Melhor prevenir

Tribunais de Contas devem agir antes dos desvios

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29 de maio de 2010, 8h52

O Brasil vive um momento singular em sua história. Até parece que estamos perdendo o nosso famoso “complexo de vira-lata”, expressão cunhada por Nélson Rodrigues. Os indicadores econômicos favoráveis potencializam melhores condições de vida à maior parte da população. A responsabilidade fiscal, que passou a ser exigida da administração pública, foi um dos fatores que contribuiu para a drástica redução da inflação. Além disso, produziu sucessivos superávits, permitindo que o Estado ampliasse sua capacidade de investimento. E parte dessa capacidade tem sido utilizada para a realização de obras públicas, cuja finalidade é atender às crescentes demandas da sociedade.

O quadro favorável demonstrado deve-se à Constituição Federal de 1988, que merece crédito por grande parte dos avanços apontados. Não é por acaso que as expressões cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho, livre iniciativa, desenvolvimento nacional, promover o bem de todos e responsabilidade fiscal constam do seu texto. Ao inaugurar a ordem jurídica, estruturando o Estado, elenca princípios fundamentais que norteiam a atividade da administração pública, que deve ter como fim primordial o bem-estar do cidadão.

Tais considerações constituem o pano de fundo em que se situa o tema objeto de destaque nas últimas semanas: o papel do Tribunal de Contas da União na paralisação das obras públicas federais.

Tratado no artigo 71 e seguintes da Carta Magna, o TCU é incumbido de fiscalizar as obras em que são empregados recursos da União. Sua atividade-fim é realizada por um dos corpos técnicos mais qualificados da administração federal, que produzem o trabalho que embasa as manifestações do Ministério Público de Contas da União e do próprio Tribunal.

Ano após ano, bilhões e bilhões de reais deixam de ser desviados dos cofres públicos graças à sua firme atuação. A Revista 98 do TCU evidencia que o acompanhamento das obras é realizado desde 1997. Até 2003 – ano da veiculação da revista – foram vistoriadas 1.713 obras. As principais irregularidades detectadas foram: licitações viciadas (30% do total de obras fraudadas), superfaturamento (20%) e alterações indevidas nos projetos (10%). Após a informação das irregularidades ao Legislativo, podem ser suspensos os repasses, bem como paralisados os empreendimentos. A medida extrema é somente tomada se frustradas outras tentativas de ajustamento de conduta.

Se, por um lado, a sociedade cobra a célere e regular execução de tais empreendimentos, por outro, obviamente espera que o dinheiro público seja bem aplicado. O desafio que se apresenta, portanto, é compatibilizar celeridade com legalidade, legitimidade e economicidade, exigências constitucionais para a gestão de recursos públicos.

O controle concomitante das obras, feito pelo TCU, tem evitado desvios de bilhões de reais. A sociedade não pode e não deve abrir mão desse mecanismo. Depois que os recursos são desviados, dificilmente se consegue sua devolução aos cofres públicos.

A única saída para se evitar as indesejáveis paralisações parece ser tornar mais ágil a decisão final do TCU, sem que se abra mão das indispensáveis medidas cautelares, instrumento cuja validade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.

É interessante trazer à baila o exemplo das metas traçadas pelo Conselho Nacional de Justiça. A iniciativa poderia ser seguida pelo sistema Tribunais de Contas. Aliás, tramitam nas Casas do Congresso Nacional propostas de emenda constitucional que criam o Conselho Nacional dos Tribunais de Contas. Feitos os ajustes necessários, referidos colegiados poderiam delinear os rumos de todos os Tribunais de Contas do Brasil, a exemplo do que tem feito o CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público.

Tendo como ponto de partida as premissas acima, o diálogo entre Executivo, Legislativo, Tribunais de Contas e Ministério Público de Contas se impõe. Nenhuma instituição pode se achar pronta e acabada. Ao contrário, deve estar aberta ao ideal de melhoria contínua.

Preservadas as competências das Cortes de Contas, dotadas de melhores mecanismos que possibilitem a rápida solução dos litígios, as obras públicas poderiam seguir seu curso regular, sem os custos indesejáveis advindos das paralisações. Toda a sociedade ganharia com isso.

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