que abrir mais as possibilidades para a propaganda eleitoral é uma alternativa, até pelo grau de subjetividade da análise da mensagem para concluir se houve ou não propaganda. Mas, para ela, a opção tem de partir do legislador. “Neste momento, permitir a propaganda antecipada é queimar o tiro de largada. É uma deslealdade”, entende.

Outro ponto é que a cada embate nos tribunais, a situação que levou à representação volta à tona. “Se há uma condenação, mesmo que o valor seja irrisório, diante dos gastos estimados de uma campanha política, há um palpável risco de dano à imagem”, entende o advogado Leonardo Brandão. Ele afirma que a sociedade vem amadurecendo, inclusive quanto ao processo eleitoral. “Os eleitores cativos de um candidato que viole constantemente as normas jurídicas possivelmente não mudarão de voto. Mas há, em cada pleito, uma massa significativa de eleitores que tende a avaliar o comportamento, inclusive a partir de critérios éticos, dos candidatos. Não acho que o ilícito compense, neste caso.”

Ele também diz que é possível alterar a norma para agravar a punição em caso de reincidência. “Seria mais uma maneira de desestimular um comportamento tão nocivo para a democracia quanto este”, afirma. Depois de ser notificado da multa, o presidente Lula, em mais um comício de inaugurações de claro caráter eleitoreiro, desafiou a Jusiça e afirmou que vai continuar desobedecendo a lei: "Quem vai pagar a multa?", perguntou ele drigindo-se à platéia de fiéis seguidores.

Embora seja contrária à própria natureza da política e dos políticos – que na verdade e para o bem dos eleitores deveriam fazer campanha em todos os dias de seu mandato – a proibição da chamada "campanha antecipada" está na lei e deve ser observada por todos. 

Propaganda presidencial
No caso concreto do presidente da República, Antonio Carlos Mendes afirma que o caso não é de propaganda eleitoral antecipada e sim propaganda eleitoral ilegal. De acordo com a Constituição, o presidente não pode fazer propaganda nem antes nem depois das convenções do partido. O advogado lembra que é preciso analisar a atitude de acordo com os princípios do Estado Democrático de Direito. Lula, afirma, é presidente de todos os brasileiros e tem deveres como imparcialidade e impessoalidade. “Acho que é simples a interpretação”, diz.

“Quando um candidato vence as eleições e assume o cargo, ele já não representa o partido, representa o povo. É o que chamamos de processo democrático. Ele vai representar todo o povo e não parte dele”, disse.

O advogado também afirma que é preciso seguir a legislação vigente. “No Estado Democrático Constitucional e de Direito, é importante que os partidos e candidatos se submetam às regras legislativas e parlamentares.” Seguir as regras do jogo, lembra, é o que faz o país ser uma democracia. Para ele, o exemplo de mandar “às favas” a legislação é muito grave em termos de exemplo para o povo, independente da classe social.

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