Direitos coletivos

ACP pode usada para fim trabalhista

Autor

  • Claudia Brum Mothé

    é advogada especializada em Direito do Trabalho sócia e coordenadora do setor trabalhista/previdenciário do escritório Siqueira Castro Advogados no Rio de Janeiro. É mestre e professora de Direito do Trabalho.

23 de março de 2010, 18h00

Vista como uma medida, cada vez mais frequente, perante o Judiciário Trabalhista, o uso da Ação Civil Pública tem se tornado popular. Em parte, justamente, pelo fato de ser um instrumento processual constitucionalmente assegurado para a tutela judicial dos interesses ou direitos difusos e coletivos. Ou seja, nesse tipo de ação, o objeto é sempre o interesse geral, não podendo ser especificado o individual, como por exemplo, nas situações de utilização de trabalho escravo, de exigência de atestados de esterilização, de assinatura em branco de pedidos de demissão e de interesse difuso relativo aos possíveis candidatos a um concurso público.

Atualmente, a legislação existente sobre a aplicabilidade da Ação Civil Pública é ampla. Temos a Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) que definiu a Ação Civil Pública como a ação de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e aos valores culturais, o apontamento na Constituição Federal de 1988, que conferiu a Ação Civil Pública ao Ministério Público para a defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (artigo 129, III) e por último há a Lei 7.347/85, que com as alterações das Leis 8.078/90 e 8.884/94, ampliou a definição da ação civil pública como a ação de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração da ordem econômica e a qualquer outro interesse difuso e coletivo.

Mais quais podem ser as consequências de uma Ação Civil Pública? Nos provimentos judiciais emitidos em decorrência da Ação Civil Pública detém efeito erga omnes, ou seja, ela atinge a todos os indivíduos, conforme artigo 16 da Lei 7.347/85, podendo decorrer de exame liminar, com ou sem justificação prévia, na forma do artigo 12 do referido diploma legal, que não exige maiores requisitos para a concessão ou denegação, assim inserindo o exame dentro dos princípios inerentes ao poder geral de cautela conferido aos Juízes, consistindo esta, em provimento que pode determinar “o cumprimento da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou incompatível, independentemente do requerimento ao autor”, conforme artigo 11.

Entende-se que a sentença proferida no âmbito da Ação Civil Pública, inclusive daquela proposta perante a Justiça do Trabalho, poderá assumir feição condenatória, constitutiva, meramente declaratória e executiva, dependendo do provimento jurisdicional solicitado pelo autor, embora reconheçamos que, na maioria das vezes, o ato decisório tem natureza condenatória (cominatória).

A execução da sentença proferida no âmbito da Ação Civil Pública, na Justiça do Trabalho, será impulsionada de ofício pelo juiz, a requerimento da parte interessada ou ainda pelo próprio Parquet (artigo 878, caput e parágrafo 1º da Consolidação das Leis do Trabalho) e pode ser provisória, ou definitiva.

O Ministério Público é o ente melhor qualificado para promover a execução da sentença judicial de Ação Civil Pública trabalhista, em que pese o permissivo da CLT, que concede ao juiz e a parte interessada essa iniciativa. Entende-se que o MP, devido a sua independência institucional, estaria mais bem qualificado para promover a execução da Ação Civil Pública, sem temer pressões de qualquer natureza ou origem.

A característica especial que apresenta a Ação Civil Pública, decorrente da legitimidade grupal, é a de só gerar a coisa julgada se a decisão for favorável ao demandante. Trata-se da coisa julgada secundum eventum litis et in utilibus (Lei 8.078/90, artigo 103). Justifica-se tal postura legal pela possibilidade da defesa frágil do interesse coletivo pela entidade associativa, privando o interessado direto de promover a defesa de seu interesse em melhores condições.

Já o pólo passivo, em sede de Ação Civil Pública, pode ser facultativo (espontâneo) ou necessário (quando há mais de um causador do dano. Ex.: cooperativa intermediadora de mão-de-obra e o tomador de serviços).

É importante apontarmos, ainda, que na ação civil pública, o seu objeto decorre, conforme o caso, os seguintes pedidos: obrigações de fazer ou não fazer; obrigação de suportar; cominação/multa/astreintes; condenação por danos genéricos; tutelas de urgência e/ou de execução.

