Processo aberto

Denúncia revela detalhes de escândalo no TJ-ES

Autor

4 de março de 2010, 3h20

A liberação de acesso irrestrito à denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República contra os envolvidos em esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça do Espírito Santo desnudou o caso que levou à prisão de três desembargadores, incluindo o presidente da corte, no fim de 2008. O escândalo, que começou com a operação batizada de Naufrágio pela Polícia Federal e a PGR, põe na parede 26 pessoas, entre magistrados, advogados e servidores. O Superior Tribunal de Justiça ainda não analisou se aceita a denúncia, mas a relatora do caso, ministra Laurita Vaz já deu prazo para que as partes apresentem defesa prévia.

Ao suspender o segredo de Justiça, no dia 18 de fevereiro, a ministra destacou a necessidade de “ser prestigiada a regra geral da publicidade, importante instrumento de controle da atuação dos órgãos estatais pelos diversos segmentos da sociedade civil, característica marcante e inarredável do Estado Democrático de Direito”. A decisão saiu antes mesmo de o Plenário se reunir para julgar a denúncia feita pela Procuradoria Geral da República, e abriu os dados do Inquérito 589, que deu origem à Ação Penal.

O inquérito é resultado da Operação Naufrágio, pela qual a Polícia Federal e a PGR identificaram um esquema de venda de decisões judiciais, distribuição dirigida de titularidade de cartórios extrajudiciais e fraudes em concursos públicos no TJ-ES.

Foi a Procuradoria quem pediu que o sigilo fosse suspenso. Para o subprocurador da República Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos, autor do pedido, a partir da apresentação da denúncia “não mais subsistem o interesse público e o amparo legal para a persistência do segredo de Justiça. Os interesses privados, nessas circunstâncias, merecem a proteção concedida pelo ordenamento jurídico e, salvo restrições constitucionais, não prevalecem sobre o interesse público”.

De acordo com ele, “mesmo as investigações resultantes de interceptações telefônicas não estão subordinadas a um segredo ad aeternum no tocante aos conteúdos de interesse penal, sob pena de se comprometer o caráter público da Ação Penal, que é erigido também no interesse do acusado, como condição de legitimação do processo”.

Com isso, a ministra abriu ao público em geral, e em especial aos jornalistas capixabas que buscaram a liberação na Justiça, a íntegra das investigações que culminaram com a denúncia de 26 pessoas, entre as quais quatro desembargadores, incluindo o ex-presidente do TJ, Frederico Guilherme Pimentel, quatro juizes — incluindo seu filho, Frederico Luiz Schaider Pimentel, e sua nora, Larissa Pignaton Sarcinelli Pimentel —, um procurador de Justiça, sete advogados, dois empresários, o ex-prefeito da cidade de Pedro Canário (ES), um vereador de Vitória e mais oito servidores do tribunal. Dos 26 denunciados, nove têm ligações direta com o ex-presidente: quatro filhos, uma nora e dois genros, a irmã da nora e um amigo próximo de um dos genros. Do desembargador Josenider Varejão Tavares, dois parentes são acusados, assim como Paulo Guerra Duque, filho do desembargador Elpídio José Duque.

Na época, o Tribunal afastou administrativamente Pimentel, Tavares e Duque, depois que eles foram presos preventivamente. Os juízes Frederico Luiz e Larissa também foram suspensos. Larissa foi aposentada por procedimento administrativo na última semana de fevereiro. O TJ manteve no cargo o quarto desembargador envolvido, Alinaldo Faria de Souza, assim como outros dois juízes denunciados: Robson Luiz Albanez e Cristóvão de Souza Pimenta. O procurador de Justiça Eliezer Siqueira de Souza, que integra o grupo de denunciados, também permaneceu no cargo. Dos três desembargadores, Souza e Duque se aposentaram por idade, e Tavares corre o risco de cair na expulsória em abril.

O subprocurador Vasconcelos pediu à ministra Laurita Vaz o afastamento de todos os servidores públicos de seus cargos. A ministra deixou a decisão para o Plenário, alegando que o afastamento de desembargadores e juízes deve ser julgado por quorum qualificado de dois terços. A ConJur tentou contato com dois dos advogados dos acusados, José Gerardo Grossi e Jonas Modesto da Cruz, mas não teve retorno das ligações.

