Lista limpa

Impedimentos só a condenados em segunda instância

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  • Michel Temer

    é presidente da Câmara dos Deputados deputado federal pelo PMDB-SP advogado e professor de Direito Constitucional.

18 de março de 2010, 14h16

Câmara dos Deputados
Michel Temer - Câmara dos Deputados

Representantes da sociedade civil organizada apresentaram, ano passado, mais de 1,3 milhão de assinaturas propondo à Câmara dos Deputados a aprovação de lei para impedir que candidatos condenados judicialmente, em primeira instância, disputem eleições. Popularmente conhecido como projeto da "ficha limpa", essa proposta ganhou tramitação acelerada em minha gestão, sendo apensada a projetos que tramitam por vários anos e já estavam prontos para serem votados em Plenário.

Essa forma permitiu que fossem cortados vários estágios antes de o projeto ser apreciado pelos deputados, numa economia de tempo considerável para a tramitação da matéria. Na semana passada, o relatório inicial foi apresentado pelo deputado Índio da Costa, depois de ampla negociação com as entidades que se mobilizaram para pressionar pela sua aprovação na Casa. Também foram ouvidos especialistas em Direito.

Há que se considerar que a matéria vem ao encontro do momento pelo qual passa o mundo inteiro, onde a cobrança da chamada "accountability" exige cada vez mais que o agente público preste contas de seus atos e seja responsabilizado pelos eventuais erros cometidos. É tendência que também chegou ao Brasil nos últimos anos, com forte presença na mídia e em setores sociais mais atuantes.

O projeto, entretanto, teve sua constitucionalidade questionada por impedir a candidatura de pessoas com processos em curso, mesmo que condenadas em primeira instância. Basta lembrar que, a uma primeira condenação, é possível recurso à segunda e, depois, à terceira instância. Muitas vezes, os tribunais superiores reformam decisões de primeiro julgamento. Não é fenômeno raro. É comum que isto aconteça e que o trânsito em julgado mude a decisão inicial. E a Constituição brasileira assegura o princípio de todos são inocentes até que se prove o contrário. O argumento é forte.

Não o suficiente contudo para conter a onda de cobranças aos políticos, até porque essa onda é fortalecida pela sucessão de escândalos e denúncias veiculadas em repetida cascata pela mídia nacional. A repetição, algumas vezes das mesmas cenas de um mesmo escândalo, engolfam a todas a classe, sem distinção, sem separar os diferentes. Iguala a todos na mesma voraz vala comum. São "políticos da mesma farinha do mesmo saco".

Felizmente, há grandes diferenças. As similitudes muitas vezes estão apenas nos títulos ostentados, sem que a trajetória, história e o caráter sejam nem de perto os mesmos. É por isso que a Câmara dos Deputados decidiu enfrentar a questão, buscando entretanto criar mecanismos inibidores de possíveis injustiças gritantes.

O ditado afirma que duas cabeças pensam melhor que uma. Aplica-se o raciocínio também à Justiça. Aliás, é garantia constitucional o duplo grau de jurisdição. Ao criar instância superiores, abre-se a possibilidade de colegiados de juízes verificarem a injustiça de uma decisão monocrática. O colegiado é formado por juízes de grande vivência e saber lapidado para julgar. Por isso, a tendência da proposta do "ficha limpa" passa a limitar a candidatura de cidadãos condenados em segunda instância, por decisões colegiadas.

A Câmara dos Deputados demonstra assim estar atenta aos anseios sociais, mas também resguarda minimamente os preceitos da Constituição, de cujo texto emana a direção de toda lei apreciada e votada pelos parlamentares brasileiros.

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