Efeito na concorrência

Conselheiros do Cade divergem sobre abuso de direito

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25 de maio de 2010, 13h22

O conselheiro Olavo Chinaglia, do Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade), abriu divergência do voto do relator Fernando Furlan, no caso em que a Siemens VDO Automotive é acusada pela Seva Engenharia Eletrônica de prejudicar a concorrência por meio do abuso do direito de ação ou litigância de má-fé. O caso ganhou destaque no meio jurídico porque é a primeira vez que o Cade analisa uma denúncia em que uma empresa teria movido sucessivas ações judiciais com o intuito de impedir ou prejudicar a concorrência.

As duas empresas atuam no mercado de tacógrafo. Para o conselheiro Fernando Furlan, "ficou provado que o produto da Siemens não atendia as exigências legais, mas a empresa moveu ações para exigir a regularização por parte da concorrente". Ao mesmo tempo, a Siemens questionou a legalidade dos regulamentos dos órgãos competentes para homologar o tacógrafo da Seva. O relator entendeu que a Siemens não tem essa legitimidade e agiu no intuito de prejudicar o funcionamento da concorrente. Em dezembro de 2009, Furlan votou pela aplicação de multa de 1% sobre o faturamento da Siemens, cerca de R$ 14 milhões. Depois de cinco meses com o processo em vista, Olavo Chinaglia apresentou voto divergente na sessão do último dia 20 de maio. O conselheiro César Mattos pediu vista do processo.

Em suas ações judiciais, a Siemens exigiu que a concorrente atendesse a todos os regulamentos existentes para o tacógrafo, mas o seu próprio produto sequer era homologado pelos órgãos competentes. Para o relator, a empresa agiu de forma abusiva e anticompetitiva.

Já o conselheiro Olavo Chinaglia entendeu que a Siemens não foi a juízo se opor à venda de tacógrafos não homologados pela Seva, pois “inexistem nas demandas quaisquer pedidos de impedimento ou restrição de comercialização dos produtos”. O que a Siemens reclama, segundo o conselheiro, “é a falta de requisitos legais nos atos do Denatran, gerando uma autorização irregular”.    

Em seu relatório complementar, Olavo Chinaglia revela uma situação preocupante. Segundo ele, “a comercialização de tacógrafos sem a homologação do Denatran parece ter sido comportamento comum aos participantes do setor”. Em resposta às consultas feitas pelo conselheiro, várias empresas informaram que durante períodos variados de 5 anos e de 8 anos, até 2007, comercializaram diversos tipos de tacógrafos que “jamais contaram com a homologação do Denatran”. Nesse período, quase 18 mil caminhões e ônibus foram fabricados com tacógrafos irregulares.

Para o conselheiro, o comportamento comum das empresas “não afeta a legitimidade da Siemens para questionar judicialmente homologações aparentemente ilegais concedidas pelo Denatran”. Além disso, Chinaglia não encontrou nas ações “nenhum efeito deletério à concorrência”.      

Além de questionar a legalidade dos atos do Denatran que homologaram os tacógrafos da concorrente, a Siemens pediu a suspensão liminar da autorização que o órgão deu à Seva. Para Olavo Chinaglia, a ação “não tem artifício malicioso” e não traz “grandes riscos à coletividade ou dano ao consumidor”. Para ele, a Siemens “simplesmente argumentou que a homologação sem a observância dos requisitos legais lesa, ao mesmo tempo, os valores protegidos pela regulação estatal, no caso a segurança do trânsito, e a os interesses privados dos concorrentes, havendo risco de perigo da demora da prestação jurisdicional”. Mesmo em relação ao pedido de suspensão liminar da autorização da Seva, o conselheiro entendeu que a Siemens agiu “no regular exercício do direito de ação”.

De acordo com o relator do caso, Fernando Furlan, ao mover as ações judiciais a Siemens violou os direitos difusos da concorrência, pois gerou incerteza sobre a regulação aplicada ao setor e, assim, construiu uma barreira à entrada de concorrentes. O conselheiro Olavo Chinaglia disse que não percebeu “qualquer relação de causalidade entre a conduta da Siemens e uma suposta incerteza regulatória no mercado de tacógrafo”. Segundo ele, no período entre 2000 e 2008, “oito tipos de tacógrafos de três fabricantes distintos foram homologados pelo Denatran”, em atos regulatórios distintos daqueles que são questionados pela empresa. Além disso, a Seva “jamais deixou de comercializar tacógrafos e aumentou o seu faturamento, mesmo no período de vigência da liminar”.

Olavo Chinaglia votou pelo arquivamento do processo, afastando também a denúncia de convite à cartelização, oferecida a partir de gravações de reuniões entre representantes das duas empresas. Para ele, ainda que houvesse o convite, sem a consequente aceitação, não torna a Seva uma vítima, já que não houve ameaça. Apesar disso, a gravação apresentada não é prova ilícita, pois não viola o direito constitucional da privacidade, existente entre médico e paciente, advogado e cliente. De acordo com Chinaglia, recentemente o Supremo Tribunal Federal reconheceu em regime de repercussão geral, a licitude da gravação ambiental obtida por um dos interlocutores à revelia do outro.

Para o presidente do Cade, Arthur Badin, o conselheiro Olavo Chinaglia “inaugurou uma divergência importante, pois se opôs a todos os relatórios anteriores”, apresentados pelo relator, pela Procuradoria do Conselho e pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. O procurador do Cade, Gilvandro Araújo disse que a decisão do STF, em recurso relatado pelo ministro Cezar Peluso, que estabeleceu a diferença entre a clandestinidade e a ilicitude da prova gravada, ocorreu após o parecer da Pro-Cade. “Posso dizer que a Procuradoria adere completamente a essa decisão do Supremo, que ocorreu posterior e nos dá muita tranqüilidade para retificar a nossa manifestação”, disse o procurador. Segundo ele, já ocorreu da Procuradoria mudar o seu parecer a partir de decisão judicial ocorrida durante a tramitação do processo no Cade. [Notícia atualizada em 27/5/10, às 17h40, para corrigir as considerações do conselheiro sobre a licitude da prova gravada]

Processo 08012.004484/2005-51

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