Volume de processos

Distribuição de ações no TJ-SP causa mal-estar

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20 de março de 2010, 7h08

A distribuição de processos na 15ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, especializada em processos contra prefeitos, ultrapassou o espaço intramuros, transformou-se em debate numa sessão pública e pode acabar em representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Pelo menos foi essa a intenção manifestada pelo desembargador Amado de Faria, integrante da turma julgadora.

O magistrado demonstrou insatisfação com o volume de processos que foi despejado em seu gabinete nas duas últimas semanas e trouxe a público o caso numa sessão de julgamento. O desembargador ganhou a solidariedade de seus colegas de câmara. A discussão está em debate no Conselho Superior da Magistratura e depois passará pelo Órgão Especial.

Antes do desabafo de Amado de Faria, a 15ª Câmara já havia encaminhado requerimento ao presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Viana Santos, reclamando providências contra o modelo de distribuição de processos na Seção Criminal.

O motivo da insatisfação é uma decisão monocrática (Provimento 1/2010) baixada pelo presidente da Seção Criminal da corte paulista, desembargador Ciro Campos. O documento determina que os integrantes da 15ª Câmara Criminal receberão distribuição proporcional aos demais magistrados, relativa às matérias da competência da Seção Criminal, na razão de dois terços.

Em outras palavras: os desembargadores da 15ª Câmara, desde 1º de março, estão recebendo, além dos processos envolvendo matérias de sua competência originária e preferencial, mais dois terços de feitos que tratam de casos de furtos, tráfico de entorpecente, extorsão mediante sequestro e outras assuntos de atribuição da Seção Criminal.

Estoque dos colegas
O desembargador Amado de Faria se sentiu duplamente prejudicado. Ele ainda tem a seu desfavor uma determinação do Órgão Especial (Resolução 468/2008). Por esta regra — que trata da remoção de magistrado de segundo grau — o desembargador que é removido se desvincula do acervo que deixou. No entanto, a mesma norma diz que o desembargador removido receberá na nova câmara distribuição mensal diferenciada, até que se atinja o número de processos que acumulava na câmara de origem.

Amado de Faria tinha assento reservado na 3ª Câmara Criminal. Antes do final do ano passado, foi removido para a 15ª Câmara, para a vaga do desembargador Aloísio de Toledo César. Na sua câmara de origem deixou um acervo que na época era de 633 processos, mas encontrou na nova cadeira um acervo zerado.

A situação começou a complicar quando o desembargador teve um problema grave de saúde e foi obrigado a se afastar de suas funções. Nos dois primeiros meses deste ano a distribuição para seu gabinete foi pequena. No entanto ficou volumosa a partir de março. No dia 8, ele recebeu 72 processos, sem contar os pedidos de Habeas Corpus. Na semana seguinte, dia 15, foram despejados em seu gabinete 86 recursos, sem entrar na fatura o número de Habeas Corpus.

Nesse mesmo período, a média de processos distribuídos aos 80 desembargadores e demais juízes substitutos de segundo grau, que integram a Seção Criminal, foi de 35, sem contar pedidos de Habeas Corpus, Mandado de Segurança e Revisão Criminal.

“O quadro que se desenha é no mínimo injusto”, desabafou o desembargador Amado de Faria, durante sessão da 15ª Câmara Criminal, realizada na quinta-feira (18/3). Ele afirmou que deixou um acervo de pouco mais de 400 processos na cadeira que ocupou na 3ª Câmara e, apesar das recomendações médicas, tem se desdobrado para julgar os feitos que chegam às suas mãos.

O desembargador ainda atacou o critério adotado pelo presidente da Seção Criminal para equilibrar a distribuição de recursos. Ele não considera justo o novo modelo de distribuição e ainda entende que o mecanismo fere a atribuição originária da câmara, definida por resolução do Órgão Especial, colegiado de cúpula com atribuição administrativa e jurisdicional da corte.

Situação peculiar
Segundo ele, a 15ª Câmara Criminal foi criada com dois objetivos. O primeiro seria o de concentrar os processos que estavam difusos no tribunal. O segundo para atender uma reclamação da sociedade. “E este reclamo era de não se jogar na vala comum da prescrição os crimes praticados contra a administração e o erário públicos”, afirmou Amado de Faria.

A crítica mais dura contra a medida do presidente da Seção Criminal partiu do desembargador Pedro Gagliardi, membro originário da câmara e diretor da Escola Paulista da Magistratura. Ele classificou a regra estabelecida no provimento assinado pelo desembargador Ciro Campos como “sentimento mesquinho, subalterno e mal-intencionado”.

A 15ª Câmara Criminal foi criada pela Resolução 393/2007 do Órgão Especial. Foi instalada em outubro de 2007, na presidência do desembargador Celso Limongi. O desembargado Aloísio de Toledo César (aposentado) foi o primeiro a ocupar a presidência da câmara julgadora. Além dele, a composição original incluía os desembargadores Luiz Carlos Ribeiro dos Santos (então presidente da Seção de Direito Criminal), Walter de Almeida Guilherme (hoje presidente do TRE), Pedro Gagliardi e Roberto Mortari.

