Acesso eletrônico

CNJ abre consulta para debater publicidade dos autos

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27 de maio de 2010, 8h29

O Conselho Nacional de Justiça abriu para consulta pública uma proposta de resolução para regulamentar o acesso aos autos no mundo eletrônico. O texto tenta dosar os princípios constitucionais de publicidade do processo como forma de garantir transparência ao Judiciário e o direito à privacidade, à honra e à imagem das partes envolvidas na ação judicial.

Como adiantou o conselheiro Walter Nunes, coordenador do grupo de trabalho que estuda o tema no âmbito do CNJ, à revista Consultor Jurídico, a ideia é buscar meios de garantir o acesso sem que isso prejudique pessoas que procuram o Judiciário em busca de direitos. Uma das questões que chegou ao Conselho foi a elaboração de “listas negras” de trabalhadores que já reclamaram de empregadores na Justiça trabalhista e que enfrentam dificuldade no mercado de trabalho por conta da reclamação.

O texto prevê o acesso a dados básicos do processo sem necessidade de cadastramento ou manifestação de interesse. Esses dados são: número, classe e assunto do processo; nome das partes e de seus advogados; movimentação processual e inteiro teor de decisões, sentenças, acórdãos e votos. A exceção é para processos em segredo de Justiça.

O artigo 3º da proposta prevê que “os sistemas devem possibilitar o acesso automático às peças dos autos, armazenadas em meio eletrônico, por pessoas cadastradas, mas não vinculadas ao processo, mediante prévio envio eletrônico da manifestação de interesse”.

Hoje, não há um padrão. Há tribunais que fornecem mais informações e outros menos em relação ao processo, ainda que seja físico. Algumas ações em trâmite no Supremo Tribunal Federal permitem o acesso de qualquer internauta a todos os documentos do processo, desde a petição inicial até as manifestações dos órgãos públicos.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.234, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, por exemplo, apresenta vários documentos online cujo acesso só depende de incluir o número da ADI no sistema de busca. Na ação, a Procuradoria-Geral da República questiona a constitucionalidade da patente pipeline. Várias entidades entraram com pedido de amicus curiae e é possível acessar a íntegra dessas petições.

Isso não acontece apenas com ADIs. Em alguns casos, é possível acessar peças eletrônicas de Habeas Corpus e obter, também sem cadastramento, a íntegra dos pedidos de liminares, além das decisões dos ministros.

Para a advogada Ana Paula de Barcellos, do Luis Roberto Barroso & Associados, o processo eletrônico pode garantir o que, na prática, não acontece hoje: a publicidade. É que, embora a Constituição estabeleça que o processo seja público, nem sempre é simples ver um processo na Vara em que ele tramita sem ter advogado com procuração nos autos.

“Acho que o exercício da atividade jurisdicional é o exercício de poder político. A regra deve ser a publicidade”, disse. Para a advogada, a publicidade não é apenas um “conceito formal”. Ela entende que, hoje, já existem mecanismos para restringir o acesso ao processo, que é o segredo de Justiça, medida excepcional.

Ana Paula de Barcellos reconhece que pode haver abuso e entende que a preocupação do CNJ é legítima. Mas, para a democracia, a advogada considera ser mais importante a publicidade na rede a restrições que inviabilizem ou dificultem o acesso aos autos. “É preciso avaliar o sistema como um todo. Hoje, o que acontece é que há pouca informação e pouco acesso.”

Ela citou o caso de São Paulo, em que não se consegue saber de decisões, da jurisprudência, a não ser que vá à Vara tirar cópia. Para ela, as restrições devem ser o mínimo possível.

No caso da Justiça trabalhista, a advogada entende ser razoável não permitir buscas do processo pelo nome do reclamante. “Não é tão importante saber quem é, e sim o que aconteceu”, diz.

Para o advogado Leonardo Brandão, do Décio Freire & Associados, os princípios constitucionais como o da preservação da intimidade e do acesso à informação devem ser harmonizados. “Não se trata de descartar um em benefício de outro, mas de considerá-los de maneira sistêmica e integrada.”

