Portas fechadas

Ministro garante conversa entre Arruda e advogado

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11 de março de 2010, 21h21

OAB
Paulo Barreto e Ophir Cavalcante - OAB

A partir desta sexta-feira (12/3) o advogado Nélio Machado, responsável pela defesa do governador licenciado do Distrito Federal, José Roberto Arruda, terá um local pré-determinado dentro das instalações da Polícia Federal onde poderá conversar de forma reservada e sigilosa com o seu cliente. (Na foto, Luiz Paulo Barreto e Ophir Cavalcante)

A garantia foi dada pelo ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, durante contato telefônico com o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante. O advogado entregou representação, nesta quinta-feira (10/3), à OAB contra o delegado Marcos Ferreira dos Santos, da Polícia Federal, por abuso de poder e por violar a lei federal que garante aos advogados o direito de conversar pessoal e reservadamente com seu cliente na prisão.

Ophir Cavalcante determinou o envio de ofício aos presidentes do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, do Superior Tribunal de Justiça, ministro Asfor Rocha, ao ministro do STJ, Fernando Gonçalves, relator do processo envolvendo Arruda, ao procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, e ao ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto.

Nélio Machado, na representação, apontou diversos procedimentos ilegais perpetrados pelo delegado Marcos Santos. Segundo ele, o mais grave foi a proibição de que o advogado converse com seu cliente reservadamente, como determina o artigo 7º, III, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

O advogado afirma que, por determinação do delegado, as portas da sala em que Arruda se encontra na PF têm sido mantidas abertas nos encontros entre ele e o governador, o que possibilita vazamento do teor de suas conversas. As reuniões também só se dão na presença de policiais e tem sido estabelecido limite de tempo em minutos para os diálogos.

Nesta quinta, de acordo com relato do advogado, o delegado entrou na sala na PF no momento em que ele e Arruda conversavam e disse: vocês não vão falar com a porta fechada.

Ao garantir as conversar sigilosas entre o advogado e o governador, o ministro da Justiça lamentou o incidente e afirmou que a Polícia Federal não vai desrespeitar o direito do advogado de entrevistar o seu cliente reservadamente na prisão. Com informações da Assessoria de Imprensa do Conselho Federal da OAB.

[Foto: OAB]

Leia a representação apresentada à OAB

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

Os advogados signatários, NELIO ROBERTO SEIDL MACHADO e CRISTIANO AVILA MARONNA, pela presente e com amparo na Constituição da República Federativa do Brasil e no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906, de 4.7.1994), em caráter de urgência urgentíssima, batem à porta desta gloriosa instituição, para o efeito de fazer valer, sem qualquer transigência, preceitos da Lei Maior e particularmente do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, que vem sendo desrespeitados, de maneira frontal, pelo Departamento de Polícia Federal, mais precisamente na Superintendência da Capital Federal, em virtude de conduta adotada pelo Delegado Marcos Ferreira dos Santos, como se passa a expor.

A Constituição Federal, no art. 5º, arrola, dentre os direitos e garantias fundamentais, como cláusulas pétreas, a ampla defesa, o contraditório, a efetiva assistência de advogado, tema indispensável como pressuposto de respeitabilidade de qualquer ordenamento jurídico que se preze, pois o cerceamento ao defensor é próprio dos estados totalitários, onde não há lugar para a liberdade, e onde não há lugar para a liberdade não há espaço para o exercício pleno dos direitos e deveres da advocacia e muito menos para a realização de justiça.

Não se concebe linchamento, práticas medievais, como se o encarceramento de alguém pudesse representar a supressão de sua dignidade e o solapamento de suas garantias fundamentais.

No caso, a situação concreta que motiva o candente protesto dos advogados signatários resulta da norma constante do art. 7º da Lei nº 8.906/94, cujo inciso III, textualmente, de forma imperativa, taxativa e mandamental, determina, verbis:

"São direitos do advogado: comunicar-se com os seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos, ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis".

Desde o dia 11 de fevereiro, ou seja, há um mês, por determinação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, restou decretada a prisão preventiva do Governador José Roberto Arruda, que foi ter, espontaneamente, à sede da Superintendência da Polícia Federal no Distrito federal, onde compareceu de pronto, diante da notícia de que fora decretada a medida constritiva, sem que, naturalmente, tenha abdicado de exercitar, através de seus advogados, o direito de sustentar a não razoabilidade da medida, que acabou por ser prestigiada pelo Plenário do STF em recente julgamento, cujo acórdão pende de publicação.

