Justiça do Trabalho

Falta debater as consequências da ganância da União

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20 de março de 2010, 6h16

Este artigo procura explorar a possibilidade de um novo debate decorrente das inúmeras alterações legislativas introduzidas na Consolidações da Lei de Trabalho, na Lei 8.212/91 e na Constituição Federal de 1988 que passaram a permitir à União arrecadar contribuições previdenciárias com maior eficiência e, sem dúvida alguma, com maior comodidade, o que tem representado, por outro lado, lamentável eternização das demandas trabalhistas para os demais jurisdicionados, conflitando com o constitucional direito das partes à razoável duração do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, da CF).

Muito já se debateu sobre as contribuições previdenciárias no processo do trabalho, a competência para sua execução (Súmula 368, I, do TST), a necessidade de discriminação das verbas em acordos (artigo 832, parágrafo 3º, CLT), as consequências do acordo sem reconhecimento de vínculo de emprego (OJ-SDI1-368 do TST), mas pouco, ou quase nada, se tem debatido sobre as nefastas consequências da ganância arrecadatória da União, verificada facilmente no dia-a-dia daqueles que atuam na Justiça do Trabalho.

Essa ganância tem se materializado mediante a interposição de recursos e impugnações padronizados, nos quais a União aborda genericamente, com os famosos recursos da informática “copiar” e “colar”, diversos aspectos da legislação e, atualmente, em sua grande maioria, cuidam de postular a consideração do fato gerador da contribuição previdenciária como sendo a data da prestação dos serviços, o que acarretaria vultosas diferenças em favor da União.

Como se sabe, o artigo 43 da Lei de 8.212/91 sofreu modificação com o advento da Lei 11.941/2009, que por sua vez representa a conversão em lei da antiga Medida Provisória 449/2008. Esta nova redação do artigo especificou como fato gerador das contribuições previdenciárias a data da prestação de serviços:

“Artigo 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.

(…)   parágrafo 2º  Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço.

Esta astuta alteração introduzida pela Lei 11.941/2009, inserida no bojo de uma norma que pretendeu trazer vantagens aos contribuintes, possibilitando o parcelamento ordinário de débitos tributários, revela-se inconstitucional.

A inconstitucionalidade material do atual parágrafo 2º do artigo 43, da Lei de 8.212/91 se mostra evidente ao definir como fato gerador da contribuição previdenciária a data da prestação de serviços, pois tal disposição vai de encontro ao artigo 195, I, “a”, da Constituição Federal:

“Artigo 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;”

O artigo 195, I, “a”, da Constituição Federal, portanto, revela que o fato gerador não pode ser a prestação de serviços, mas sim os rendimentos dela, sejam eles pagos, ou creditados.

Enquanto esta barbaridade não é definitivamente expurgada do ordenamento jurídico pelo controle concentrado de constitucionalidade (até o momento não se tem notícia do ajuizamento de nenhuma ADI sobre a matéria), o controle difuso o aprecia diariamente em milhares de recursos e impugnações ajuizados pela União, que dão sobrevida aos processos quando seus sepultamentos já tinham data marcada, com o pagamento integral da condenação pelo Réu, inclusive das contribuições previdenciárias sobre elas incidentes.

Não bastassem os juros moratórios vigentes na Justiça do Trabalho, incompatíveis com a atual estabilidade da moeda, dia após dia o empreendedor, empresário, empregador, muitas vezes Reclamado, Réu, é vítima de novas surpresas legislativas como esta, que desestimulam a formalidade, estimulam formas alternativas de prestação de serviços que mascaram relações de emprego, espantam investimentos no País, trazem insegurança jurídica, eternizam processos judiciais, oneram a administração da Justiça e a solução dos litígios.

A União, quase um intruso processual, infelizmente está legitimada a participar da lide desde as modificações introduzidas na CLT pela Lei 10.035/2000, nela atuando como um terceiro interessado, mas o fazendo sem risco, sem ônus, com a inédita prerrogativa de apresentar impugnações e recursos lotéricos, que podem lhe dar o bilhete premiado, mas no caso de impertinência de suas alegações, não paga preço algum por isso.

Será?

O artigo 791 da CLT prevê a possibilidade do jus postulandi, ou seja, os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final. Este dispositivo permitiu que até hoje prevalecesse o entendimento representado pelas Súmulas 219 e 329 do TST e OJ 305 da SDI-1, que em suma dizem que somente cabe condenação em honorários advocatícios na Justiça do Trabalho quando o empregado fizesse jus à justiça gratuita e que também estivesse assistido pelo seu sindicato da categoria.