Para Brandão, não há problemas em exigir o preenchimento de um cadastro por interessados em acessar dados processuais por via eletrônica, inclusive se identificando com endereço eletrônico válido, desde que as informações não estejam protegidas por sigilo.

“A proposta do CNJ em debate anda bem, e me parece compatível com a legislação vigente, quando libera acesso irrestrito – exceto em casos de sigilo ou segredo de justiça – a nome de partes, advogados, movimentação processual, cópia de decisões, sentenças e acórdãos, exigindo cadastro para outras peças, embora não estejam previstas as regras específicas para este cadastramento”, afirma.

O advogado também considerou benéfico a ideia de não atribuir ao juiz o poder de permitir ou não o acesso a documento que não esteja sob sigilo. “O acesso previsto no texto constitucional não prevê esta condição, além de, com isto, ser criada mais uma atividade para o já assoberbado órgão julgador, e de fazer surgir possível foco de conflitos.” Um dos conflitos que poderia surgir é quando alguém interessado em ver uma peça do processo tivesse o pedido negado e o modo como isso seria feito, através de recurso, para qual órgão e em que prazo.

O acesso aos autos do processo pode ser uma solução para situações que esbarram na estrutura física dos cartórios judiciais. O advogado Eduardo Macedo Leitão, do Siqueira Castro – Advogados, citou as consequências do pedido de recuperação da empresa Casa & Vídeo. Como muitos credores estavam procurando a vara onde tramitava o pedido para obter informações do processo, e este sempre estava fora do cartório disponível a outra pessoa para também copiá-lo, a solução adotada foi disponibilizar uma cópia em uma copiadora próxima à Vara para que os interessados já fizessem isso por lá. Foi uma solução física para uma demanda extraordinária. “Imagina, por exemplo, mil credores tentando obter cópia de um processo”, afirmou o advogado.

Como isso poderia ser feito em casos de grande repercussão por meio eletrônico ainda é uma incógnita. O advogado Fábio Korenblum, também do Siqueira Castro – Advogados, viu a proposta do CNJ como uma maneira de estabelecer as informações mínimas que têm de estar disponíveis na internet sobre os processos judiciais. Se tribunal entender, permitir e conseguir viabilizar que se tenha mais do que essas informações, diz, ótimo. “Pelo menos, o CNJ quer o mínimo.”

Para Eduardo Leitão, há o risco de que, ao exigir manifestação prévia, o interessado em acessar peças processuais fique sujeito à política de conveniência, principalmente, nos casos de maior repercussão social, “O risco existe, mas não vejo a iniciativa com maus olhos”, disse.

Já Korenblum não vê na proposta a possibilidade de negativa de informação pelo tribunal, mas um mecanismo de garantir segurança. “Só o tempo vai permitir análise mais apurada.” Talvez, diz, a manifestação do interessado vá gerar uma resposta eletrônica. “Talvez, o interessado receba uma senha ou precise fornecer o número do CNPJ ou do CPF. Já seria um bloqueio prévio”, disse.

“A proposta de resolução do CNJ vem sendo muito feliz na ponderação dos princípios constitucionais da liberdade de informação e do direito à intimidade, principalmente quando impede o acesso de dados sigilosos ou que possam causar dano à imagem da parte”, disse Eduardo Macedo Leitão.

“Toda discussão ampla e pública que tenha como objeto viabilizar o crescente uso da tecnologia para gerar ganhos na tramitação de processos é muitíssimo bem vinda”, disse o advogado Leonardo Brandão. Para ele, é importante ordenar a forma de acesso eletrônico aos atos processuais, principalmente se as regras, claras, forem debatidas, previamente, com a sociedade. “Estas regras, obviamente, não podem ofender qualquer norma jurídica, muito menos significar desobediência à Constituição Federal."

Clique aqui para ver o texto.

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