Morosidade de Justiça

Lentidão não é culpa da atuação dos magistrados

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21 de março de 2010, 7h03

Estarrecem-nos as vozes, arvoradas em discursos dissimulados por uma busca do princípio da igualdade, que pretendem atribuir aos magistrados a responsabilidade pela morosidade da Justiça.

A demora na solução dos litígios postos à apreciação do Poder Judiciário é fato. Ninguém a contesta. Mas, daí a extrair-se a ilação de que a culpa é dos magistrados é conclusão falaciosa que não resiste a uma mera visita a grande maioria dos fóruns desse nosso país.

De bom alvitre seria, aliás, aludida estadia nos fóruns. Constatar-se ia que, não obstante o Poder Judiciário ser o tutor dos direitos e garantias dos cidadãos (não raros solapados por aqueles que concentram o poder econômico), seu orçamento é irrisório se comparado aos demais Poderes. Sequer é capaz de assegurar o pagamento de verbas salariais dos servidores e magistrados, frutos de uma legítima correção monetária conferidas a todos os trabalhadores pela Constituição Federal, quanto mais implantar sistemas modernizados de informática e o tão aclamado processo digital.

Também se verificaria a ausência de estrutura e condições mínimas de trabalho dos serventuários da Justiça, tão diferentes daqueles protótipos de fóruns mostrados nas novelas, os quais apenas fornecem uma equivocada mensagem subliminar de luxúrias e regalias inexistentes na realidade forense.

Seria ainda apurado que o número de processos por servidor da Justiça e por magistrados é infinitamente superior à média de outros países (inclusive daqueles utilizados por alguns críticos como paradigma a justificar a exclusão de direitos dos magistrados), bem como àquela recomendada pela Organização Mundial de Saúde. Ademais, que a produtividade dos serventuários e dos magistrados é algo classificável como hercúlea se cotejada com a média mundial.

A conseqüência inevitável de tanta dedicação é que inúmeros funcionários e magistrados adquiriram doenças de todas as ordens, sem qualquer reconhecimento, pela sociedade, dos seus sacrifícios em prol do bem comum.

Perceber-se-ia que decidir sobre o destino alheio, pronunciar quem está com a razão, quem agiu bem ou mal, exige estudo, reflexão, introspecção e diálogo com a consciência, nada disso alcançável em poucos minutos. E que, tendo sob sua jurisdição um infindável número de processos, o magistrado é levado a sacrificar preciosos momentos de prazer com familiares e amigos, abdicar-se de inúmeros projetos pessoais (dentre eles cursar uma pós-graduação, por exemplo) e de seus lazeres, tudo para se dedicar às causas que lhes foram confiadas pela população local. Nem se diga, aliás, que há inúmeros sacrificando suas férias para solucionar processos.

Não se olvide, outrossim, que a legislação processual (penal e cível) anacrônica é fator que contribui à demora da prestação jurisdicional célere, pois permite – ao advogado minimamente habilidoso – um sem números de medidas judiciais a atravancar a marcha processual. Já se fala em reforma processual, todavia, deve o legislador atentar-se que não basta apenas estipular prazos para que os processos se findem, é imprescindível fornecer recursos e instrumentos idôneos e aptos a promoverem um tramitar célere e menos burocrático do processo.

Enfim, uma miríade de causas da morosidade seria encontrada por qualquer um que, de boa-fé e com real vontade de otimizar a prestação jurisdicional, se dispusesse a conhecer os meandros do Poder Judiciário antes de deflagrar críticas infundadas contra a atuação do juiz.

Não obstante, nenhuma das causas mencionadas é escancarada à população, apenas se finca a responsabilidade pela morosidade nos magistrados.

Com a intenção deliberada de enfraquecer o Poder Judiciário, imputam-se as suas mazelas aos juízes, ocultando-se as verdadeiras causas, colocando a opinião popular em guerra com os magistrados para – depois- aniquilar os direitos e garantias dos juízes com discursos demagógicos, tal qual a atual proposta de fim de metade das férias. Como se isso resolvesse os reais e principais problemas da demora processual.

A magistratura é carreira de pessoas vocacionadas, selecionadas por processo seletivo de notório grau de dificuldade, no qual idealistas e comprometidos com o senso de Justiça logram êxito. Por consequência, nela se depositam as esperanças dos injustiçados na tutela dos seus direitos e garantias fundamentais, e que não são poucos, basta ver o crescente número de processos que o Poder Judiciário recebe a cada ano que se finda.

Tudo isso incomoda. Incomoda àqueles que, imaginando detentores do poder econômico no país estariam revestidos do poder supremo, mas acabaram defrontando com um Poder Judiciário imparcial e destemido, guiado pela consciência de cada magistrado e pelo senso de Justiça. Perturba quem, um dia, achou ter a prerrogativa de ignorar direitos e garantias fundamentais como a propriedade, confiscando-a; a liberdade de ir e vir, de imprensa, a livre manifestação do pensamento, cerceando-as; fez tabula rasa do direito à vida, integridade física e psíquica de outrem e, num ato de tirania, tentou extirpar tais direitos, mas foram obstados pela atuação firme de um magistrado. Desagrada, também, aquele que, eleito para representar o povo, desgarrou-se do compromisso, passou a atuar premido apenas por interesses pessoais ou escusos e experimentou as justas sanções aplicadas por um representante do Poder Judiciário. Por fim, e para ficar apenas com alguns exemplos, também não simpatiza àquele que, sem qualquer interesse coletivo ou justificativa, ofendeu a honra alheia, verbal, escrita, ou por meios de comunicações, e acabou por ser repreendido pela Justiça.

De se ver, portanto, que a atuação do Poder Judiciário normalmente contraria interesses daqueles que, ao arrepio do Estado Democrático de Direito, pretendem prevalecer suas vontades em detrimento dos reais interesses sociais. São eles quem mais emotivamente lutam pelo fim dos direitos e garantias dos magistrados, escudando-se na retórica de busca por igualdade e moralidade, mas ocultando as suas verdadeiras intenções de enfraquecer a magistratura e com isso eliminar a derradeira trincheira que os impedem de triunfar com seus propósitos escusos.

O futuro da nação, certamente, será sombrio se à magistratura a população não reconhecer o seu verdadeiro valor, consentindo com essa ideologia de enfraquecimento dos juízes, pois o cargo não atrairá os mais vocacionados e os preparados intelectualmente, passará a ser refúgio daqueles que não lograram êxito em outras carreiras e, descompromissados com o ideal de fazer Justiça, vieram emprestar suas incapacidades ao Poder Judiciário.

Infelizmente, o despertar tardio da sociedade ocorrerá apenas quando não mais existir um Poder imparcial, destemido e guiado apenas pela consciência e senso de Justiça a obstaculizar os desmandos e a tirania dos detratores do Estado Democrático de Direito.

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