Recursos financeiros

PL dará anistia fiscal a depósitos não declarados

Autor

  • Alex Leon Ades

    é advogado e sócio do escritório Ades e Aronis Advogados Associados especialista em Direito Empresarial Direito Processual Penal e membro da Comissão de Defesa da Advocacia – Núcleo Criminal – OAB/SP

6 de março de 2010, 7h43

Recentemente, a Itália concluiu sua terceira iniciativa de anistia fiscal, a qual possibilitou o reingresso de cerca 95 bilhões de euros ao país (o equivalente a cerca de 6% do Produto Interno Bruto), mediante o pagamento de 5% pelo contribuinte, para a regularização dos recursos financeiros exportados e mantidos ilegalmente em paraísos fiscais.

A medida também deu certo na Alemanha e na Argentina. Nestes países já existe legislação que prevê anistia penal e fiscal para quem repatriar o dinheiro remetido ilegalmente ao exterior. Um projeto de lei do deputado federal José Mentor pretende fazer o mesmo no Brasil. Por 16 votos a favor e 4 contra, já foi aprovado na Comissão de Finanças da Casa, principal etapa de análise de mérito na tramitação. Segue agora para outra comissão, a de Constituição e Justiça, mas um recurso de Mentor foi apresentado para pular essa etapa e ir direto ao plenário, antes de ir ao Senado. Já a área econômica e o Ministério da Justiça ainda têm dúvidas sobre o mérito do projeto e não se posicionaram claramente sobre sua aprovação.

O mesmo sinal foi dado a um projeto semelhante, do senador Delcídio do Amaral (PT-MS). Após passar pela Comissão de Relações Exteriores, o projeto chegou à Comissão de Assuntos Econômicos e deve ser votado em breve. O projeto de Delcídio é terminativo na comissão – ou seja, a menos que haja um recurso, segue direto para a Câmara sem passar pelo plenário do Senado.

Para o professor Direito Luiz Flávio Gomes, “o projeto de lei significa que o dinheiro voltará a circular no país, o que gera emprego e estabilidade monetária cambial”, que considera a proposta constitucional, utilitária, e perfeitamente possível. “Todo mundo já fica impune mesmo, não tem sentido achar que o Direito Penal vai resolver o problema da impunidade. É o Estado abrindo mão da punição para ter o dinheiro de volta”.

Enquanto não for aprovado projeto que regule eventual anistia, é certo que a manutenção de depósitos não declarados no exterior constitui Crime previsto na Lei 7.492/86, criada com a finalidade de proteger o Sistema Financeiro Nacional e que passou a ser chamada de Lei do Colarinho Branco. Referida conduta, prevista em seu artigo 22, parágrafo único (parte final), cujo tipo objetivo caracteriza-se, segundo José Carlos Tortima e Rodolfo Tigre Maia, como crime de mera conduta, permanente e de caráter habitual, tem a seguinte redação:

“Artigo 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente”.

Os crimes de mera conduta são aqueles em que a lei não exige um resultado naturalístico para a existência do delito sendo suficiente a prova da ação ou omissão do agente. Manter depósito no exterior sem informar a autoridade federal competente é um crime omissivo e que não exige qualquer resultado naturalístico, bastando a omissão correspondente a não informação (resultado jurídico).

Crime permanente existe quando a consumação se prolonga no tempo, dependente da ação ou omissão do sujeito ativo. A principal característica do crime permanente é de que o agente, quando pretender, poderá fazer desaparecer os efeitos do crime, diferentemente dos casos de crime instantâneo com efeitos permanentes.

A obrigatoriedade da declaração de capitais brasileiros no exterior já estava prevista desde 1969, no artigo 1º do Decreto-Lei 1060, de 21/10/1969:

"Artigo 1º Sem prejuízo das obrigações previstas na legislação do imposto de renda as pessoas físicas ou jurídicas ficam obrigadas, na forma, limites e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, a declarar ao Banco Central do Brasil, os bens e valores que possuírem no exterior, podendo ser exigida a justificação dos recursos empregados na sua aquisição.