A câmara foi formada com atribuição originária (exclusiva) para julgar os processos contra prefeitos (art. 29, X da Constituição Federal) e competência recursal preferencial para crimes de responsabilidade e funcionais praticados por ex-prefeitos (Dec. Lei 201/67), crimes contra a Administração Pública (arts. 312 a 327 e 359-A a 359-H do Código Penal), crimes de abuso de autoridade (Lei 4.898/65) e crimes contra licitações públicas (Lei 8.666/93).

Hoje, de sua composição original, o colegiado só tem os desembargadores Ribeiro dos Santos e Pedro Gagliardi. O desembargador Walter Guilherme está afastado pelos próximos dois anos, por conta do cargo de presidente do TRE paulista. O desembargador Roberto Mortari pediu remoção para outra câmara criminal e sua cadeira está vaga. Para ocupar temporariamente a cadeira de Walter Guilherme foi chamado o juiz substituto de segundo grau Camilo Léllis.

Além de um integrante a menos, a câmara tem o desembargador Pedro Gagliardi que está sem distribuição de processos autorizada pelo Órgão Especial. O motivo foi sua eleição para o cargo de diretor da Escola Paulista da Magistratura. O desembargador Ribeiro dos Santos tem distribuição diferenciada (um terço), por acumular o Órgão Especial.

Outro lado
O presidente da Seção Criminal, desembargador Ciro Campos, se defende. Ele afirma que o provimento baixado segue as regras estabelecidas em duas resoluções do Órgão Especial. Para Ciro Campos, o ponto de discordância está na interpretação que se dá ao modo de equilibrar a distribuição de processos entre os julgadores da Seção Criminal.

Ciro Campos elogiou o trabalho feito pela 15ª Câmara Criminal de dar prosseguimento aos processos de crimes de prefeitos que estavam espalhados pelas demais câmaras criminais, firmando jurisprudência sobre a matéria.

No entanto, Ciro Campos defendeu o novo modelo de distribuição adotado na Presidência da Seção Criminal. “Existe um anseio no tribunal para que todos sejam tratados de modo equilibrado”, afirmou o desembargador.

Ele entendeu que não exorbitou a sua competência ao estabelecer esse novo critério de distribuição, como afirmam os desembargadores da 15ª Câmara Criminal. De acordo com Ciro Campos, o Órgão Especial definiu a competência da câmara, mandou equilibrar a distribuição, mas deixou no vazio o critério a ser adotado para essa distribuição.

“Como administrador da distribuição da Seção Criminal, da qual sou o presidente, com base nas resoluções discutidas e aprovadas pelo Órgão Especial, depois de vários debates e discussões com minha assessoria, adotei aquela que entendi ser a mais correta, que está condenada na forma de provimento”, explicou Ciro Campos.

Ele, no entanto, chegou a reconhecer que, no caso do desembargador Amado de Faria, o novo critério sobrecarregou o magistrado, diante da situação particular do desembargador. Mas acrescentou que a discussão agora está, primeiramente, com o Conselho Superior da Magistratura, que vai apreciar a reclamação da 15ª Câmara Criminal, e depois com o Órgão Especial, que dará a última palavra no âmbito estadual.

844 processos
A câmara foi instalada em outubro de 2007, com um acervo de 844 processos. “No Brasil, às vezes parece que se acirra uma espécie de competição: a de apontar aquele que mais se locupleta à custa do erário público", afirmou o desembargador Celso Limongi, que hoje atua no Superior Tribunal de Justiça, saudando a câmara especializada no julgamento de crimes de prefeitos, ex-prefeitos e funcionários públicos municipais e estaduais.

"Será que mais um século se passará sem que a sociedade compreenda a necessidade de escolher bem seus mandatários e sem que reaja, indignada, à altura, fazendo cumprir os princípios de uma social democracia? Sem perceber que a corrupção mina o Estado democrático de direito e afasta investidores estrangeiros? Sem ver que as potencialidades da nação se esvaem pelos dutos da corrupção e sem dar cumprimento ao princípio de que todos são iguais perante a lei?", perguntou Limongi no discurso de instalação da câmara.

Segundo ele, a iniciativa do Tribunal buscava evitar que os crimes contra o erário público, com prazo curto para prescrever e extinguir os processos, fossem efetivamente julgados em tempo hábil.

Leia as resoluções e o provimento:

RESOLUÇÃO Nº 393/2007

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seu ÓRGÃO ESPECIAL, no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO as modificações no Órgão Especial introduzidas por meio da Resolução nº 274/2006,

CONSIDERANDO a necessidade de criação de novas Câmaras, para preenchimento dos cargos de Desembargadores existentes,

CONSIDERANDO a conveniência de especialização das funções para julgamento dos processos crimes relativos a Prefeitos e demais matérias correlatas,

RESOLVE:

Art. 1º – É criada a 15ª Câmara Criminal com competência originária para julgamento das infrações penais atribuídas a Prefeitos Municipais (art. 29, X, da Constituição Federal) e competência recursal preferencial para crimes de responsabilidade e funcionais praticados por ex-prefeitos (Dec. Lei nº 201/67), crimes contra a Administração Pública (arts. 312 a 327 e 359-A a 359-H do Código Penal), crimes de abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65) e crimes contra licitações públicas (Lei nº 8.666/93) .