Tribunal a pique
As investigações começaram com a chamada Operação Titanic, na qual policiais federais e procuradores investigaram supostas fraudes na importação de veículos de luxo pelos empresários Pedro Scopel e seu filho Adriano Mariano Scopel. O caso envolvia Ivo Junior Cassol, filho do governador de Rondônia Ivo Cassol, que enfrenta processo de cassação de mandato no Tribunal Superior Eleitoral. Segundo a polícia, Ivo Junior intermediava benefícios fiscais em Rondônia para a Importadora TAG, dos Scopel, que tinha sede em Porto Velho.

Nas investigações da Titanic, os policias e procuradores da República do Espírito Santo descobriram a primeira negociação de sentenças do TJ capixaba, envolvendo os desembargadores Pimentel e Duque, e seus filhos, Frederico Luiz e Paulo. A polícia apurou negociações entre eles e os Scopel para uma decisão judicial favorável na briga em que os empresários travavam com outros sócios do Porto que administravam em Vila Velha.

Ainda segundo o apurado, a distribuição dirigida de um processo de Conflito de Competência e outras fraudes processuais permitiu que o desembargador Duque desse ganho de causa aos Scopel. Em retribuição, os importadores doram duas motocicletas a Frederico Luiz e Paulo, de acordo com a polícia.

Curiosamente, no entanto, o próprio desembargador Duque fez constar que a sua decisão foi errada, e redistribuiu o processo para o desembargador Maurílio Almeida de Abreu, que estava prevento para o caso. Apesar das doações, os Scopel começaram a sofrer derrotas no Judiciário.

Clã sob suspeita
Na denúncia, o subprocurador narra 14 episódios de fraudes na distribuição de processos, vendas de decisões judiciais e de nomeação de oficiais de cartórios em cidades do interior, em favor da família Pimentel. No primeiro caso, ele dá detalhes de como se juntaram os desembargadores Pimentel, Duque e Tavares, os juízes Larissa e Frederico Luiz, as quatro filhas e dois genros de Pimentel, e outros cinco advogados, para praticarem as fraudes. Segundo o subprocurador, isso prova a “existência de uma quadrilha, hospedada no Tribunal de Justiça do Espírito Santo instituída com vínculo permanente para a prática, reiterada e organizada, de diversos crimes”. Ele denuncia os 16 pelo artigo 288 do Código Penal, que tipifica o crime de formação de quadrilha.

Os acusados responderão ainda por outros nove crimes, como corrupção ativa e passiva, prevaricação, peculato, abandono de função pública, crime de responsabilidade, advocacia administrativa — defesa de interesse privado em função pública —, violação de sigilo profissional, exercício funcional ilegal e exploração de prestígio.

Só o desembargador Pimentel, que responde pelo maior numero de crimes, tem o nome vinculado a formação de quadrilha, corrupção passiva (três vezes), advocacia administrativa (duas vezes), violação de sigilo funcional e peculato.

Cartas marcadas
A denúncia também narra negociações feitas pela família Pimentel em torno de nomeações de titulares de cartórios extrajudiciais que o presidente do tribunal, por decisão pessoal, mandava abrir. Com a suspensão do sigilo das investigações, foi liberado o acesso a gravações telefônicas em que o juiz Frederico Luiz revolta-se ao saber que seu cunhado Henrique Rocha Martins Arruda tenta ficar com todo o dinheiro repassado pelos titulares nomeados por indicação de Pimentel. 

Documento enviado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) aponta movimentação financeira atípica do casal Henrique Arruda e Dione, filha de Pimentel. Somente em créditos repassados pelo Cartório de Registro Geral da 1ª Zona do município de Serra, eles receberam R$ 340 mil em 2008. 

Em um dos telefonemas gravados com autorização judicial no dia 9 de junho de 2008, o juiz Frederico Luiz comenta com a mulher a discussão que teve com o cunhado quando o alertou: "Que é isso? Tem que dividir por nós quatro! Todo mundo, os irmãos, é da família!”.

A denúncia menciona ainda a prática de nepotismo, ilustrada através de uma verdadeira árvore genealógica montada pelos procuradores da República do Espírito Santo. Na menos que 72 nomes no Poder Judiciário do estado têm ligação de parentesco com os desembargadores, segundo a PGR. O campeão é o ex-presidente Frederico Pimentel, com 16 vínculos. 

Ação Penal 623-DF

Clique aqui para ler a denúncia.
Clique aqui para ler o documento do Coaf.
Clique aqui para ouvir a gravação da Polícia atribuída ao juiz Frederico Luiz.
Clique aqui para ver o diagrama de relações de parentesco nos cartórios do ES.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!