Parágrafo único – A declaração deverá ser atualizada sempre que houver aumento ou diminuição dos bens, dinheiros ou valores, com a justificação do acréscimo ou da redução".

A situação vigente até a promulgação da MP 2.224/2001, Resolução CMN 2.911/2001 e Circular Bacen 3.071/2001 era estabelecida e regulamentada pela Resolução 139/1970 do Conselho Monetário Nacional, que determinava que o recebimento e controle das declarações de bens e valores no exterior detido por pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País seriam executados pelo Ministério da Fazenda.

Em 31 de julho de 1981, foi editado pela Secretaria da Receita Federal — Ministério da Fazenda, o Ato Declaratório 7, que dispunha que as exigências previstas no DL 1.060/69 e na Resolução CMN 139/70 poderiam ser supridas pela declaração anual de bens e direitos no exterior, entregue para fins de Declaração de Imposto de Renda. Ou seja, uma vez contidos na Declaração de Imposto de Renda os bens e direitos detidos no exterior, estaria dispensada a declaração adicional ao Bacen pelo detentor desse patrimônio.

Com a edição da Medida Provisória 2.224/01, combinada com o Decreto-lei 1.060/69, o Conselho Monetário Nacional, através da Resolução CMN 2.911, de 23/11/2001, autorizou o Banco Central do Brasil a fixar a forma, os limites e as condições de declaração de bens e valores detidos no exterior, definindo critérios para aplicação de penalidades pela não prestação de informações.

Assim, a Circular do Bacen 3.071, de 7 de dezembro de 2001, pela primeira vez, disciplinou a forma, limites e condições de declaração de bens e de valores (iguais ou superiores a US$ 100 mil) detidos no exterior por pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede do país ao Bacen.

Depreende-se, portanto, que o simples fato de manter depósitos no exterior não é crime. O depósito mantido no exterior só é penalmente relevante quando não for devidamente informado ao Banco Central, em valores iguais ou superiores ao equivalente a US$ 100 mil (Circulares Bacen 3.225/2004, 3.278/2005, 3.313/2006, 3345/2007, 3384/2008 e 3442/2009). Referida regulamentação, conforme acima exposto, sobreveio apenas no ano de 2001, com a edição da Circular  3.071/2001 do Banco Central (autorizada pela Resolução 2.911/2001, do Conselho Monetário Nacional).

Ou seja, o Banco Central passou a ser o destinatário exclusivo da declaração exigida pelo artigo 22, parágrafo único, in fine, o que está em consonância com a natureza do bem jurídico penalmente protegido, qual seja, a regular execução da política cambial. A proteção sobre o aspecto fiscal, na esfera penal, é dada, em especial, pela Lei 8.137/90, nos seus artigos 1º e 2º, ao tratar sobre os crimes contra a ordem tributária, não havendo se confundir a tutela prestada por esta Lei (natureza eminentemente fiscal) com a proteção conferida pela Lei 7.492/86 (natureza cambiária).

Vale ressaltar, que os tribunais pátrios têm-se posicionado no mesmo diapasão, merecendo destaque o inteligente e atual julgado proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, relatado pelo desembargador Federal Luís Paulo Cotrim Guimarães, onde este esclarece com maestria a questão debatida, ao expor que “… Resta claro que a repartição federal competente mencionada na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro à qual deveriam ser declarados os depósitos é o Banco Central, nos moldes do seu artigo 22, eis que, apenas se se tratasse de crimes contra a ordem tributária, o dispositivo aplicável seria o da Lei 8.137/90, e o órgão competente, então, seria a Secretaria da Receita Federal…”

Contudo, entendemos que, o fato de o agente prestar a informação referida a outro órgão público, demonstra claramente, não ter havido o dolo de lesar o Sistema Financeiro Nacional ou a Ordem Tributária. Existe sim um erro no tocante a execução da obrigação legal. Sendo assim, prestada a informação de que trata o artigo 22, parágrafo único, mesmo que para repartição administrativa não competente, forçoso reconhecer que a intenção do agente não foi, em nenhum momento, lesar o bem jurídico Ordem Tributária, sequer o Sistema Financeiro Nacional.

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