Escândalo dos precatórios

MP-SP cobra da Justiça execução de R$ 2,6 milhões

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31 de maio de 2010, 7h15

Uma bolada de R$ 2,6 milhões está a caminho do Tesouro do município paulistano, e outro reforço de quase R$ 30 milhões aguarda aprovação da Justiça paulista. O primeiro número depende apenas da assinatura da juíza Silvia Maria Meirelles Novaes de Andrade, da 12ª Vara da Fazenda Pública da Capital. Ela recebeu pedido urgente do Ministério Público para liberar o valor, que era do patrimônio da Perfil Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários Ltda. A empresa foi condenada por improbidade administrativa, devido a irregularidades na emissão de títulos públicos para o pagamento de precatórios.
 
“Requeiro que oficie-se ao Banco do Brasil, determinando-se a transferência do valor atualizado da execução (R$ 2.627.114,83), para este mês de maio, conforme memória de cálculo em anexo), depositado na conta indicada, em favor da Municipalidade de São Paulo”, pede o promotor de justiça Saad Mazloum no ofício entregue à juíza Silvia Meirelles de Andrade. No documento, o promotor ainda reclama a transferência do valor de R$ 105 mil a ser recolhido a título de custas judiciais.
 
A Perfil é uma das 15 corretoras e instituições financeiras acusadas de participar de operações financeiras consideradas ilícitas durante a gestão de Paulo Maluf à frente da prefeitura paulistana. Naquele período, segundo a Justiça, a Secretaria de Finanças criou um esquema ilegal que consistiu na emissão de títulos públicos lastreados em letras do Tesouro para o pagamento de precatórios. A venda dos títulos foi feita sem licitação e o sistema de compra e recompra causou prejuízos aos cofres municipais. Os acusados foram condenados a restituir os recursos usados ilegalmente.
 
A Justiça decidiu que a prefeitura paulistana, por meio do então secretário de Finanças Celso Pitta, promoveu operações de compra e venda de Letras Financeiras do Tesouro Municipal (LFTM). As operações ocorreram em 1º de dezembro de 1994 e em 21 e 28 de novembro de 1995, e foram lesivas ao patrimônio público municipal. O esquema ainda envolvia o então coordenador da Dívida Pública do município, Wagner Ramos, além de bancos e corretoras de valores.
 
As operações com LFTM são feitas em três modalidades: leilão (que não era feita desde 1994), venda final ou definitiva (quando o comprador permanece definitivamente com os títulos adquiridos) e operações compromissadas ou financiadas (por este modelo a prefeitura, por meio de gestoras de fundos, coloca seus papéis junto a outra instituição, comprometendo-se a recomprá-los no dia seguinte pelo valor que recebeu acrescido da taxa do over).
 
Na tentativa de financiar seus orçamentos, os municípios usam vários instrumentos: tributos, créditos através de antecipação de receita orçamentária e títulos públicos. Esses títulos, por si só considerados, não têm uma atratividade no mercado, como os demais papéis em circulação. Carregam o estigma da falta de liquidez, porque são vinculados ao poder público. Para torná-los mais atrativos, políticas fiscais são incrementadas, como, por exemplo, a fixação de uma taxa de juros mais generosa aos investidores privados. Foi o que aconteceu no caso dos títulos dos precatórios da prefeitura de São Paulo.
 
O caso foi parar na Justiça em junho de 1997, quando o Ministério Público entrou com ação de responsabilidade civil por improbidade administrativa contra os envolvidos. As operações irregulares foram lastreadas com títulos públicos, emitidos para pagamento de precatórios judiciais no valor de R$ 10,4 milhões, segundo análise do Banco Central (Bacen), ou R$ 10.749.146 conforme laudo extrajudicial produzido no inquérito civil. A ação foi assinada pelos promotores de justiça Wallace Paiva Martins Júnior, Luiz Sales do Nascimento e Saad Mazloum.
 
A dinheirama deveria ser usada para o pagamento de precatórios – dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça. A Prefeitura paulistana, no entanto, pediu títulos em valor maior do que as dívidas de precatórios e converteu a papelada em dinheiro líquido, em várias operações consideradas suspeitas. O responsável pela montagem da operação, de acordo com o Ministério Público, foi Wagner Ramos, que lançou no mercado R$ 947 milhões em títulos.
 