Artigo 1º com redação da pela Resuloção nº 426/2007

Art. 2º – Além da competência acima discriminada a 15ª Câmara Criminal poderá receber distribuição relativa as demais matérias de competência da Seção Criminal, de modo a equilibrar a distribuição entre as Câmaras Criminais.

Art. 3º – As vagas na 15ª Câmara Criminal serão providas por remoção interna e, após, remanescendo cargos vagos, promoção, nos termos do Regimento Interno.

Art. 4º – A 15ª Câmara Criminal formará grupo de Câmaras, para o julgamento da matéria de sua competência específica e aquela geral, nos casos previstos em Lei e no Regimento Interno, com a 13ª e 14ª Câmaras Criminais.

Art. 5º – Os inquéritos e sindicâncias relativos a competência da nova Câmara serão a ela redistribuídos quando da sua instalação.

Art. 6º – Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

São Paulo, 05 de setembro de 2007.
CELSO LUIZ LIMONGI
Presidente do Tribunal de Justiça
DJE, de 13.09.2007

RESOLUÇÃO Nº 468/2008

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seu ÓRGÃO ESPECIAL, no uso de suas atribuições legais,

CONSIDERANDO a necessidade de melhor disciplinar os pedidos de remoção de Câmara dos Desembargadores;

CONSIDERANDO que a norma vigente tem trazido, além de dúvidas de interpretação, inconvenientes de ordem funcional,

Resolve:

Art. 1º – O desembargador poderá remover-se de Câmara, inclusive por permuta e dentro da mesma Seção, e, se for o caso, receberá, na nova Câmara, distribuição mensal diferenciada, até que se atinja o número de processos do acervo que detinha na Câmara originária, sempre considerado o que assumir na nova.

Parágrafo único – Nas Câmaras Criminais, a distribuição excedente envolverá preferencialmente processos de réus soltos.

Art. 2º – Os desembargadores que vierem a ser removidos, inclusive dentro da mesma Seção, ficarão desvinculados de seus acervos nas Câmaras originárias, recebendo, entretanto, a distribuição diferenciada a que alude o art. 1º.

Art. 3º – O Órgão Especial, por motivo de interesse público, poderá indeferir pedidos de permuta ou remoção de desembargador.

Art. 4º – Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

São Paulo 24 de setembro de 2008.

ANTONIO CARLOS MUNHOZ SOARES
Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, no impedimento ocasional do Desembargador Presidente
DJE, de 01.10.2008

Leia o Provimento

PROVIMENTO N. 01/2010

O PRESIDENTE DA SEÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO o disposto no “caput” do artigo 178 do Regimento Interno, que impõe a distribuição paritária de feitos aos desembargadores,

CONSIDERANDO que o artigo 2º da Resolução n. 393/2007 do Egrégio Órgão Especial expressamente dispôs sobre a possibilidade da 15ª Câmara Criminal receber distribuição das demais matérias de competência da Seção Criminal, de modo a equilibrar a distribuição entre as Câmaras Criminais,

CONSIDERANDO ser da competência da Presidência da Seção Criminal dirigir a distribuição de feitos,

RESOLVE:

Artigo 1º – Para cumprimento do disposto no artigo 2º da Resolução n. 393/2007 do Egrégio Órgão Especial, os desembargadores integrantes da 15ª Câmara Criminal receberão distribuição proporcional relativa às demais matérias da competência da Seção Criminal, à razão de dois terços (2/3).

Artigo 2º – A somatória dos feitos distribuídos a cada integrante da 15ª Câmara Criminal não poderá ser superior à média de distribuição recebida pelos demais desembargadores da Seção Criminal.

Artigo 3º – Aos desembargadores da 15ª Câmara Criminal integrantes do Órgão Especial serão observadas as opções dispostas na Resolução n. 469/2008.

Artigo 4º – Sem prejuízo de designação diversa da Egrégia Presidência do Tribunal de Justiça, aos juízes substitutos em segundo grau, que venham a integrar a 15ª Câmara Criminal, deverão ser observadas as regras de distribuição dispostas neste Provimento.

Artigo 5º – Este Provimento entrará em vigor no dia 1º de março de 2010.

Publique-se e cumpra-se, encaminhando-se cópia ao Egrégio Conselho Superior da Magistratura e aos Eminentes Desembargadores e Juízes Substitutos em Segundo Grau integrantes da 15ª Câmara Criminal.

São Paulo, 18 de fevereiro de 2010.
Ciro Pinheiro e Campos, Presidente da Seção Criminal

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