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Rotina do Congresso desestimula bons parlamentares

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23 de março de 2010, 8h03

Quando deputados da estatura política, ética, moral e intelectual de Fernando Coruja (PPS/SC), Ibsen Pinheiro (PMDB/RS), José Eduardo Cardozo (PT/SP) e Roberto Magalhães (DEM/PE) — considerados influentes, produtivos, respeitados e assíduos aos trabalhos do Congresso — desistem de concorrer a mandato eletivo, é porque há algo de muito errado. Os custos financeiros da campanha, os custos de imagem e os desgastes físicos e emocionais da atividade parlamentar podem estar na raiz da decisão desses parlamentares.

A primeira hipótese, de custo de campanha, pode ser um fator determinante. Estima-se que ninguém conseguirá um mandato de deputado federal sem gastar pelo menos R$ 500 mil. O parlamentar não recebe isto nos quatro anos de mandato. Logo ou é rico e pode custear sua própria campanha ou terá de pedir apoio a outras pessoas — física e/ou jurídicas — para custear sua eleição. E não existe apoio gratuito.

E olha que o parlamentar, no exercício do mandato, possui grandes vantagens em relação aos seus concorrentes sem mandato, porque dispõe de nome e número conhecidos, serviços prestados, verbas de emendas, verba de gabinete, servidores pagos pela Casa, cotas de correio e de telefone, cabos eleitorais fidelizados, financiadores de campanha, fácil acesso aos veículos de comunicação, entre outras.

A segunda hipótese, de custo de imagem, possui forte apelo negativo entre os parlamentares com vida profissional organizada porque eles deixariam sua atividade original — de assalariado, profissional liberal ou empresário — para ingressar na vida política, com toda ordem de constrangimento a que estão sujeitos em período de grandes escândalos, já que o senso comum não costuma separar o joio do trigo.

Em geral, os potenciais postulantes a mandatos são desaconselhados pela família, por amigos, por vizinhos, por colegas de trabalho e por clientes, entre outros, porque ficarão expostos aos holofotes, podendo ter de responder por comportamentos alheios. A tendência natural é transformar o erro individual no erro da instituição.

A terceira hipótese, relacionada ao modo como se desenvolvem as atividades na Câmara, também contribui para desestimular os bons parlamentares. Muitos deles se sentem inúteis por não serem recrutados para relatoria, presidência de comissões, liderança ou vice-liderança, atividades que permitem participação efetiva na formulação, no debate ou negociação do conteúdo das políticas públicas.

De fato, todo o trabalho do Congresso — Câmara e Senado — gira em torno das lideranças partidárias, que possuem a prerrogativa de indicar os relatores, escalar os vice-líderes, escolher os presidentes de comissões, bem como definir os nomes que assumirão missões relevantes em nome do partido.

Parlamentares — por mais talentosos e habilidosos que sejam — não serão designados para uma missão importante se não gozarem da simpatia do líder de seu partido. Ou seja, o critério é mais de afinidade e lealdade ao líder, ao partido ou ao governo, do que propriamente de conhecimento e capacidade para bem conduzirem a matéria.

Além da dependência dos líderes, os deputados são reféns da permissividade regimental, que possibilita à oposição, e também ao governo, obstruírem de modo até irracional o processo de deliberação, com pedido (requerimento) de retirada de pauta, de inversão de pauta e de adiamento, inicialmente por dez, depois por nove, oito, sete, seis, cinco ou duas sessões, interrompendo as deliberações por tardes, dias, semanas e até meses.

Imagine um parlamentar ficar de seis a dez horas por dia à disposição das lideranças — sem poder ler um livro, sair para lanchar, comparecer a uma audiência ou mesmo estudar matéria que esteja relatando — apenas para derrubar ou aprovar um requerimento de obstrução da oposição ou do próprio governo, para não correr o risco de ser tido como gazeteiro.

O direito de obstrução deve ser assegurado, especialmente para a minoria, mas há de se ter um mínimo de racionalidade, sob pena de desmoralização desses recursos legítimos da disputa política. Não parece racional se permitir tantos requerimentos de adiamento nem tampouco tantas pessoas poderem falar contra e a favor desses requerimentos com o nítido interesse de protelar a decisão.

A soma dessas três hipóteses é que desestimula muita gente boa e ética — e com condições de contribuir para o aperfeiçoamento das instituições — de participar do Legislativo, abrindo espaço para toda espécie de aventureiro. Felizmente, a maioria ainda é de gente decente e de bem, mas até quando?

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