A operação foi realizada por um grupo de corretoras. Relatório do Banco Central afirma que os envolvidos fizeram operações que deram prejuízo de R$ 10,7 milhões à Prefeitura, ao vender títulos para corretoras a preços inferiores aos de mercado e depois recomprá-los por valores exorbitantes. Apesar das irregularidades, o lançamento despertou a cobiça de governadores e prefeitos.
 
Na época, Wagner Ramos foi chamado para apresentar seu modelo em Osasco, Guarulhos, Pernambuco e Goiânia. O caso dos precatórios foi parar o Congresso Nacional, onde rendeu, no Senado, uma Comissão Parlamentar de Inquérito – a CPI dos Títulos Públicos.
 
De acordo com o Ministério Público, os títulos municipais foram lançados no mercado, em operações compromissadas com cláusula de recompra pelo município. Os papéis tinham deságio acima do mercado, o que os tornava muito baratos para os primeiros compradores, mas em operações sucessivas e recíprocas, muitas vezes diárias, entre as várias corretoras e o Tesouro Municipal. Dessa maneira, os títulos eram recomprados e revendidos até atingirem o valor real de mercado pago pelo comprador final ou definitivo, em operação realizada com instituição que não fazia parte do grupo de corretoras.
 
Assim, a diferença entre o valor pago pelo comprador final dos títulos, em operação realizada a preços realmente de mercado, e o depreciado valor inicial efetivamente recebido pelo Tesouro, era o lucro dessa cadeia de operações intermediárias, feitas, sempre, com as mesmas corretoras e distribuidoras, sem nenhum tipo de leilão. Toda essa operação era autorizada por Celso Pitta e Wagner Ramos.
 
A ação do Ministério Público aponta como responsáveis pelo prejuízo ao Erário além de Celso Pitta e Wagner Ramos, as empresas Negocial Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, Contrato Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, Áurea Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, Paper Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, Big S/A (Banco Irmãos Guimarães S/A), Banco Investor de Investimentos S/A, Banco Tecnicorp S/A, Valor Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários Ltda, Perfil Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários Ltda, JHL Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, Leptos Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, Cedro Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, ERG Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, Banco Indusval S/A e Credicorp Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda.
 
Em primeira instância, o juiz Pedro Aurélio Pires Maríngolo, então com cadeira na 12ª Vara da Fazenda Pública, condenou Celso Pitta, Wagner Ramos e as corretoras e bancos a ressarcirem, solidariamente, os cofres do município em R$ 10,749 milhões. O juiz determinou ainda que os envolvidos pagassem multa civil no dobro do valor estabelecido para ressarcimento ao Erário. O magistrado condenou Pitta e Wagner Ramos a suspensão dos direitos políticos por oito anos e os proibiu de fazer contratos ou receber incentivos do poder público pelo prazo de cinco anos. As instituições financeiras também foram proibidas de contratar com o serviço público pelo mesmo prazo. A Justiça determinou também a indisponibilidade dos bens dos envolvidos.
 
Os condenados recorreram ao Tribunal de Justiça, que reformou em parte a sentença. Na decisão, a 4ª Câmara de Direito Público, por votação unânime, considerou que havia provas do prejuízo ao erário municipal pelas operações de troca e recompra, em cadeia, com deságio incompatível e desarrazoado. A turma julgadora responsabilizou Pitta e Wagner Ramos, além das corretoras de valores e os bancos, como beneficiários diretos e indiretos das operações irregulares. O Tribunal reformou a sentença apenas para reduzir o valor do ressarcimento ao Erário. No lugar da restituição ser solidária, a condenação foi imposta em valor proporcional ao dano causado em cada operação por cada um dos envolvidos.
 
Insatisfeitos com a decisão, os réus recorreram ao STJ. Alegaram que as operações foram devidamente contabilizadas, não havendo provas da prática de improbidade administrativa e que não ficou comprovado que teriam causado com dolo o alegado prejuízo ao erário público.
 
A ministra Eliana Calmon não aceitou a tese da defesa de que os acusados não agiram com culpa ou dolo nas operações financeiras de compra e venda de títulos públicos. “O exame da prova dos autos feito pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, quanto à existência de dolo ou culpa dos ora recorrentes ou a ocorrência ou não de lucro, decorreu da análise dos fatos e dos documentos constantes do processo que nessa instância especial não podem ser revistos, diante da vedação consubstanciada na Súmula 7/STJ”, afirmou a ministra, que foi acompanhada pelos demais colegas da Segunda Turma do STJ.

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