Relativização das convenções

Contrato também tem função social

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11 de março de 2010, 6h00

Para o ilustre jurista Miguel Reale o contrato nasce de uma ambivalência, de uma correlação essencial entre o valor do indivíduo e o valor da coletividade. Em o projeto do Código Civil, Editora Saraiva,, São Paulo, 1986, página 10, preceitua:

"O contrato é um elo que, de um lado, põe o valor do indivíduo como aquele que o cria, mas, de outro lado, estabelece a sociedade como o lugar onde o contrato vai ser executado e onde vai receber uma razão de equilíbrio e medida".

Nota-se que a concepção de contrato no novo Código Civil é socializante. O artigo 421 do Código Civil expressa claramente essa idéia. O contrato tem, primordialmente, função social.

Dessa forma, o princípio liberal clássico da autonomia privada, imediatamente revelado através da liberdade de contratar, somente encontra ambiência no contexto da nova codificação civil, quando cumprir a função social que lhe é inerente e indeclinável, em estreita correspondência com os outros princípios sociais do contrato, quais sejam: o da boa fé e o da equivalência material.

Esta linha vislumbra que os princípios contratuais clássicos, imbuídos das características cernes ao Estado liberal, colidem com os princípios sociais do contrato escolhidos para edificarem a nova ordem jurídica codificada.

Inobstante, o Código Civil atual não desconheceu os princípios contratuais clássicos, apenas dimensionou as características absolutistas e as limitações negativas do Estado liberal, relativizando-os e dotando seus conteúdos de limitações positivas compatíveis com os interesses sociais.

A função social do contrato, prevista no artigo acima citado, constitui cláusula geral, a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito. Constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas. E, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

É conseqüência do entendimento acima que todo contrato deve ter implícito uma cláusula de boa fé objetiva. Essa cláusula tem o condão ético de impor as partes o respeito e a lealdade recíprocos.

O princípio da relatividade dos contratos – res inter alios acta neque prodest – funda-se na idéia de que os efeitos do contrato se produzem apenas em relação às partes, isto é, àqueles que manifestam a sua vontade, não afetando terceiros, estranhos ao negócio jurídico.

Todavia, o referido princípio nunca se fez absoluto, comportando exceções expressas em lei, das quais são exemplos: a estipulação em favor de terceiro, as convenções coletivas e fideicomisso constituído por ato inter vivos. Nestes casos, o terceiro possui a prerrogativa de executar o contrato.

A regra geral, segundo o Código Civil de 1.916, é de que os contratos só atingem as partes que dele participaram. Deste modo, deve-se atentar como parte contratual “aquele que estipulou diretamente o contrato, esteja ligado ao vínculo negocial emergente e seja destinatário de seus efeitos finais”.

O Código Civil atual absorve a tendência moderna contratual de ampliar a tutela legal, mesmo àqueles que não participaram da relação jurídica, como se depreende das relações de consumo. Deixa entrever que os contratos não podem colidir com os interesses sociais. Assim, o contrato abandona em definitivo o legado de exercer uma função exclusivamente individual e condiciona-se ao exercício de uma função social. A repercussão do contrato não se encontra mais adstrita às partes e sim à sociedade como um todo.

A propósito, a percuciente análise do eminente professor, Antônio Junqueira de Azevedo, in Revista de Eventos – 1998, página 26:

“Aceita a idéia de valor social do contrato, dela evidentemente não se vai tirar a ilação de que, agora, os terceiros são partes no contrato, mas, por outro lado, torna-se evidente que os terceiros não podem se comportar como se o contrato não existisse.”

Deste estudo extrai-se que, a existência do contrato se impõe à coletividade, para poder ser invocada contra terceiros ou oposta por terceiros às partes contratantes, quando sejam por ele prejudicados.

Desta feita, em razão de ser considerado o negócio jurídico como fato social, a responsabilidade do terceiro que viola as disposições contratuais é aquiliana, podendo responder conforme o caso, por ato ilícito (artigo 186 do Código Civil), bem como as conseqüências jurídicas decorrentes deste ato.

Pelo exposto, a relativilização do princípio da relatividade das convenções se subsume ao princípio da função social dos contratos, bem como da boa-fé objetiva, e deve ser atuado tanto em relação às partes contratantes, quanto a terceiros e a coletividade de um modo geral, sendo que os contratos podem ser avocados contra terceiro, quando haja violação às cláusulas contratuais, ou por terceiro quando lhe restar dano oriundo de negócio jurídico.

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