No âmbito de Ação Civil Pública trabalhista, são comumente pleiteadas tutelas inibitórias, que visam prevenir a ocorrência de novas condutas lesivas ao direito dos trabalhadores e tem por objeto o cumprimento de obrigações de fazer, não fazer e de suportar. São garantias mediante a cominação de multas (astreintes) a fim de coagir o réu a obedecer aos ditames da lei e da ordem judicial. A astreinte é estipulada, como regra, por dia de atraso e por trabalhador e deve ser suficientemente elevada a fim de desmotivar novas práticas ilegais.

Pode, ainda, ser requerida condenação em dinheiro nos casos de impossibilidade do cumprimento da obrigação, bem como para reparar os prejuízos genéricos já causados, como dano moral coletivo. O dano moral coletivo corresponde à lesão injusta e intolerável a interesses ou direitos titularizados pela coletividade.

No caso de eventual pagamento de multas e indenizações, poderá a sentença proferida em sede de ação civil pública, ter seus efeitos antecipados, seja pela concessão de medida cautelar na ação cautelar propriamente dita ou no bojo da ação de conhecimento (LACP, artigo 4º e 12), seja pelo deferimento da tutela antecipatória de mérito (CPC, artigo 273).

A sentença proferida no âmbito da Ação Civil Pública poderá, ainda, assumir feição condenatória, constitutiva, meramente declaratória e executiva.

Na hipótese de descumprimento do comando emergente da sentença que diga respeito à obrigação de fazer ou não fazer, poderá o juiz, independente de pedido do autor, cominar multa diária (astreintes), se esta for suficiente e compatível com a obrigação, fixando-se prazo razoável para o cumprimento do preceito (LACP, artigo 11).

A condenação ao pagamento de multas estipuladas como sanção por eventual descumprimento da ordem judicial tem efeito erga omnes, conforme disciplinam os artigos 11 e 16 da lei 7.347/85, de modo, assim, a ter o provimento judicial a eficácia no impor a prática ou a omissão de determinado ato concreto, lesivo à ordem jurídica trabalhista, no contexto de certo grupo ou coletividade, ou no contexto geral, em razão dos interesses difusos envolvidos.

Dado o caráter mandamental, a própria intimação da decisão liminar ou sentencial consubstancia-se no provimento capaz de impedir o ato nocivo independentemente do trânsito em julgado, notadamente pelo caráter meramente devolutivo dos recursos ordinários trabalhistas, sempre excetuada a possibilidade de conceder-se efeito suspensivo ao recurso para evitar dano irreparável à parte Ré (artigo 14) ou ver-se alcançada a suspensão pela concessão de segurança pelo Tribunal.

Têm legitimidade para propor Ação Civil Pública, na Justiça do Trabalho, tanto o Ministério Público do Trabalho (CF, artigo 129, III), quanto os Sindicatos (CF, artigo 129, parágrafo 1º; artigo 8º III), sendo que a Lei 7.346/85 também confere essa legitimidade aos entes públicos (artigo 5º).

Trata-se, portanto, de hipótese típica de legitimidade concorrente, em que o enfoque de atuação é, no entanto, distinto, pois, enquanto o Ministério Público do Trabalho defende a ordem jurídica protetiva do trabalhador, os Sindicatos defendem os trabalhadores protegidos pelo ordenamento jurídico-laboral.

Nesse sentido, tanto o sindicato (desde que prevista essa possibilidade em seu estatuto, nos termos do artigo 5º da Lei 7.347/85) quanto o Ministério Público do Trabalho (em face dos comandos dos artigos 7º XXX, e 37º, II, da Constituição Federal, que contemplam hipóteses de interesses difusos de natureza trabalhista), esgrimir interesses difusos através de Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho.

Entre algumas decisões judiciais sobre tema que podemos citar está a do Tribunal Superior do Trabalho, Embargos de Recurso de Revista 596.135/1999.0 (DJU de 25.10.02, p. 433), que diz: “Ação civil pública. Interesses individuais homogêneos. Ministério Público do Trabalho. Ilegitimidade. Conquanto irrefutável o cabimento da ação civil pública na Justiça do Trabalho, trata-se de instituto concebido eminentemente para a tutela de interesses coletivos e difusos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. Ao órgão do Ministério Público do Trabalho não é dado manejá-la em defesa de interesses individuais homogêneos, cuja metaindividualidade exsurge apenas na forma empregada para a defesa em juízo. Embora de origem comum, trata-se de direitos materialmente divisíveis, razão pela qual a reparação decorrente da lesão sofrida pelo titular do direito subjetivo é sempre apurável individualmente. Exegese que se extrai da análise conjunta dos arts. 129, inciso III, da Constituição da República de 1988 c/c 83 da Lei Complementar n. 75/93. Embargos (opostos pelo Ministério Público do Trabalho) de que não se conhece.”

