Regimes possíveis

Quem casa uma dia ainda vai se separar

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13 de março de 2010, 8h53

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Casamento - Stockphoto.com

Ouvindo as juras de amor eterno ao pé do altar, ninguém de bom coração pode imaginar que o casamento não seja para sempre. Mesmo o padre e o juiz sabem que um dia a casa cai e fazem votos para que a união dure "até que a morte os separe". A menos que coisas piores (ou melhores) abreviem o idílio e levem a uma separação prematura, o que, conforme indicam as estatísticas, acontece cada vez com mais frequencia. Então, antes de dizer sim, é bom que todo mundo se prepare para o grave momento de dizer não. Juridicamente, aí é onde mora o perigo.

“Um casamento é um contrato e pode não dar certo”, afirma Antonio Carlos Donini, autor do livro Meu Bem, Meus Bens. Segundo o advogado, hoje em dia não faz diferença para a sociedade se a pessoa é solteira, casada ou divorciada. Como as relações são baseadas no afeto, se esse sentimento acaba não há motivo para manter o casamento. As estatísticas confirmam essa tendência.

Os últimos dados do IBGE, referentes a 2007, informam que para cada quatro casamentos, ocorre uma separação. Foram 916 mil casamentos e 231 mil separações. Já os dados de de 2008,  apontaram crescimento de 25% nos atos de separações e 34% nos atos de divórcios consensuais. O levantamento foi feito para medir os efeitos da Lei 11.441/07, que permite a partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Antes só era possível dizer adeus ao par através da via judicial.

Quando se pensa em relacionamento estável, o primeiro princípio levantado pelo advogado é que são os fatos, e não o papel,  que vão dizer se existe uma relação entre os pares do casal. O contrato firmado, de qualquer forma, serve para definir o regime de bens e marcar, oficialmente, a data de início da relação.

Quem decide dividir a mesma casa, sem documentar o fato, assume uma união estável e estará automaticamente sob o regime de comunhão parcial de bens. Em caso de separação cada parceiro só vai partilhar os bens comuns, que forem adquiridos no período “dessa sociedade”. A chamada união estável, segundo a advogada Marcia Carraro Trevisioli, é uma relação afetiva, existente entre duas pessoas de sexos distintos, que desejem constituir família “e que não tenham qualquer impedimento para realizar o casamento, se assim o desejarem”.

Quem optar pela união estável pode fechar um contrato para definir o regime de bens, se haverá pensão alimentícia, incluir cláusulas de descumprimento e tudo o mais que quiser. “Não tem um padrão para ser feito. É um indício de prova do relacionamento e da escolha do regime”. O Brasil, só permite incluir no contrato matrimonial temas de ordem patrimonial. Outros países, como os Estados Unidos, preveem maior abertura para as cláusulas. O advogado lembra casos famosos como o do ator Charlie Sheen, famoso por suas traições. A mulher decidiu incluir no contrato a multa de US$ 3 milhões em caso de traição. 

Uma diferença importante neste caso é em relação à herança. O cônjuge sobrevivente tem direito ao que foi adquirido de forma onerosa, com esforço comum, o que inclui ajuda financeira e outras formas de apoio, como quando um dos dois decide cuidar dos filhos para que o outro conquiste um bem comum. O restante, o que constitui a herança propriamente dita, vai em primeiro lugar para os filhos; não havendo filhos, a herança fica para os pais do finado e, por último, para o conjuge sobrevivente.

A diferença do casamento é que ele cria um parentesco civil, legal, conforme explica o professor e advogado Nelson Sussumo Shikicima. Em inseminação artificial, por exemplo, a mãe é um parente natural, mas o pai é um parente civil. Sogro e sogra também surgem com o parentesco civil. “Não existe ex-sogro ou ex-sogra, eles são para sempre. Você jamais poderia casar com seu sogro, por exemplo, porque ele será sempre seu parente”, brinca Shikicima.

O casamento e suas opções
No casamento, a relação é tão forte que o compromisso já se inicia com o noivado. “Noivado é uma promessa de casamento. A desistência pode provocar dano moral, mesmo antes da distribuição dos convites”, explica o professor. Dependendo da escolha do regime de bens do casal, é necessário também registrar um pacto nupcial. Trata-se de um contrato feito antes do casamento por escritura pública. Nele, é possível estipular algumas cláusulas em relação aos bens do casal. “Pessoas ricas, milionárias, por exemplo, podem estabelecer que quanto mais tempo durar o casamento, maior será a indenização em caso de separação”, explica. No exterior, há multa por débito conjugal (quando não se consuma a conjunção carnal do casal), por exemplo, mas no Brasil a prática só serve para bens.

No Brasil, precisam optar pelo pacto nupcial os casais que não quiserem adotar a comunhão parcial de bens. O documento deve conter as formas e disposições de administração de bens e sua partilha. É possível incluir outras disposições, mas a intenção do pacto é resolver os aspectos patrimoniais. “Em caso de união estável, costumamos sugerir o pacto de convivência. Neste caso, este documento estabelece em que termos se dará esta relação, principalmente no que di respeito aos aspectos patrimoniais”, explica Marcia.


