Fiscal da lei

Em julgamento de HC, último a falar é sempre o MP

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5 de março de 2010, 11h31

O advogado Nélio Machado, que defende o governador licenciado do Distrito Federal, José Roberto Arruda, surpreendeu os ministros do Supremo Tribunal Federal com uma questão preliminar inusitada. Antes de iniciar sua sustentação oral no julgamento do HC 102.732, o advogado arguiu a condição de custus legis (fiscal da lei) do Ministério Público, uma vez que foi o próprio MP que ofereceu a denúncia, sendo, portanto, parte na ação e por isso deveria falar antes da defesa.  Os ministros analisaram a questão e por maioria decidiram que o MP sempre falará por último.

O relator do Habeas Corpus, ministro Marco Aurélio, reconheceu que o STF estava diante de uma situação peculiar e admitiu a possibilidade do advogado falar depois do Ministério Público. O ministro explicou que o requerimento da prisão preventiva foi assinado por uma procuradora da República e também pelo procurador-geral da República.

“O HC é um instrumental direcionado à liberdade de ir e vir do cidadão. Então, considerando esse aspecto e também a premissa de que em ação penal a defesa fala por último, devendo falar em primeiro lugar a acusação, penso que devemos inverter a ordem de manifestações”, disse Marco Aurélio. Entretanto, o ministro questionou em que condição o procurador-geral da República falaria se estivesse presente ao julgamento. E esclareceu que não estaria admitindo uma parte antagônica no HC. “A relação processual se mostra tendo em vista a figura do paciente e o órgão apontado como coator, mas para viabilizar à exaustão o direito de defesa, para as peculiaridades do caso, é aconselhável ouvir primeiro o MP”. 

A vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, recusou-se a participar do julgamento somente como parte do HC e defendeu a condição de custus legis do Ministério Público com base no princípio de indivisibilidade do MP. Ela se mostrou preocupada com o precedente, que colocaria o MP na condição de sempre falar primeiro em sede de HC. “Estou aqui exatamente por causa do impedimento do procurador-geral da República, que subscreveu a denúncia”, disse Deborah Duprat. Argumentou que o HC foi impetrado pelo governador como um recurso e que nesse tipo de julgamento “é sempre dado ao recorrido a oportunidade de saber as razões do recorrente para permitir que a acusação e a defesa debatam em igualdade de condições”.

A questão foi decidida por meio de votação dos ministros. Dias Toffoli acompanhou o relator e ambos ficaram vencidos. Ricardo Lewandowski disse que a inversão na ordem de sustentação oral abriria “um precedente perigoso”, pois assim “seria necessário saber em cada caso se já houve apresentação da denúncia. “Isso dificultaria muito o nosso trabalho”, disse. O ministro Ayres Britto disse que o MP atua hoje como custus jures, porque tem o dever constitucional de defender toda a ordem jurídica, e assim “se posiciona de forma imparcial, não sendo defensor de qualquer uma das partes”.

Cezar Peluso lembrou que normalmente os Habeas Corpus que são impetrados contra atos praticados em ações penais, em regra, têm como titular o Ministério Público. Discordou que o HC seja um recurso, mas não viu como o MP debater com a defesa sem antes ouvir a sustentação oral. Já o ministro Celso de Mello disse que o MP “pode ostentar dupla condição formal em HC e só falaria primeiro se estivesse na condição de impetrante em favor de terceiros”.    

O advogado do governador estranhou as explicações dos ministros, que consideraram que na ausência do PGR, a vice procuradora Deborah Duprat atuaria como custus legis, já que foi ela própria quem defendeu a permanência do governador na prisão, falando em nome do MP como parte requerente. Nélio Machado disse que o advogado tem paridade com o Ministério público, é tão fiscal da lei quanto o MP e os juízes. “É falácia dizer que MP é fiscal da lei nessa causa, pois é acusação e falar por último é um privilégio diante da importância do Habeas Corpus”, concluiu.  

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