Bens apreendidos

Prazo para indisponibilidade é aspecto controverso

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21 de março de 2010, 8h47

O prazo para manter indisponíveis os bens de acusados ou investigados é um dos pontos mais polêmico no anteprojeto sobre as medidas cautelares para recuperar produtos obtidos ilegalmente. O texto, que será entregue ao Ministério da Justiça, prevê que o tempo máximo para a indisponibilidade será de 180 dias, durante o inquérito policial, e 360 dias no decorrer do processo, esse podendo ser renovado em cada grau de jurisdição.

No dia 15 de março, a FGV Direito Rio, responsável pelas pesquisas e pela elaboração do anteprojeto, promoveu uma audiência pública para apresentar o texto e submetê-lo a representantes de diversos setores. A questão do prazo dividiu juízes, promotores e advogados. Hoje, o prazo para as cautelares durante o inquérito é de 60 dias. O anteprojeto estende para 180, o que muitos consideram suficiente.

Já em relação ao tempo máximo durante o processo, o prazo divide os operadores de Direito. Para os juízes, sobretudo os da Justiça Federal, o prazo de 360 dias é curto. Dizem que, na prática, é impossível encerrar em um ano o processo de casos complexos, que por vezes incluem vários réus e demandam audiências para ouvir muitas testemunhas.

O prazo também é considerado insuficiente na área da cooperação internacional. O diretor adjunto do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, do Ministério da Justiça, Boni de Moraes Soares, explicou que há pedidos de cooperação para indisponibilidade de bens que estão em curso há anos. Muitos países exigem sentença condenatória transitada em julgado para tornar indisponíveis os bens no exterior.

Já os advogados entendem que o prazo de 360 dias é suficiente. Também afirmam que está de acordo com as reformas processuais recentes, que visam assegurar a duração razoável do processo e a celeridade.

O prazo maior não foi incluído no anteprojeto aleatoriamente. Os pesquisadores, coordenados pelo professor Thiago Bottino, levantaram o número de decisões dos tribunais para saber se os juízes estão respeitando os prazos para a indisponibilidade de bens. A conclusão é de que em 60% dos casos o prazo não é respeitado em primeira instância. Nos Tribunais Regionais Federais, o número de decisões em que o prazo foi maior do que o legal aumenta para quase 77%.

“No único caso examinado pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema, não se respeitou o prazo máximo fixado na lei para levantamento da medida assecuratória. A pesquisa demonstrou que, mesmo quando a lei previa prazo mais exíguo, os tribunais foram condescendentes com a inércia do próprio Judiciário e com o tempo demandado por inquéritos policiais complexos e não impunham o levantamento da medida assecuratória”, explicou Bottino.

Para o professor, é preciso um prazo razoável. “O estabelecimento de um prazo efetivamente razoável  — e que não seja extremamente exíguo — modificará essa situação e vinculará de forma mais estrita o juiz ao levantamento da indisponibilidade excedido o prazo legal.”

Pontos das medidas
A FGV convidou juízes, promotores e advogados para falar sobre o assunto na audiência pública. O desembargador Paulo Afonso Brum Vaz, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RS, SC e PR), considera “extremamente necessário” um anteprojeto que trate do assunto. Ele disse que o país está experimentando um avanço das cautelares patrimoniais.

Assim como outros participantes, Brum entende que o anteprojeto deve tratar da indisponibilidade de bens lícitos do indiciado ou acusado. O argumento é de que o produto resultante de um crime nem sempre é identificado. “Muitas vezes o dinheiro ilícito não é incorporado ao patrimônio”, disse a juíza auxiliar da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, Salise Sanchonete.

O desembargador Brum Vaz apontou o avanço em vedar o excesso à intervenção, aplicando o princípio da proporcionalidade. “É isso [excesso] que está sendo constatado na prática”, afirma, referindo-se aos casos em que juízes mandam apreender todos os bens do acusado. Ele afirmou, ainda, que não há previsão para que uma porcentagem mínima dos bens fique com o acusado ou indiciado para que ele possa se manter. Tal regra, entende, respeitaria os princípios da presunção de inocência e da dignidade humana.

O advogado Fernando Fragoso disse que é frequente nos tribunais a determinação para que todo o patrimônio dos acusados fique indisponível. Outro ponto levantado pelo criminalista é o uso de bens pela Polícia Judiciária. A dúvida é como o Estado vai pagar o valor referente ao bem que estava apreendido e que foi usado pela Polícia com a autorização do Judiciário caso o acusado não seja denunciado ou seja absolvido. “Vai pagar através de precatório?”, questionou.

Para o procurador de Justiça no Rio de Janeiro, Walberto Fernandes de Lima, o anteprojeto deve tratar do uso indevido de bens apreendidos por órgãos de segurança pública quando autorizados judicialmente a utilizá-los.

O anteprojeto sobre medidas cautelares de indisponibilidade de bens faz parte do projeto Pensando o Direito, da Secretaria de Assuntos Legislativos, do Ministério da Justiça. O objetivo é pensar e propor mudanças na lei para melhorar os mecanismos que possam garantir a recuperação de bens obtidos de modo ilegal.

O texto levou em consideração os dados das regras já previstas em lei e a maneira como tal assunto é tratado pelos tribunais. A equipe responsável pela elaboração apresentou o anteprojeto em audiência pública, que contou com a participação, entre outros, dos juízes federais Simone Schreiber e Marcelo Ennes, do procurador regional na 2ª Região Leonardo Cardoso, do juiz de Direito de Porto Alegre Sandro Luz Portal, do defensor público do Rio Denis Sampaio, do defensor público da União Eduardo Queiroz, do chefe de subunidade da Procuradoria-Geral do Banco Central Cassiomar Garcia.

Clique aqui para ler o anteprojeto.

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