Contratos de casamento

► Comunhão parcial de bens – A comunhão parcial de bens é o regime padrão, desde 1977, quando foi aprovada a Lei do Divórcio. Nesse regime, em caso de separação, são divididos os bens comiuns, aqueles  conquistados com esforço do casal, ou seja, adquiridos onerosamente. O que foi doado, não entra. Se o casal investiu em uma poupança, por exemplo, são incluídos até os juros rendidos durante o relacionamento.

Em caso de herança, o cônjuge vivo, que já tem direito à meação dos bens comuns, também divide os bens particulares do cônjuge morto com os demais herdeiros, que podem ser os filhos do casal, ou na falta desses, os pais do finado.

► Separação de bens obrigatória – Esse regime é adotada quando o casamento ocorre por força judicial, por se encaixar nas causas de efeito suspensivo. São casos como noivos que ainda não atingiram a idade legal para o casamento — mínimo de 18 ou máximo de 60 anos —, ou viúvos que tiverem filhos em outro casamento. Após o término da partilha pelo inventário, é possível alterar o regime de bens.

► Separação total de bens – Nesse caso, o patrimônio do casal não se comunica, ou seja, cada um é dono de sua parte, sem qualquer divisão de bens.  

► Comunhão Universal de bens – Neste caso, o casal divide tudo, não importa o que foi adquirido antes ou depois do casamento. Isso vale para bens adquiridos e também dívidas. No caso de herança, o sobrevivente, que pela meação tem direito a metade de todos os bens do casal, ainda divide a outra metade com os demais herdeiros.

Participação Final dos Aquestos (bens) – É pouco utilizado por ser um misto entre a comunhão parcial e a separação de bens. É como se o casal tivesse que manter uma contabilidade constante do que foi adquirido e gasto, colhendo recibos, nota fiscais, que comprovem o que pertence a cada um, em caso de separação. Nestes casos, vale mais a pena optar pela separação de bens.


Mudança de regime durante o casamento – É possível também mudar o regime de bens adotado durante o casamento. O pedido deve ser feito via judicial, de forma consensual entre o casal e ainda deve ser justificado.


Quem é culpado, perde tudo?
A principal dúvida que surge em momentos de conflito é a questão da culpa, segundo Donini. Ele lembra que a separação não precisa ocorrer somente em casos de descumprimento conjugal. “Um casal pode pedir o divórcio baseado no fato de que, simplesmente, não há mais amor”.

Segundo o especialista, em caso de traição, não importa quem foi infiel, os direitos são iguais para os dois parcdeiros, não havendo prejuizo para nenhuma das partes em termos patrimoniais ou no que se refere à guarda dos filhos.  “A mulher para ter direito a pensão, por exemplo, tem que provar que não tem mais espaço no mercado de trabalho. Uma mulher com menos de 36 anos dificilmente consegue pensão alimentícia”, explica o advogado.


Guarda dos filhos
O regime de guarda dos filhos via de regra é estabelecido entre as partes, mas a lei determina que a guarda deva permanecer com aquele que detém melhores condições para mantê-los. A escolha do regime de bens não interfere na guarda. “As condições de que falamos não são meramente financeiras, mas emocionais, sociológicas, dentre outras”, explica Marcia. Quando não há diferenças fortes entre o casal, é possível também a determinação da guarda compartilhada, em que pai e mãe têm direito de participar das decisões referentes à vida dos filhos. Nesse caso, as crianças moram com uns dos genitores, mas o outro tem livre direito de visitá-lo.


Pensão
O pagamento de pensão é definido pela necessidade de quem pede e a possibilidade de quem paga. “O dever de alimentos decorre do dever de mútua assistência, e para pleiteá-lo, deve ficar claro que aquele que alega a necessidade não tem meios para se manter com os próprios proventos”, informa a especialista.


Sucessão empresarial
Se o casal escolheu a comunhão universal ou a separação total de bens, eles ficam impedidos de serem sócios, já que nesses tipo de regime, o objetivo é proteger o patrimônio familiar e os bens do sócio acabam se confundindo com os bens da sociedade. As relações societárias não se confundem com a relação conjugal, devendo ser tratadas em órbitas diferentes. “Quando se pensa na hipótese de dissolução da sociedade conjugal, é possível determinar com quem ficariam as cotas mediante compensação financeira, mas isso poderá ser contestado ou requerido, independente de estar no contrato.”


Testamento
O testamento pode ser feito a qualquer tempo, da maneira que se desejar. A lei apenas dá alguns limites, como por exemplo, ceder o bem mais valioso para apenas um dos filhos. “O testamento encerra muitos problemas no momento da sucessão, podendo proteger aquele mais fraco ou proteger fortunas de um eventual golpe do baú”, conta Marcia Trevisioli.

Sobrenome
Antes de 1977, ao casar, a mulher era obrigada a incorporar o sobrenome do marido ao seu proóprio nome. Depois da lei do divórcio essa prática se tornou facultativa. 

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