A do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região, Recurso Ordinário 00573-2004-017-03-00-0 (AC. 7ª. T – DJMG 17.02.05. P. 14), que teve como relatora a juíza Alice Monteiro de Barros que afirma: “Ação civil pública. Reparação de dano coletivo. A diferença entre dano coletivo e dano individual é que este último acarreta lesão que atinge um direito subjetivo ou o interesse individual de alguém, enquanto no dano coletivo o prejuízo é mais disperso ou difuso, porém perceptível, pois as pessoas lesadas integram uma determinada coletividade. São exemplos destes últimos os danos que afetam o meio ambiente, os danos nucleares, os derivados de defeitos em produtos de consumo e os advindos de explosão de violência.”

A do Tribunal Superior do Trabalho da 4ª Região, Agravo de Instrumento no Recurso de Revista 1.026/1999-001-0440.8 (DJU 26.08.05, p. 878), que teve como relator o ministro Antônio José de Barros Levenhagen, que diz: “Ação civil pública. Cooperativa. O regional com base na situação fática apresentada entender ser improcedente a ação civil pública, visto que nenhum dos aspectos alegados na petição inicial autoriza condenar a reclamada a se abster de fornecer ou locar mão-de-obra, ressaltando que o acolhimento de tal pretensão somente se justificaria para elidir lesão ou ilicitude ocorrida em caso preexistente, não podendo ser prestada a jurisdição de forma condicionada a fato futuro, o qual sequer apresenta previsão de ocorrência. Agravo a que se nega provimento.”

Ou ainda a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, no Recurso Ordinário 00011-2004-811-10-00-6 (AC. 2ª. T./05 – DJU3 6.5.05, p. 21), que teve como relatora a juíza Flávia Simões Falcão, que afirma: “Ação civil pública. Trabalho análogo ao de escravo. O conjunto probatório revela que os trabalhadores que prestavam serviços ao réu não apenas não tinham CTPS assinada, mas também estavam sujeitos a condições absolutamente indignas a qualquer laborista, seja pela inexistência de equipamentos de proteção, primeiros socorros a despeito da atividade desenvolvida estar impressa de possibilidade de lesões, seja pela moradia absolutamente sem estrutura, ausência de água potável, direito à intimidade, seja, ainda, pela formação de truck sistem configurado na indução do trabalhador a se utilizar de armazéns mantidos pelos empregadores em preço, em regra, superfaturado, inviabilizando a desoneração da dívida. Nesse passo, devem ser julgados procedentes os pedidos afetos a obrigações de fazer e não-fazer, sob pena de multa diária. A indigitada situação deve ser veementemente combatida; considerar o trabalho em condições aviltantes como normal em face das circunstâncias de determinada região do País é transgredir a finalidade ontológica do Judiciário e fazer letra morta a legislação tutelar do trabalho. A dignidade da pessoa humana é um dos mais importantes pilares do Estado Democrático de Direito.”

Podemos afirmar, assim, em face do exposto, que a Ação Civil Público torna-se, perante a Justiça do Trabalho, um instrumento legal cada vez mais relevante e presente, adequado a corrigir distorções verificadas na aplicação da legislação trabalhista, tudo em busca da proteção aos direitos difusos dos trabalhadores.

Na busca à correta aplicação da legislação laboral e à proteção ao direito difuso dos trabalhadores, estão presentes questões a cada dia mais relevantes, inclusive aquelas relacionadas ao meio ambiente do trabalho.

Nessa ordem de ideias, tem-se que cabe aos empregadores, na atualidade, estarem bastante atentos àquelas questões laborais que tocam aos direitos difusos dos seus colaboradores.

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    é advogada especializada em Direito do Trabalho, sócia e coordenadora do setor trabalhista/previdenciário do escritório Siqueira Castro Advogados no Rio de Janeiro. É mestre e professora de Direito do Trabalho.

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