Prejuízo à sociedade

Ataque a direito de defesa não atinge só suspeito

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3 de março de 2010, 7h26

Temos assistido nos últimos dias o desenrolar do noticiário sobre o escândalo envolvendo o governador de Brasília, acusado de chefiar um esquema de corrupção no Distrito Federal. Recentemente, o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil representou junto ao Procurador-Geral da República pelo afastamento imediato ou pela prisão preventiva do governador.

Tal fato causa certa perplexidade, porque pode estar havendo uma inversão de posições institucionais historicamente consagradas. A par dessa questão, foi decretada a custódia do investigado, que se encontra preso provisoriamente, aguardando um posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o caso.

É compreensível o sentimento de verdadeira aversão que determinados segmentos da sociedade manifestam por crimes de corrupção cometidos com grande repercussão na mídia, causando grande revolta na população. Em que pese a gravidade dos fatos, cresce nos meios de comunicação o anseio pelo rigor dos diplomas já em vigor, sobretudo quanto à decretação de prisões, sem justificação plausível, apregoando-se a restrição do direito de defesa ampla, o contraditório, o devido processo legal, a presunção de inocência, enfim, como se atingido fosse apenas aquele que está sendo investigado e não a sociedade como um todo.

Entretanto, a opinião pública insuflada pelas notícias de uma parte da mídia não consegue perceber que vivemos sob a égide de uma Constituição cidadã e democrática, instituída num Estado de Direito onde se inscreve o princípio primário de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Deste postulado se extraem algumas conclusões: a condição daquele que responde a um processo penal é a de não culpado e como tal deve ser tratado até decisão final. E que a prisão, antes de prolatada a sentença pelo julgador, somente pode ser decretada se presentes as hipóteses discriminadas no Código de Processo Penal, devendo ela ser justificada por elementos concretos, reais, da sua absoluta necessidade. A presunção é de inocência, e não de culpabilidade, logo, a regra, é a liberdade.

Por outro lado, os maiores atingidos na conjuntura atual não serão tão somente os que são suspeitos de um crime infamante. O sagrado direito de defesa não vê cara, nem coração, além de classe social ou nível cultural, devendo ser invocado em nome de todos os cidadãos, como forma de concretização a uma das mais importantes prerrogativas humanas historicamente consagradas em nossa civilização: o de indignação à sanha acusatória, buscando-se, ainda, a proporcionalidade e o equilíbrio na individualização da pena aplicada.

Alertava o saudoso mestre Antonio Evaristo de Moraes Filho, em memorável texto sobre esta incompreensão, também vivida nos dias atuais, e na falta de reconhecimento, por muitos, da importância de se resguardar o sagrado direito de defesa, de maneira que, se vencida a cegueira do preconceito, perceberiam eles que a verdadeira atingida é a liberdade humana… inclusive daqueles que discriminam e hostilizam essa prerrogativa, mesmo nos casos que possam parecer repugnantes, se num dia precisarem invocar o mesmo direito de defesa ao serem apanhados pelas teias da fatalidade.

Para os militantes da advocacia criminal, é reconfortante saber que, quando atingidos pela incompreensão dos que se julgam onipotentes, o revés não os esmorecerá o ânimo. Mantendo-se firme na crença de que, ao se defender o princípio da presunção de inocência e os direitos fundamentais, estão, sem dúvida, defendendo a legalidade, além da própria sociedade. Por fim, merecem reflexão novamente as palavras de Antônio Evaristo de Moraes Filho: “Triste, porém, o Estado em que os advogados devam ser heróis para executar o seu labor!".

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