Contudo, com a promulgação da Emenda Constitucional 45, de 2004, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, o tema voltou aos debates e o TST editou uma Instrução Normativa ( 27/2005) para regular normas e procedimentos aplicáveis ao processo do trabalho.

O artigo 5º desta Instrução Normativa estabelece que, exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência.

Nesse sentido:

“HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA – DEMANDA TRABALHISTA NÃO EMPREGATÍCIA – VERBA DEVIDA – 1 – O artigo 5º da Instrução Normativa 27/05 desta Corte, que dispõe acerca das normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho em virtude da ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional 45/04, estabelece que, exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência. 2- A matéria dos autos é daquelas insertas na nova competência da Justiça do Trabalho, estabelecida pela Emenda Constitucional 45/04, não havendo dúvida quanto à natureza Civil da Ação de Cobrança proposta pelo Sindicato, visando ao pagamento das contribuições sindicais que entende serem devidas pelo Réu. 3- Nesse passo, é inaplicável a regra trabalhista do art. 791 da CLT, sendo cabíveis os honorários advocatícios em razão da mera sucumbência, nos termos da Instrução Normativa invocada. Agravo de instrumento desprovido.” (TST – AIRR 860/2006-019-10-40.1 – 7ª T. – Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho Ministro Relator – DJe 25.04.2008)

A reflexão que se pretende colocar é exatamente sobre a exigibilidade de honorários advocatícios nesta lide secundária, formada após o pagamento da condenação ou após a sentença de liquidação, com a apresentação de impugnação ou recurso por parte da União, cujo objeto não é a relação de emprego, mas sim a cobrança de contribuições previdenciárias e a discussão dos seus critérios de cálculo.

Outrora a cobrança deste crédito se fazia por meio de execução autônoma, hipótese em que, como qualquer parte sucumbente, a União, na época ainda INSS, estava sujeita às regras usuais da sucumbência previstas no CPC (artigo 20).

Teria a cômoda posição de terceiro interessado ou prejudicado (artigo 499 do CPC), chamado ao processo do trabalho para dele participar por expressa disposição legal, alterado esta situação?

A resposta parece ser negativa. Não há razões para o sucumbente não arcar com o ônus da pretensão infundada deduzida em juízo, ainda que o faça em lide secundária, como se assemelha a discussão acerca do crédito previdenciário no processo do trabalho.

Mencione-se que o CPC prevê que o terceiro que ingressar na lide como assistente, por exemplo, sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido (artigo 52). Também na denunciação da lide, quando o réu instaura a lide secundária, admite-se que seja ele responsabilizado pelos encargos sucumbenciais.

Além disso, nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas da CLT. Se há incompatibilidade nas lides decorrentes da relação de emprego, porque nestas há o jus postulandi, a mesma incompatibilidade não se verifica quando se trata de discussão travada entre a União e a parte acerca de exigibilidade do crédito previdenciário. Tanto que a IN 27 do TST, ainda que reconhecendo a aplicabilidade do procedimento trabalhista nas ações que não dizem respeito a relação de emprego, expressamente contemplou o princípio da sucumbência nas demais controvérsias.

Nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL – DENUNCIAÇÃO DA LIDE – ENCARGOS DA SUCUMBÊNCIA – DENUNCIAÇÃO FACULTATIVA – RESPONSABILIDADE DO DENUNCIANTE – 1. Nas hipóteses de denunciação facultativa em que o réu se antecipa e instaura a lide secundária sem a solução da principal ele deverá arcar com os encargos sucumbenciais, porquanto ajuizou a ação incidental, por ato voluntário, visto que não teria nenhum prejuízo em aguardar o trânsito em julgado da lide proposta contra ele para se fosse o caso promover a ação regressiva contra o terceiro. 2. Recurso Especial improvido.” (STJ – RESP 200000441430 – (258335 SE) – 2ª T. – Rel. Min. Castro Meira – DJU 21.03.2005 – p. 00305)

Feitas estas ponderações, a princípio, me parece haver pertinência na aplicação da Instrução Normativa 27 do TST também para as discussões provocadas pelo INSS em relação à cobrança de contribuições previdenciárias, sempre que ingresse no feito trabalhista postulando direito próprio e tenha sua postulação rejeitada em Juízo. Esta interpretação, além de trazer ao Autor da pretensão os riscos inerentes ao processo, contribui para a racionalização das impugnações e recursos, atualmente apresentados sem critério algum, em modelos pré-formatados.

A sucumbência, por fim, independe de qualquer postulação da parte. Será sempre conseqüência natural da derrota processual.

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