Escalpelamento no Pará

Defensoria mantém programa de conscientização

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29 de maio de 2010, 7h17

Onde os rios são rodovias, mulheres e crianças vivem o terrível drama de terem seus cabelos repentinamente puxados e o couro cabeludo arrancado pelo motor de pequenas embarcações que fazem o transporte na região ribeirinha, no Norte do Brasil. Onde perucas são itens de luxo, as sequelas ficam expostas na cabeça, nas sobrancelhas, orelhas e parte da face, fazendo com que qualquer exercício de vaidade se torne a mais dolorosa das missões.

Somente no Pará, há registro de 20 escalpelamentos no ano de 2009, e, no Amapá, 12 casos. A luta pela erradicação desses acidentes é bandeira da Defensoria Pública da União, por meio da defensora pública federal Luciene Strada, coordenadora do projeto que atende mais de 150 vítimas nos mencionados estados, com ações para atenuar consequências físicas e morais e busca de meios preventivos para exterminar o escalpelamento.

Na região amazônica, a malha hidrográfica é de aproximadamente 50 mil quilômetros de rios navegáveis, com milhares de pessoas residindo em comunidades ribeirinhas. Essas famílias, na maior parte, desafortunadas, têm um sonho de adquirirem uma embarcação a fim de viabilizar qualidade de vida para os filhos, facilitando o transporte para escolas e outras necessidades familiares.

Quando alcançam essa melhoria, no entanto, não se atentam aos problemas: os barcos utilizados pelos ribeirinhos são construídos de forma artesanal e têm o eixo do motor descoberto, razão pela qual mulheres e crianças acabam tendo os cabelos emaranhados na hélice. Para as vítimas, as cicatrizes não são apenas físicas, mas também emocionais, pois sofrem preconceito para reinserção social e dificuldades para conquistar postos de trabalho.

No último dia 11 de março, o Governo Federal, Defensoria Pública da União, Marinha do Brasil e outros parceiros, lançaram no Pará uma campanha de conscientização, conclamando a população ribeirinha para instalação gratuita de proteção nos eixos dos motores descobertos das pequenas embarcações.

Há ainda outra campanha em curso: estima-se que mil barcos pequenos serão protegidos no projeto de instalação de cobertura dos motores que ocorrerá nas localidades com maior incidência de escalpelamento – nos municípios de Breves/Pará (em 20 a 25 de março) e em Santana/Amapá (em 23 a 30 de abril de 2010).

A partir dessa mobilização, transparece de forma muita clara que o estado brasileiro começa a ampliar o conceito de assistência jurídica, a fim de permitir que grupos vulneráveis passem a ter voz e acesso à informação, cuja ausência é sinônimo de perpetuação das desigualdades e continuidade de acidentes normalmente ocorridos com filhas e esposas dos próprios donos dos barcos, que desconhecem os perigos de acidente.

A campanha de conscientização reflete também educação em direitos que somente será efetiva no Brasil quando houver um olhar cuidadoso para que a Defensoria Pública, instituição destinada a dar voz aos grupos vulneráveis, esteja efetivamente implementada em todo o território nacional.

Em âmbito estadual, passados mais de 20 anos da nova ordem constitucional, não há Defensoria Pública nos estados do Paraná, Santa Catarina e Goiás. Significa dizer que os grupos vulneráveis desses estados não contam com uma instituição pública que tem por mister prestar assistência jurídica e abrir as portas do poder judiciário.

Na área federal são apenas 340 defensores públicos federais para todo território nacional, lotados quase na totalidade apenas nas capitais, o que não impede, por outro lado, que os membros da instituição estejam à frente tanto de um movimento para erradicar o escalpelamento no Brasil, como na prestação de assistência jurídica a mais de 150 vítimas da região norte.

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