Crime decorrente

Acusação de quadrilha cai se as demais prescreveram

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22 de maio de 2010, 7h44

O crime de formação de quadrilha depende da possibilidade de o Estado punir os ilícitos para os quais os acusados se reuniram para cometer. O entendimento, mostrado pela 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, é mais simples do que parece. O raciocínio é que, se crimes com menor prazo prescricional já caducaram, a acusação de formação de quadrilha, mesmo que ainda não tenha prescrito, cai junto. O acórdão foi publicado na quinta-feira (13/5).

Por esse motivo, sete diretores de empresas ligadas à TIM Brasil estão livres de acusações de crime falimentar e, por consequência, de formação de quadrilha. Eles foram denunciados no ano passado por fraude, falsidade ideológica, omissão de escrituração fiscal, extravio de documentos, desvio de bens e formação de quadrilha.

“Se os delitos que deram ensejo à instauração da Ação Penal foram considerados prescritos, extintos estão, consecutivamente, todos os efeitos primários e secundários, penais e extrapenais, se nos afigurando inadmissível a apuração do delito de quadrilha ou bando”, diz o acórdão do TJ paulista. O motivo é óbvio, e dispensa mais explicações do que deram os desembargadores. “Para que houvesse a condenação do paciente no delito do art. 288 do Código Penal, mister seria a análise das suas condutas nos crimes derivados da falência, cuja possibilidade restou, nesta decisão, extinta.”

Simples e direto, o raciocínio inovou na jurisprudência da corte. Após a decisão, os desembargadores decidiram enviar o acórdão para a Comissão de Jurisprudência do tribunal.

As empresas pelas quais respondiam, Tecnosistemi, Eudósia, Metalpark, Acquasparta, Servsite, Cral, Denwabras, Palas Athena, Technosson, SAI Brasil, Tecnolux, Net Systems e Sisargas, encerraram suas atividades assim que instalaram as antenas para telefonia móvel, inaugurando o sistema GSM no país. Na época, ainda não havia legislação para regular os locais e condições de instalação. As empresas negociaram com cada prefeitura, contrataram dezenas de terceirizadas e fecharam as portas sem pagar empregados e fornecedores.

A promotoria também as acusou de usar de má-fé ao pedir concordata, já que o capital com o qual afirmavam contar — o das matrizes na Itália — já estava comprometido por causa da moratória pedida na própria metrópole estrangeira. Os credores pediram recentemente a admissão da TIM Brasil como corresponsável pelo passivo. As falências deixaram um rombo de R$ 100 milhões cobrado judicialmente, e 700 títulos protestados.

Segundo o acórdão, assinado pelos desembargadores Borges Pereira, Newton Neves e Pedro Menin, apesar de a nova Lei de Falências, a Lei 11.101/2005, remeter a regulação de prescrição de crimes falimentares ao Código Penal, a norma antiga — o Decreto-lei 7.661/1945 — previa que fraudes contra credores prescreviam dois anos após a decretação da quebra. Como a falência de uma das empresas, a Eudósia Brasil Ltda, ocorreu em 2003, possíveis ilícitos estavam debaixo da regra anterior.

Pelo cálculo do prazo, Michele Panati, italiano que dirigia a Eudósia, não poderia mais responder por crimes falimentares a partir de 12 de maio de 2009. De acordo com o entendimento dos desembargadores, a antiga Lei de Falências dava dois anos para que o processo de quebra terminasse, a partir de quando o Ministério Público contava com outros dois anos para ajuizar a denúncia. Como um recurso contra a decisão da falência foi julgado apenas em 12 de maio de 2005, só aí a contagem começou.

O Habeas Corpus em favor de Panati foi ajuizado pelo advogado Paulo Eduardo Soldá, mas beneficou também outros dois acusados: Atílio Ortolandi e Claudio Raffaelli. Segundo o criminalista, a decisão abrange todos os envolvidos no caso, e pode ser estendida até mesmo aos acusados que sequer chegaram a constituir advogado. “Basta que os interessados entrem com o pedido de extensão do Habeas Corpus”, diz.

Denúncia vencida
A denúncia foi aceita pelo juiz Maury Ângelo Bottesini, da 31ª Vara Cível da Capital paulista, exatamente em 12 de maio do ano passado — dia da prescrição. Com isso, resta agora à massa falida apenas tentar recuperar parte do que foi perdido. Segundo o Ministério Público, os diretores esvaziaram o patrimônio das empresas, já que só a Eudósia tinha a receber, em bens e valores, R$ 80 milhões. “Confirmada a quebra pela superior instância, foram arrecadados apenas os bens descritos no auto de arrecadação, avaliados em R$ 129,5 mil e vendidos em leilão por R$ 105,5 mil”, disse a promotoria à Justiça.

“Ao final de 2004, na vigência do efeito ativo conferido ao recurso interposto contra a decretação da quebra, o caminhão placa DBJ 2592/SP deixou as dependências da falida, carregado de bens da massa, sem que houvesse comunicação a este juízo, estando, então, caracterizado o desvio”, afirmou a acusação, que caiu.

Fora do rol de crimes falimentares, a formação de quadrilha foi a grande questão do julgamento. Para a Procuradoria-Geral de Justiça, o crime teria de ser excluído da prescrição, já que, segundo o Código Penal, a pena prevista exige oito anos para que a contravenção não possa mais ser imputada.

“A decretação da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva (o caso destes autos), extingue, efetivamente, o poder de apuração do Estado, assim como de qualquer juízo de valor da conduta alcançada pela prescrição”, diz o acórdão. Na prática, a afirmação significa que qualquer pretensão de punição referente a crimes prescritos, mesmo que indiretamente, não deve prosseguir na Justiça.

HC 990.10.020888-8

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