É da essência da prisão preventiva a demonstração de sua necessidade, nada obstando que seja ela superada, a teor do art. 316 do CPP, matéria que será oportunamente versada perante a justiça, anotação que se faz à guisa de se positivar que a despeito da decisão tomada pela mais Alta Corte de Justiça do país, a defesa não se quedará inerte, lutando a partir das regras constitucionais, como a que diz respeito ao devido processo legal e à presunção de não culpabilidade, por tudo quanto se tem que garantir a qualquer do povo. A circunstância de ser Governador, eleito pelo povo, não estabelece uma desigualdade em desfavor do investigado, eis que para ele reclama-se tão-somente o que a todos se concede, afastando-se supostas razões de clamor público que tem levado na história através dos tempos, aos maiores descalabros, às maiores violências, e até mesmo a irreparáveis erros judiciários.

A questão que se põe no campo da Constituição Federal e do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil não tem a ver com os reclamos da alegada e sustentada desnecessidade da custódia do Governador José Roberto Arruda. Tem a ver, isto sim, diretamente, com os direitos de qualquer investigado, e em especial, com os direitos do advogado, os quais tem a prerrogativa inalienável, inegociável, invencível e inarredável, de avistar-se com os seus clientes, pessoal e reservadamente, até mesmo quando incomunicáveis.

Até mesmo na disciplina da Lei 4215/63, antigo estatuto do Advogado, tinha-se preceito semelhante como outros tantos que dizem da nobreza do ofício e da intransigibilidade com as prerrogativas profissionais que não pertencem propriamente ao advogado, e sim foram estabelecidas em favor dos jurisdicionados, os quais tem nos defensores o escudo contra qualquer ilegalidade ou abuso de poder, práticas nefastas que são corriqueiras nos estados que desprezam a democracia e que mesmo nestas, vez por outra, ocorrem, exigindo, mais do que nunca, a pronta reação da OAB, que nunca faltou em tais embates, haja vista a postura adotada historicamente, nos períodos de trevas, desde o Estado Novo, quando nomeou Sobral Pinto, o grande exemplo da advocacia brasileira, pelo que simboliza de intrepidez e coragem pessoal para proceder à defesa de Luis Carlos Prestes em favor de quem, ao lado de Berger, solicitou, diante das afrontas ao direito, se lhes aplicasse., em face do que passavam, a Lei de Proteção aos Animais.

Ninguém desconhece o enxovalhamento que vem se desenvolvendo em desfavor do cliente José Roberto Arruda, representado pelos peticionários, advogados que a casa conhece, não de hoje, pela postura que procuram seguir na mesma linha de mestre Sobral Pinto e de tantos outros que poderiam ser citados, como Evaristo de Moraes, Evandro Lins e Silva, Heleno Cláudio Fragoso, todos a dignificar a trajetória vertical de nossa instituição.

O ponto nodal desta representação, com o fito de conclamar nossa instituição de classe a se colocar ao lado da Constituição, das leis e sobretudo de seu próprio estatuto, já mencionado linhas atrás, diz respeito à circunstância de que não se tem permitido, pasme-se, desde a prisão do Governador José Roberto Arruda, que este tenha aquilo que o próprio golpe militar, exacerbado sobretudo após o AI 5, de 13.12.1968, garantiu, de ordinário, aos advogados, vale dizer, contato pessoal e reservado com os seus constituintes.

Não será agora, que a Polícia Federal, através de um delegado, pois não se crê que seja uma ordem superior, irá violar a lei em retrocesso inadmissível e incomportável no Estado Democrático de Direito.

A defesa do Governador José Roberto Arruda não voltará às dependências da Polícia Federal enquanto a ela não se assegurar o que o art. 7, inciso III da Lei 8.906/94 determina taxativamente como corolário e extensão minudente das garantias primordiais assentadas na CF.

Solicita-se pois à douta presidência que tome as providencias enérgicas e cabíveis com a maior imediatidade, diante da afronta que não atinge apenas os signatários, senão o direito de defesa e os princípios de uma ordem jurídica oxigenada e que não tolera desvãos ou porões de ditadura

Brasília, 11 de março de 2010.

Nelio Roberto Seidl Machado
OAB/RJ nº 23.532

Cristiano Avila Maronna
OAB/SP nº 122.486

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